Entrevistas Democratização da mídia: é preciso olha para além do Brasil
Democratização da mídia: é preciso olha para além do Brasil Uma conversa sobre a comunicação hoje. É assim que pode ser resumida a entrevista que o Boletim do NPC fez com o professor Dênis de Moraes. Entre uma pergunta e outra, reflexões sobre a concentração dos meios de comunicação, o trabalho do jornalista, a luta pela democratização da mídia no Brasil e na América Latina.
Dênis de Moraes é professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, autor e organizador, entre outros livros, de Cultura mediática y poder mundial (Buenos Aires: Norma, 2006), Sociedade midiatizada (Rio de Janeiro: Mauad, 2006; edição em espanhol: Sociedad mediatizada. Barcelona: Gedisa, 2007) e Por uma outra comunicação (Rio de Janeiro: Record, 2003; edição em espanhol: Por otra comunicación. Barcelona: Icaria/Intermón, 2005). Ainda este ano, publicará um novo livro intitulado A batalha da mídia: a comunicação dos governos progressistas da América Latina e outros ensaios.
A INFORMAÇÃO, HOJE
“Se há uma concentração dessas fontes, o que é produzido por essas fontes obedece a uma escala de valores, de princípios e de visões de mundo também restrita em função das conveniências estratégicas, das avaliações sobre o real que as fontes controladoras estabelecem”.
BoletimNPC - O senhor considera que as pessoas são mais informadas hoje do que há 30, 40 anos? Dênis de Moraes - Indiscutivelmente, são.
BoletimNPC - A que se deve este fato? Dênis de Moraes - A um conjunto de fatores, entre os quais devemos reconhecer a proeminência das tecnologias, particularmente nos campos da comunicação e da difusão cultural. Nas últimas décadas tem havido uma profusão de meios, de formatos, linguagens, de padrões de interação, de estruturas de veiculação, como não tivemos em qualquer outro momento. Da mesma forma, a oferta de conteúdos e serviços de informação e entretenimento cresceu de uma maneira exponencial. É evidente que o fenômeno da globalização capitalista tem uma incidência nisso, à medida que as economias se interligaram em rede, que os contatos entre as pessoas se acentuaram com tecnologias de tempo real avançadas, como a internet, redes a cabo, redes wi-fi. Não há dúvida de que essas estruturas tecnológicas geraram mais contato, mais interação e mais oferta de conteúdos e serviços. O problema consiste em que, para muitas pessoas, sobretudo para os globalófilos, os neoliberais convictos e os neoliberais envergonhados, a análise termina aí. Eles alardeiam que a humanidade nunca teve tanta diversidade de informação e de entretenimento.
BoletimNPC – Qual a sua opinião sobre essa análise? Dênis de Moraes - Trata-se de uma análise facciosa, parcial e tendencialmente mistificadora. Temos que avaliar também quem controla essa variedade de ofertas, qual é a natureza ideológico-cultural dessa oferta, quais são as linhas dos conteúdos e das programações. Quando ampliamos o campo de análise, verificamos que se trata de um fenômeno complexo e esquizofrênico. De um lado, há uma multiplicação da oferta de informação e diversão. De outro lado, há um processo perverso de concentração das fontes emissoras dos conteúdos multimídias e de geração de valor mercantil ampliado, para alimentar os padrões de acumulação e de rentabilidade das grandes empresas do setor.
BoletimNPC – O que isto significa? Dênis de Moraes - Que se há uma concentração dessas fontes, o que é produzido por essas fontes obedece a uma escala de valores, de princípios e de visões de mundo também restrita em função das conveniências estratégicas, das avaliações sobre o real que as fontes controladoras estabelecem. Tudo isso sob o signo da mercantilização generalizada da produção simbólica.
QUALIDADE DA INFORMAÇÃO
“Há uma assimetria entre o crescimento das fontes tecnológicas de informação e de entretenimento e a capacidade de inclusão da base da sociedade nesses novos cenários”
BoletimNPC - Isso influencia na qualidade dessa informação... Dênis de Moraes - Influencia na qualidade e na diversidade, na medida em que essa diversidade é uma diversidade sob controle. Reconhecer que cresceu exponencialmente o volume de informação se impõe, porém, temos que aprofundar criticamente esse reconhecimento e verificar que há um controle muito forte das fontes de emissão. Por outro lado, o acesso à multiplicação de conteúdos é profundamente desigual. Há uma grave assimetria entre o crescimento das fontes tecnológicas de informação e de entretenimento e a capacidade de inclusão da base da sociedade nesses novos cenários. Os segmentos socioeconômicos privilegiados são os que verdadeiramente desfrutam dos acessos, usos e vantagens do excesso de dados, sons e imagens em circulação. Portanto, é uma diversidade estratificada e sob controle, não é para todos. O universo de usuários, por mais que se contem aos milhões, não corresponde à totalidade social, que é contraditória, desigual, injusta, que revela diferentes capitais educacionais e culturais, diferentes padrões socioeconômicos. Então, as conseqüências negativas de uma sociedade estratificada também se refletem nos padrões desiguais de usufruto das informações, dos saberes e dos conhecimentos.
