Memria - Outras Memrias
Manifestação e livro lembram 25 anos da morte de Santo Dias
Por Jô Azevedo, janeiro de 2005 No dia 31 de outubro de 1979, não apareceu um policial perto das 30 mil pessoas que marcharam da Igreja da Consolação até a Catedral da Sé, no Centro de São Paulo. Depois do que ocorrera na véspera, os PMs sumiram das ruas, em especial perto das fábricas, onde pouco antes reprimiam com força os piquetes de metalúrgicos. A multidão de trabalhadores, não só metalúrgicos, mas representantes de dezenas de categorias profissionais, parou o centro da Capital paulista. Na frente, seguia D. Paulo Evaristo Arns, então arcebispo de SP, em um carro, com a viúva do operário, Ana Maria, seus filhos, Santinho e Luciana. Ao lado, seus 11 bispos auxiliares e religiosos de todas as comunidades paulistanas acompanharam o corpo de Santo Dias da Silva, nesse trajeto. Não havia apenas católicos. Fizeram se representar judeus, evangélicos, espíritas, afro-descendentes... Todas as tendências políticas de esquerda se manifestaram no cortejo. De onde fora velado, o corpo, num caixão simples,foi levado pelos companheiros de Oposição Sindical Metalúrgica, para a missa na Sé e, em seguida, ao Cemitério do Campo Grande, na zona sul. São Paulo parou, comovida. Em 29 de outubro de 2004, véspera de feriadão e hora do rush, no Centro de São Paulo, marchamos umas 500 pessoas, refazendo o mesmo itinerário. Uma grande faixa se sobressai na caminhada, pouco antes do carro de som: Santo Dias – Quando o passado se transforma em história - 25 anos de memória operária. Uns levam tochas acesas, outros velas, outros ainda cartazes com a foto de Santo Dias. Trabalhadores sem terra de todos os estados do País enviaram seus representantes. Também veio gente das comunidades das regiões da Grande São Paulo. Amigos chegaram da Bahia, de Minas Gerais, do Amazonas, de Tocantins, do Paraná, do Rio Grande do Sul... Policiais militares seguem a manifestação e, 25 anos depois, nos protegem do trânsito caótico. “Marronzinhos” da Companhia de Engenharia de Trânsito orientam carros e transeuntes no nosso caminho até a Sé e, depois à Câmara Municipal, aberta especialmente para um ato com a presença do incansável D. Paulo, da família de Santo Dias, do então vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo; de João Pedro Stédile, do Movimento dos Sem Terra; de parlamentares como Odilon Guedes e Lucila Pizzani (SP); o deputado estadual Renato Simões e o deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh, todos do PT. O plenário da Câmara Municipal de São Paulo lotou, apesar do feriado. Nada será como antes Muitas coisas mudaram, depois que Santo Dias morreu, assassinado num piquete em frente à Sylvânia, em 1979, lutando por salários melhores e liberdade de associação dos trabalhadores. A ditadura caiu, a liberdade política aumentou, existem eleições diretas em todos os níveis, temos um presidente que foi metalúrgico assim como Santo Dias. Desde então, muitas indústrias abandonaram São Paulo, que se tornou uma cidade de serviços, um centro de finanças. Milhares de empregos desapareceram por conta de novas tecnologias de produção, deixando a população das vilas da periferia à sua própria sorte. Estamos na era da informação online que, ajuda poucos a tomar decisões que alteram a vida de milhares de pessoas, colocando-as à sua mercê, mesmo que a enormes distâncias. A periferia de São Paulo, de acampamento que era há 30 anos, agora é um emaranhado de bairros apertados e mal construídos, assolado pela violência, pela falta de perspectiva para seus jovens, pelo desemprego e pelo reinado das drogas. Os modelos neoliberais de política econômica fizeram um estrago humano jamais visto em nossa História. Ele pode ser mensurado nos milhares de catadores de papel e andarilhos que encontramos todos os dias nas ruas do Centro e dos bairros, que dormem nas ruas e sob os viadutos. Somos um povo desmemoriado, repetimos tantos erros na nossa História. Por isso, agrupar 500 pessoas para rememorar alguém foi um grande feito, depois de 25 anos de sua passagem. Esse alguém era um trabalhador como nós e um homem de seu tempo. Nessa condição, agiu para mudar a situação social de muitos como ele. Organização é fundamental Santo Dias era uma pessoa especial: inteligente, decidido, mobilizado, consciente do que fazia, generoso, solidário. Acreditava na força da organização popular. Seus companheiros são unânimes em afirmar que Santo repetia sempre: “Nossa força vem das bases organizadas”. