Mdia
Como fazer assepsia noticiosa
[por Ernesto Germano Parés] Ligo o computador, nesta manhã, e vou ler os jornais. Surpreso, deparo com uma chamada no Jornal do Brasil: “Grupos de direita queimam instalações de canal estatal na Bolívia”. A matéria é bem cheia de detalhes e diz que “Uma multidão de manifestantes de direita contrária ao governo do presidente boliviano, Evo Morales, saqueou e incendiou o escritório regional do canal de televisão estatal na cidade de Santa Cruz (...)” e descreve as ações da seguinte maneira: “Os manifestantes saquearam o escritório, destruíram computadores e móveis e fizeram uma fogueira na porta de entrada do prédio...”. Pouco adiante, a matéria informa que “Ações semelhantes ocorreram em povoados das regiões de Beni e Tarija, onde grupos civis de oposição a Morales tomaram uma usina petroleira, mas não conseguiram cortar o fornecimento de gás natural para o Brasil.” Passei por outros jornais – Folha de São Paulo, Estadão, Globo, etc – e cheguei ao Tribuna da Imprensa onde li que “Os manifestantes têm o apoio de cinco dos nove governadores da Bolívia, (...). Outros grupos militantes bloquearam as rodovias no leste da Bolívia, parando caminhões que transportavam gás liquefeito de petróleo e diesel.” Foram seis jornais consultados, na internet, e uma curiosidade: em qualquer deles vi um só adjetivo que nos levasse a imaginar que as atitudes são ilegais e condenáveis. Em nenhuma das matérias eles são chamados de baderneiros ou terroristas. Nenhuma das matérias fala em desrespeito à democracia! Aliás, nenhuma fala que o presidente Evo Morales foi eleito democraticamente e que é o legítimo representante boliviano. Também não vemos referência ao recente referendo popular que demonstrou a legitimidade e o apoio ao governo. Nada! Uma matéria escrita de forma asséptica, sem emoção e sem posição, como penso que deveriam ser sempre as notícias dos jornais. O jornal Estado de São Paulo chega a colocar que “Oposição boliviana faz bloqueios e ameaça cortar gás para o Brasil”. Atraído pela matéria, busquei atentamente uma só palavra condenando o ato dos manifestantes ou de indignação pela possibilidade de ficarmos sem o gás que compramos. Nada! Apenas a notícia, de forma simples e limpa. Não vi qualquer comentarista exigindo “respeito aos acordos assumidos”, como aconteceu quando o presidente Evo Morales nacionalizou as riquezas minerais do país. Incrível, desta vez ninguém “sugeriu” que o Brasil deveria invadir a Bolívia para garantir o fornecimento de gás, como aconteceu no caso das nacionalizações. Agora fico pensando: e se fosse diferente? Sim, se isto estivesse acontecendo, por exemplo, na Colômbia onde o presidente Uribe, apoiado por Bush e pela direita latino-americana, tenta emplacar um terceiro mandato que é inconstitucional? E se militantes da oposição a Uribe fossem para as ruas denunciar o golpe de Estado para conduzir novamente o canalha ao poder? Imaginemos um grupo de militantes contrários ao governo Uribe indo para as ruas e impedindo a passagem de caminhões! Sim, um bloqueio das rodovias da Colômbia, como foi feito na Bolívia. Certamente nossos jornais estariam exigindo a presença das “forças legais” que garantissem o “direito de ir e vir dos cidadãos”. Por certo já estariam adjetivando o movimento como “irresponsáveis”, “baderneiros” e mesmo “terroristas”. Por fim, como não poderia deixar de ser, vemos a verdadeira face da imprensa e encontramos uma “escorregada” do jornal Estado de São Paulo. A matéria diz que “O objetivo é protestar contra o projeto de uma nova Constituição, aprovado por parlamentares governistas em novembro, que Evo pretende referendar em votação em dezembro.” Repararam a maldade da matéria? O “jornalista” escreve que a Constituição foi “aprovada por parlamentares governistas”, em flagrante distorção da verdade. A Constituição foi aprovada por ampla maioria do Congresso boliviano e contrariou os interesses de uma minoria de grandes proprietários. Mas o jornalista fajuto não consegue esconder que, apesar de já ter sido votada, o presidente Evo Morales ainda vai submetê-la a aprovação popular. Ao invés de baderna, por que a “oposição” boliviana não faz campanha contrária para as eleições de dezembro? Respondo: porque sabem que serão derrotados e que não resta outro caminho para eles senão o golpe, apoiado por Washington.
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