BoletimNPC - Então, seria um mito a existência de uma comunicação de massas? Dênis de Moraes - Existe uma comunicação massificada pelos principais canais de difusão, com forte penetração social. Há, indiscutivelmente, audiência de massa para as programações da televisão aberta. Porém, existem vários outros veículos de comunicação que não são tão inclusivos quanto a televisão aberta, que é gratuita. Na medida em que os serviços e os acessos são pagos, começamos a perceber a exclusão de contingentes da população da multiplicidade tão alardeada pelo discurso neoliberal. Então, eu diria que há um plano da comunicação que é efetivamente massificado - identifico isso claramente na televisão, talvez no rádio ainda, apesar de ter caído como veículo, mas ainda tem uma penetração boa nas classes populares. Mas, em relação aos novos cenários de transmissão e veiculação, com tecnologias avançadas, observamos a permanência e, em vários casos, o aprofundamento da desigualdade e da exclusão.
TRABALHO DO JORNALISTA
“Existem margens que separam os melhores sonhos e aspirações dos jornalistas daquilo que ele enfrenta no cotidiano das redações para poder levar adiante os seus projetos. Eu percebo que há uma forte intolerância a essas contradições dos jornalistas como se fosse a única categoria profissional que se deparasse com esses processos de tensionamento”.
BoletimNPC - E quanto “pesaria” o trabalho do jornalista nessa situação? Que parcela ele tem de comprometimento com esse modelo ou de potencial para transformá-lo? Dênis de Moraes - Costumo dizer que o jornalismo envolve, ao mesmo tempo, a melhor profissão do mundo e uma das profissões mais complexas do mundo. Porque se, de um lado, nenhuma outra profissão tem a profundidade e a variedade de contatos e trocas com a condição humana quanto o jornalismo, por outro lado, é forçoso reconhecer que a estrutura empresarial que rege o jornalismo de mercado é profundamente verticalizada e avessa a uma maior participação critica dos profissionais na elaboração, no processamento, na avaliação e na edição autônoma dos materiais informativos. Os mecanismos de controle cresceram enormemente nas empresas de mídia, gerando como efeito colateral uma diminuição da possibilidade de interferência crítica dos jornalistas nos produtos e serviços que elaboram. Trata-se de uma convivência muito problemática entre o anseio de interferência social de boa parte dos jornalistas e o espaço permitido para o exercício dessa consciência critica. Isso envolve um processo de tensões, de ambivalências, de contradições, de frustrações. Ao mesmo tempo, precisamos ser mais generosos com os jornalistas, inclusive com muitos que atuam na grande imprensa. Não é a única profissão que tem contradições internas entre aquilo que se quer ser e aquilo que se pode ser. Existem margens que separam os melhores sonhos e aspirações dos jornalistas daquilo que ele enfrenta no cotidiano das redações para tentar levar adiante suas convicções. Percebo, em certos setores, intolerância ou impaciência em relação às contradições que envolvem a atividade jornalística. Como se fosse a única categoria profissional que se deparasse com diferenças e ambigüidades entre as convicções e a práxis concreta. Como se fosse a única categoria profissional que não conseguisse seguir à risca os valores éticos mais eloqüentes, a coerência mais nítida, que fosse a única categoria a estar maculada por impurezas tão profundas que desqualificariam o exercício profissional. É uma inverdade.
BoletimNPC - De onde você considera que vem essa intolerância? Dênis de Moraes - De várias fontes. No próprio meio profissional e também na academia existe esse preconceito em relação aos jornalistas, o mesmo acontecendo em parcelas da sociedade que têm uma percepção problemática sobre a atividade jornalística. É preciso questionar se tais objeções críticas e reticências surgem do nada. Não, não surgem do nada; têm fatores objetivos. Porque, de fato, em maior ou menor grau, há uma série de distorções, desvios e manipulações no interior da atividade jornalística, geralmente provocados pelo modelo empresarial que rege as relações internas das redações, um modelo intensamente controlador do trabalho cotidiano, das avaliações das informações e mesmo dos melhores juízos dos jornalistas sobre a realidade social. A intolerância me parece existir quando só se avalia a atividade jornalística apenas por esses desvios e distorções. Trata-se, no caso, de achar que só existe um jornalismo, quando existem jornalismos, no plural. Por exemplo: as experiências jornalísticas do Núcleo Piratininga de Comunicação, dos jornais Brasil de Fato e Fazendo Media, dos sites Carta Maior e Correio da Cidadania e do Observatório do Direito à Comunicação têm alguma coisa a ver o jornalismo do grupo O Estado de S. Paulo e das Organizações Globo? Evidente que não. Isso não quer dizer que tudo que se faça no jornalismo do grupo O Estado de São Paulo e das Organizações Globo seja ruim; há uma série de mazelas e de equívocos, mas também há expressões válidas e interessantes.
O que diferencia Carta Maior, Brasil de Fato, Fazendo Media e o boletim do Núcleo Piratininga de Comunicação é que eles produzem um outro tipo de jornalismo, mais crítico, mais participativo, mais insubordinado e comprometido com a crítica ao capitalismo e ao neoliberalismo, vale dizer, ao modo de produção que gera, além de exclusões e injustiças, modelos verticalizados como os da maior parte das empresas de comunicação no nosso país e no mundo. Quando tomamos contato com veículos contra-hegemônicos, alternativos, verificamos que há outros enfoques, outros compromissos, outros agendamentos, que diversificam as interpretações e as avaliações dos acontecimentos sociais. É um tipo de jornalismo mais plural, mais inclusivo, não-mercantilizado e muito mais sensível às causas comunitárias e populares. E, no entanto, é jornalismo. E as pessoas que fazem essas publicações são jornalistas. Quem dirige essas redações são jornalistas. Precisamos ter um raciocínio mais dialético em relação aos jornalistas e à atividade jornalística e pensar sua práxis de uma maneira mais ampla e tolerante, sabendo separar o trigo do joio. Não vejo o menor sentido em considerar que profissionais que trabalham na grande imprensa são merecedores de reparos e impugnações. Não podemos esquecer que, entre eles, há jornalistas que operam dentro dos aparatos de mídia explorando brechas, fissuras e fendas. Janio de Freitas, um grande jornalista, há mais de 20 anos assina uma coluna num jornal burguês, que é a Folha de S. Paulo, o maior jornal do país em circulação. É uma coluna independente, crítica e de leitura obrigatória para os que desejam uma ótica alternativa ao noticiário e aos editoriais da própria Folha. Não se pode comparar, por exemplo, o jornalismo da Carta Capital com o jornalismo da revista Veja. Se Carta Capital não é portadora de todas as virtudes do mundo e também tem contradições, pelo menos devemos reconhecer que há mais espaço crítico e enfoques mais abertos, por exemplo, em relação aos movimentos sociais.
OUTROS JORNALISMOS
“Há várias formas e veículos, revistas, jornais, sites, portais, rádios e tvs comunitárias, ongs, o jornalismo dos movimentos sociais... Há uma pluralidade que tem que ser contemplada na análise e nós não podemos confundir o jornalismo com o jornalismo problemático dos grandes meios de comunicação.”
BoletimNPC - Mas ambos os caminhos seriam jornalismo? Dênis de Moraes - Ambos são jornalismos, são expressões jornalísticas. A crítica à grande mídia é procedente e necessária, cada vez mais se impõe. Eu reivindico apenas que tenhamos um olhar mais abrangente sobre a produção jornalística como um todo, não apenas no nosso país como no mundo. Não podemos reduzir o jornalismo a um tipo de jornalismo que todos nós objetamos, e com o qual estamos em desacordo, que é aquele jornalismo sob controle ideológico das classes dominantes, faccioso, que interdita ou neutraliza as manifestações do contraditório. Me parece que é justamente a possibilidade de alargar a diversidade do jornalismo que atrai tantos jovens para a carreira. Em todo o Brasil, nos vestibulares das universidades públicas, a comunicação é a segunda, e, às vezes, a primeira carreira mais cobiçada e mais desejada pelos jovens. Trata-se de uma área que tem a ver com a expressão, com a manifestação do pensamento, da consciência e, principalmente no caso do jornalismo, de permanente e intenso contato com a condição humana. Se o jornalismo fosse uma fábrica de fraudadores, será que todas essas pessoas, inclusive nós, jornalistas, um dia teríamos escolhido essa profissão para nos tornarmos fraudadores também? Isso é falso, porque o jornalismo é uma profissão muito bela, muito desafiadora, muito absorvente, que pode estabelecer uma relação febril e concreta com a realidade social, que envolve interação, interseção e proximidade com as aspirações, os sofrimentos e as expectativas dos homens. Por isso, o jornalismo provoca em nós tanto fascínio, um fascínio que, a meu ver, tem a ver com a possibilidade de traduzir em textos, sons e imagens o mundo, as relações humanas, os conflitos sociais, econômicos e políticos, as criações culturais, os acontecimentos da vida cotidiana etc. Então, devemos manter o espírito crítico aceso em relação às distorções, aos desvios, às manipulações e às limitações da atividade jornalística de maneira geral praticada pelos grandes veículos, mas não podemos perder de vista que existem outros jornalismos. E quando me refiro a outros jornalismos não estou me referindo apenas ao jornalismo contra-hegemônico em sentido estrito; existem vários jornalismos que estão atuando, comunitário, sindical, estudantil... Há vários veículos, revistas, jornais, sites, portais, rádios, agências independentes, tvs comunitárias, ongs, o jornalismo dos movimentos sociais... Há uma pluralidade que tem que ser contemplada na análise, e nós não podemos confundir os vários jornalismos diante de nós com o jornalismo problemático dos grandes meios de comunicação.
ESCOLAS DE COMUNICAÇÃO
“Há varias razões que explicam esse forte fascínio, a ponto de no vestibular da Fuvest, que é o maior vestibular do país, a comunicação ser o curso mais cobiçado, batendo medicina pela primeira vez”.
BoletimNPC - Mas você não acha que tanto a visão das pessoas que ingressam nos cursos de comunicação, quanto à formação que recebem são muito restritas e não dão conta desses vários jornalismos? Dênis de Moraes - Concordo. Uma parte dos jovens que procuram os cursos de comunicação também está atraída pelo mito da celebridade, por um espírito yuppie, de querer ser repórter de vídeo, apresentador de um grande telejornal, ter uma visibilidade pública que lhe asseguraria uma carreira de grande sucesso, de êxito financeiro. Mas é uma parte, não vamos confundir, não vamos tratar a parte como se fosse o todo. Há várias razões que explicam o fascínio dos jovens, a ponto de, no último vestibular da FUVEST em São Paulo, que é o maior vestibular do país, Comunicação ter sido o curso mais cobiçado, batendo Medicina pela primeira vez. As razões são múltiplas, às vezes até contraditórias, mas isso não me impede de reconhecer que parcelas ponderáveis desses jovens são movidas pelos ideais mais nobres e estimulantes do jornalismo. Sem dúvida, há problemas e insuficiências no ensino de jornalismo. Em certos casos, há uma valorização excessiva do tecnicismo em detrimento de uma formação mais humanística. Também podemos apontar o desaparelhamento tecnológico de várias faculdades numa era de comunicação multimídia, fenômeno que afeta, sobretudo, as universidades públicas – muitas delas não dispõem de orçamentos, equipamentos e condições de trabalho condizentes com as atuais exigências de qualificação. Mas não podemos ceder ao pessimismo e generalizar. Cabe reconhecer, aqui e ali, progressos em alguns cursos de jornalismo. E também destacar a formação mais sólida dos professores com o crescimento dos cursos de pós-graduação da área, também abertos ao aprimoramento dos recém-formados.
DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO
“Essa é uma luta difícil, árdua e com avanços extremamente lentos. Porém, devemos lançar um olhar mais abrangente sobre o assunto, saindo do quadro extremamente adverso do Brasil e tentando enxergar na América Latina, movimentos, exemplos de iniciativas que têm como propósito descentralizar os sistemas de comunicação e pluralizar as formas de difusão simbólica.”
BoletimNPC – Quais saídas o senhor apontaria? Dênis de Moraes - Temos que procurar interferir nos múltiplos cenários que envolvem a atividade jornalística. Melhorar a qualidade dos cursos de comunicação, atualizar constantemente os currículos, intensificar programas de estágios, monitorias e iniciação científica, ampliar a diversidade dos meios para permitir que surjam novos jornais, novas TVs, novas rádios, mais canais de veiculação na Internet e mídias digitais. É urgente aprimorar as legislações de comunicação e também cobrar investimentos públicos em meios não mercantilizados, para permitir, por exemplo, que o Estado possa investir mais em veículos alternativos, comunitários e populares, e para que a inclusão e o aproveitamento dos estudantes de comunicação não se limitem às grandes empresas. Que os cursos possam evoluir também em convênios, em programas de estágio com outras organizações da sociedade civil, pois isso contribuirá para haja mais diversidade de acesso e ingresso de profissionais fora do eixo midiático tradicional. Não tenho nada contra o eixo midiático tradicional; continuará sendo uma das principais portas de entrada na profissão. E não podemos desconhecer que muitas pessoas que cursam jornalismo querem ingressar nos grandes veículos de comunicação, o que me parece perfeitamente natural e legítimo. Penso apenas que podemos evoluir para outras possibilidades de exercício profissional que não seja apenas na grande mídia, aproveitando, por exemplo, as novas ferramentas e os novos espaços proporcionados pelas tecnologias digitais.
BoletimNPC - Como o senhor avalia essa luta pela democratização da comunicação? Houve avanços? Dênis de Moraes - Essa é uma luta difícil, árdua e com avanços extremamente lentos. Precisamos ter ânimo constante para intensificar os compromissos ético-políticos e militantes com a luta pela democratização dos meios de comunicação, para que tenhamos menos concentração empresarial, menos controle ideológico, menos pensamento único e mais possibilidade de expressão, de manifestação, de participação, de evidência do contraditório, de novas práticas profissionais, de reorganização dos sistemas de agendamento dos meios de comunicação etc. Se pensarmos no caso brasileiro, não será difícil concluir que continuamos com uma série de dificuldades, de impasses, de vácuos e omissões na legislação existente sobre comunicação. Continuamos com um mercado altamente concentrado nas mãos de poucas empresas, bem como, infelizmente, com um Poder Executivo extremamente hesitante e tímido em relação a providências ao seu alcance para favorecer uma maior democratização dos sistemas de comunicação. Temos um Poder Legislativo também hesitante e tímido em relação a mudanças legais que possam reverter em favor de maior pluralismo e descentralização. Temos entidades e movimentos reivindicantes sinceros e muito empenhados, mas que ainda carecem de maior articulação interna, de uma visibilidade social mais intensa. Essa falta de visibilidade decorre, em larga medida, de uma situação de assimetria: poucos controlam um grande número de veículos refratários à divulgação de assuntos e temas que tenham a ver com a democratização da comunicação e da vida social. Trocando em miúdos, nós não temos à disposição veículos com alta potência de difusão das lutas pela democratização no conjunto da sociedade, e ainda enfrentamos a interdição e a animosidade de empresas de mídia que se opõem tenazmente a medidas antimonopólicas.
BoletimNPC – Por que, no Brasil, os avanços ocorrem numa velocidade lenta? Dênis de Moraes – Atribuo isso, principalmente, à falta de vontade política e à falta de compromisso explícito dos poderes públicos de construir marcos regulatórios adequados. Falta interesse em apoiar e fomentar veículos alternativos, comunitários e populares. E não resta dúvida de que, por razões históricas relacionadas à hegemonia privada no mercado de bens simbólicos, e também por hábitos culturais e desigualdades socioeconômicas, o mercado consumidor e as audiências estão muito presos às programações e produtos da grande mídia, notadamente a televisão aberta. Há que se considerar também as dificuldades e debilidades dos próprios meios alternativos. O que observamos no Brasil é um processo muito vagaroso de alterações no quadro da comunicação. Digo isso com profundo pesar. Eu li, recentemente, uma estupenda entrevista do ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, à revista Democracia Viva, do Ibase. Vannuchi, homem de bem, reconheceu publicamente problemas e contradições do governo Lula no setor de comunicação. O ministro Vannuchi, ao defender a democratização dos meios de comunicação e uma ação mais firme do governo nesse sentido, honra a sua biografia de defensor dos direitos humanos, da democracia e do pluralismo e merece o meu maior respeito. Eu gostaria que houvesse outras autoridades no atual governo, vinculados às pastas de Comunicação Social, Comunicações e Cultura, que também tivessem uma visão analítica tão lúcida quanto a do ministro Vannuchi. Depois de quase sete anos no poder, o governo Lula teve tempo suficiente para intervir, com equilíbrio e determinação, no sentido de modificar uma série de aspectos que são injustos e anacrônicos na legislação de comunicação, bem como de propor leis que combatam monopólios e oligopólios. Se não o fez, é, no mínimo, por hesitação, e, no limite, por desinteresse.
TV BRASIL
“Os primeiros meses da TV Brasil, em termos de programação, são decepcionantes”
BoletimNPC – E a TV Brasil, como o senhor avalia? Dênis de Moraes - A primeira diretoria da Empresa Brasil de Comunicação [EBC], que é uma estatal criada pelo governo Lula, não durou nem um ano. O ex-diretor-geral da EBC, Orlando Senna, indicado pelo Ministro da Cultura para o cargo, deixou o cargo reclamando publicamente da falta de autonomia e da gestão burocrática da empresa. A TV Brasil é um canal estatal; não tem autonomia financeira; não tem mecanismos eficazes e participativos de interferência da sociedade civil em sua gestão e na definição de sua programação; a sua diretoria foi escolhida e nomeada pelo presidente Lula, dentro de suas atribuições legais, mas por critérios exclusivos; o seu conselho curador está integrado, entre outras pessoas, pelo senhor Delfim Neto, ex-ministro de governos militares, e pelo senhor José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, ex-vice-presidente de operações da Rede Globo de Televisão. Que eu saiba, não há representação expressiva, neste conselho, de entidades que lutam pela democratização dos meios de comunicação e por uma televisão pública. Os primeiros meses da TV Brasil, em termos de programação, são decepcionantes.
POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO NA AMÉRICA LATINA
“No exame das políticas de comunicação que estão sendo introduzidas ou planejadas na América Latina, nós podemos observar avanços importantes, experiências pioneiras e a quebra de alguns mitos a respeito da interferência estatal no sistema de comunicação. Um desses mitos é a inviabilidade de se mudar marcos regulatórios em função do predomínio das grandes corporações midiáticas”.
BoletimNPC – Como a questão da comunicação governamental e pública será abordada na sua pesquisa sobre as novas políticas de comunicação dos governos progressistas da América Latina? Dênis de Moraes – Se lançarmos um olhar mais amplo sobre o assunto, saindo do quadro extremamente adverso do Brasil, perceberemos, na América Latina, iniciativas que têm como propósito descentralizar os sistemas de comunicação e pluralizar as formas de difusão simbólica. Estudei os casos de algumas emissoras estatais latino-americanas que conseguem operar na esfera pública com eficiência e dinamismo. São veículos estruturados e mantidos por governos eleitos pelo povo. Não há nenhum problema, para esses governos, em ter empresas estatais de comunicação, realizando, inclusive, experiências de televisão educativa e cultural de qualidade e com programação bastante promissora. Eu me refiro aos casos da Vive TV, na Venezuela, e do Canal Encuentro, na Argentina. Em sentido mais amplo, incluo a Telesur, que é um canal multiestatal financiado pelos governos de Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba, Uruguai, Argentina e Nicarágua. São três exemplos de canais que desenvolvem nesse momento, na América Latina, experiências estimulantes no desenvolvimento de formatos, linguagens, gêneros programação e conteúdos diversificados em informação, cultura, educação e ciência, incluindo a exibição de produções independentes nacionais e regionais. Se nós confrontarmos os projetos de Vive TV, Encuentro e Telesur com o da TV Brasil, veremos o abismo que os separa. Note bem: não estou me referindo a canais que tenham 10, 20 anos de tradição. Encuentro foi criado pelo presidente Néstor Kirchner em 2005. Vive TV foi criada pelo presidente Hugo Chávez, na Venezuela, em 2003. Portanto, estou me referindo a dois canais governamentais recentes, cujas diretorias foram nomeadas por presidentes eleitos pelo povo – canais que não desfraldam bandeiras de que estejam realizando, necessariamente, experiências vanguardistas de televisão pública. No Brasil, o carro-chefe da propaganda da TV Brasil é que ela seria uma televisão pública, e eu me referi, há pouco, a uma série de quesitos que caracterizariam uma TV pública e que, a meu ver, a TV Brasil não preenche. Não vejo nenhum problema em que o governo Lula - que é um governo eleito duas vezes pelo povo - crie um canal estatal, com uma diretoria nomeada pelo presidente e com vínculos com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Além disso, a TV Brasil foi aprovada pelo Congresso Nacional, democraticamente. Agora, querer passar para a sociedade que isso é uma experiência de TV pública, sem plena autonomia financeira, sem dissociação da estrutura governamental e sem interferência substantiva de organismos representativos da sociedade civil em suas linhas de gestão e programação, me parece algo inadequado. Vamos esperar para ver os desdobramentos. Pessoalmente, torço para que a TV Brasil consiga amadurecer e gerar frutos, para que possa se constituir, de algum modo, em alternativa ao sistema televisivo comercial. Eu torço, mas o que eu estou vendo no primeiro ano da TV Brasil não me faz ter maiores esperanças.
BoletimNPC – O senhor pode comentar mais sobre o tema da sua pesquisa? Dênis de Moraes - Estou finalizando uma pesquisa sobre as novas políticas de comunicação de governos progressistas da América Latina, que durou 18 meses e foi realizada com os apoios da Fundação Ford e do CNPq. Termino o trabalho esperançoso. O que observei e apurei em determinados países me faz crer que partes da América Latina começam a evoluir em matéria de comunicação, sobretudo os três governos de esquerda – Venezuela, Bolívia e Equador. No exame das políticas de comunicação que estão sendo introduzidas ou planejadas na América Latina, nós podemos constatar alguns avanços importantes, experiências pioneiras e a quebra de alguns mitos a respeito da interferência estatal no sistema de comunicação. Um desses mitos é a inviabilidade de se mudar marcos regulatórios em função do predomínio das grandes corporações midiáticas. Vários governos estão modificando ou criando marcos regulatórios. Há novas legislações de radiodifusão comunitária que abrem horizontes à descentralização e à participação. As novas leis de radiodifusão comunitária do Uruguai, da Bolívia e do Chile, com intensidades diferentes, são exemplos bastante significativos de ações enérgicas do Poder Executivo e de suas maiorias parlamentares para reparar injustiças e discriminações que se praticavam contra as rádios comunitárias. Enquanto no Brasil nós temos rádios comunitárias operando na clandestinidade, outras sendo fechadas pela Polícia Federal, segundo consta em cumprimento a ordens judiciais, outras enfrentando dificuldades imensas para tentar se legalizar, no Uruguai, o primeiro edital após a sanção presidencial da nova legislação atraiu nada menos do que 400 pedidos de legalização de emissoras! Isso nos enche de esperança, porque o Uruguai é um país pequeno, o governo do Uruguai é contraditório, tem tratado de livre comércio com os EUA, sua composição é de centro-esquerda, porém segue uma política econômica de inspiração neoliberal. E, no entanto, o presidente Tabaré Vázquez apóia uma legislação de radiodifusão comunitária que é considerada hoje a mais avançada do mundo. Há um conjunto de ações dos governos da Venezuela, Bolívia e Equador que indica a possibilidade concreta de reorientação dos investimentos estatais, da ação conseqüente do poder público no sentido de apoiar a descentralização dos sistemas de comunicação e dos mecanismos de fomento à produção cultural. Posso citar a nova lei de cinematografia da Venezuela, modificando inteiramente os sistemas de produção, exibição e distribuição de filmes. A futura Constituição do Equador impede a formação de monopólios e oligopólios de comunicação. A proposta foi feita por organizações da sociedade civil e encampada pela bancada parlamentar do presidente Rafael Correa. Poderíamos falar do sistema das rádios dos povos originários da Bolívia, criado pelo presidente Evo Morales. São 30 emissoras, em várias províncias, que estão sendo financiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico da Venezuela, dentro acordos de cooperação regional da Aliança Bolivariana das Américas (Alba). Essas rádios permitem uma nova experiência de comunicação comunitária por via radiofônica nas províncias onde há forte presença dos povos originários, descendentes de indígenas. Mesmo no Chile, que ainda adota políticas econômicas neoliberais, observamos progressos. Além de enviar ao Congresso a lei de radiodifusão comunitária, que era uma promessa de campanha, a presidenta Michelle Bachelet realiza um dos mais importantes programas na América do Sul de fomento a atividades culturais, com apoio à produção televisiva e audiovisual independente. Bachelet não mexeu, infelizmente, nos marcos regulatórios da TV aberta, mas criou mecanismos que permitem descentralizar as verbas federais para apoiar meios de comunicação regionais e locais, e, em outra ponta, a produção independente para televisão aberta e fechada. Dos editais públicos anuais não podem participar corporações. Isso tem incrementado a produção de conteúdo nacional para difusão por canais regionais e locais, comunitários e alternativos. Um resultado inédito na história do Chile. Alguém poderia dizer que são avanços parciais. Sim, mas temos que levar em consideração que a luta por outra comunicação é bastante difícil. Veja que os governos de Venezuela, Bolívia e Equador sofrem um violento cerco midiático e das oligarquias políticas, cujos interesses mercantis e estratégicos estão sendo contrariados por medidas democratizadoras. Os governos destes três países estão sendo vítimas de campanhas midiáticas orquestradas, que visam debilitá-los perante a opinião pública. Mas, mesmo acossados, mesmo perseguidos, têm mantido, no que diz respeito à tentativa de renovar e descentralizar os meios de comunicação, uma postura absolutamente firme e inegociável. É um exemplo eloqüente de que a vontade política é elemento crucial para que haja transformações efetivas. E nesse sentido, o fortalecimento do papel do Estado é decisivo para que haja alterações nos marcos regulatórios, nas políticas de fomentos, nos investimentos em novas mídias, no apoio à produção cultural independente. Estamos assistindo em vários países à tradução destes pressupostos em ações concretas que, efetivamente, colocam a América Latina em uma situação muito interessante e distintiva no cenário internacional em termos de retomada da iniciativa do Estado nas ações de comunicação e cultura.
CONCENTRAÇÃO DA INFORMAÇÃO
“A movimentação dessas grandes empresas como se fossem serpentes pelo planeta se faz sem barreiras visíveis, sem limitações legais, sem custos além dos custos envolvidos nas negociações, isto é, isso tudo acontece fora do domínio, do controle, da supervisão dos poderes públicos”.
BoletimNPC – No mundo inteiro há essa situação de concentração dos meios de comunicação. É possível fazer frente a isso em escala mundial? Dênis de Moraes - De fato esse modelo é preponderante hoje em todos os continentes. Não param de acontecer grandes negócios, fusões, aquisições, alianças estratégicas, joint ventures entre grandes grupos de comunicação. De dez anos para cá, gigantes transnacionais vêm engolindo inclusive grandes empresas, como prova, por exemplo, a compra bilionária de uma agência de notícias centenária como a Reuters pelo grupo canadense Thomson. As megacorporações são as únicas que dispõem de recursos financeiros, capacidade gerencial, redes logísticas, apoios de grandes bancos e presença nos mercados de 100, 200 países, acumulando um volume de poderes sem precedentes. Mesmo na Internet, agrava-se a concentração: grandes empresas de comunicação virtual estão sendo absorvidas por gigantes como a Microsoft. Essa me parece ser uma tendência desalentadora para imaginarmos, globalmente, um reequilíbrio dos sistemas de comunicação. É muito difícil reverter esse quadro sem mudanças regulatórias e enfrentamentos supranacionais, não só apenas nacionais e regionais. A movimentação dos gigantes transnacionais, como se fossem serpentes pelo planeta, se faz sem barreiras visíveis, sem limitações legais. Tudo acontece fora do domínio, do controle, da supervisão dos poderes públicos e das sociedades.
BoletimNPC – Como está essa situação no Brasil? Dênis de Moraes - No Brasil, assistimos, por exemplo, ao monopólio da televisão por assinatura via satélite nas mãos do grupo News Corporation, que controla hoje a Directv e a Sky. Isso aconteceu em todo o mundo com a fusão das duas operadoras. Tivemos a homologação da fusão pelos órgãos de controle da concorrência do governo brasileiro. A concentração dos meios de comunicação, que nós apontávamos há dez anos como um risco para a diversidade cultural e para a liberdade de expressão, se transformou, atualmente, em um fato ainda mais alarmante. Não só esse processo de concentração não foi detido, como me parece que está sendo aprofundado pela voracidade monopólica dos players globais, que são os únicos que têm condições de se mover e atuar em todo o planeta, com sua obsessão neurótica por lucratividade.
COMUNICAÇÃO, INTELECTUAIS E MOVIMENTOS SOCIAIS
“O grande Milton Santos, meu mestre, sempre advertia para esse ponto: os intelectuais e as organizações reivindicantes da sociedade civil não são governo, são elementos críticos que devem lutar por avanços substantivos nos planos da cultura, da política, da economia".
BoletimNPC – Como resistir a este fenômeno? Dênis de Moraes - Temos que nos debruçar no exame do cenário e encontrar meios de mobilizar a sociedade, formar coligações nacionais, regionais e supranacionais de resistência a esse cenário, além de propor políticas públicas amplas, que envolvam regiões, países e continentes, tudo isso para tentar estabelecer outra configuração que possa, se não impedir, pelo menos, dotar os Estados de instrumentos e mecanismos mais eficazes e incisivos de regulação dos fluxos globais.
BoletimNPC – É uma luta muito desigual, não? Dênis de Moraes – Sim. A resistência não dispõe de veículos potentes para o convencimento e a persuasão da opinião pública, a respeito dos malefícios e danos causados pelos fenômenos monopólicos. E mais, o poder dos grandes conglomerados é um poder que se ramifica na economia, na política, na cultura, de tal forma que nós pudemos assistir, na Venezuela, ao convencimento de parte da opinião pública de que a não renovação de um canal de televisão, a RCTV, significava um atentado contra a liberdade de expressão. Quando, na verdade, o presidente Chávez respeitou integralmente o contrato de concessão com a RCTV, jamais interveio em sua programação e exerceu a prerrogativa constitucional, como poder concedente, de não renovar a outorga de uma emissora que, abertamente, apoiou o fracassado golpe de estado de 2002. No caso do Brasil, o governo Lula recentemente considerou adequada a renovação, por mais 15 anos, das concessões de canais das Redes Globo, Record, SBT e Bandeirantes. É uma questão de ponto de vista. Enquanto na Venezuela o governo encerrou a sua relação de poder concedente com a concessionária RCTV, aqui o governo brasileiro considerou que as licenças deveriam ser renovadas, imagino eu a partir de diagnósticos de que os serviços estão sendo bem prestados pelos grupos de comunicação. Então, vamos ter que aguardar mais 15 anos para que, um dia, a sociedade brasileira possa, pelo menos, através dos seus organismos representativos, discutir democraticamente a conveniência de renovação de tais licenças, caso a caso.
BoletimNPC – O lançamento de um satélite próprio pela Venezuela muda alguma coisa nesse quadro de concentração?
Dênis de Moraes - O satélite Simon Bolívar, que vai ser lançado no segundo semestre, fruto de um convênio entre os governos da Venezuela e da China, representa uma iniciativa importante no sentido de descentralizar o sistema de transmissão via satélite no nosso continente. Inicialmente, o que vai acontecer na Venezuela é que os sinais do sistema público, hoje gerados através de contrato com a Directv, passarão à responsabilidade e à geração do satélite Simon Bolívar. Significa uma redução substancial da dependência de um satélite controlado por uma grande corporação transnacional, ampliando a autonomia de transmissão dos veículos públicos da Venezuela. Espero que a experiência do satélite Simon Bolívar possa se ampliar a toda América Latina.
BoletimNPC – Uma das resoluções do Fórum de Mídia Livre, realizado recentemente, foi lutar pela realização da Conferência Nacional de Comunicação, o senhor acha que é um encaminhamento importante? Dênis de Moraes - Sim. As forças que lutam pela democratização da comunicação devem se mobilizar, pressionar, exigir que se realize essa conferência. Assim como outros eventos que já estão acontecendo, como o próprio Fórum de Mídia Livre, com a preocupação de discutir os rumos da comunicação no país, fazer diagnósticos críticos e apresentar pleitos no sentido de uma maior interferência pública no setor. É hora de cobrar do governo Lula os compromissos assumidos com a democratização dos meios de comunicação nas campanhas eleitorais de 2002 e 2006. Está faltando uma pressão mais organizada e sistemática sobre o governo, por parte dos partidos de esquerda, das entidades ativistas da sociedade civil e dos movimentos pela democratização da comunicação, para que sejam revistos e criados marcos regulatórios e adotadas políticas públicas mais claras e conseqüentes. O atual governo é hegemonizado por um partido político, o PT, que até o presidente Lula tomar posse, em 1º de janeiro de 2003, tinha compromissos, há mais de 20 anos, com a luta pela democratização da comunicação. Penso que o governo e o PT devem ser pressionados para cumprir o que prometeram ou defenderam.
BoletimNPC – Como o senhor acha que deveria ser organizada essa pressão? Dênis de Moraes - Através de ações coligadas, múltiplas, as mais abrangentes possíveis, no âmbito da sociedade civil. Em relação à convocação de fóruns e conferências, estou plenamente de acordo e solidário. Acho, entretanto, que precisamos, a partir de agora, ter focos de luta mais objetivos e claros. Não são apenas as corporações midiáticas que têm que ser questionadas por nós. Temos que questionar também a hesitação do governo que aí está. Precisamos entender que há dois focos de luta. Um em relação às corporações que controlam monopolicamente as atividades de informação e entretenimento. Outro foco é o que leva ao Palácio do Planalto.Temos que cobrar diretamente à Presidência da República medidas que não podem ser mais proteladas, nem adiadas. A minha posição é muito semelhante à do ministro Paulo Vannuchi: o governo Lula fez pouco, nos primeiros seis, sete anos, para descentralizar e democratizar o campo da comunicação. Por que o governo e sua maioria parlamentar no Congresso Nacional, que aprovam quase tudo o que querem, não se empenham por novos marcos regulatórios da comunicação? Porque há contradições no bloco de poder. O ministro Paulo Vannuchi terminou sua entrevista ao Ibase dizendo isso: “São várias as contradições.” E eu repito: são várias as contradições... Cabe a nós, que não somos parte do governo e que não temos nada a ver com as contradições internas do governo, exigir, cobrar, reivindicar. É preciso demarcar os campos. Nós não fazemos parte do governo, somos pensamento crítico e vozes reivindicantes autônomas. O grande Milton Santos, meu mestre, sempre advertia para este ponto: os intelectuais e as organizações reivindicantes da sociedade civil não são governo, são elementos críticos que devem lutar por avanços substantivos nos planos da cultura, da política, da economia. Nós não temos que ter nenhum tipo de embaraço, nem de limitação nas cobranças que devemos fazer ao governo Lula, para que se sensibilize quanto à necessidade urgente de intervir nos rumos dos sistemas de comunicação, sobretudo a radiodifusão, que atua sob regime de concessão pública.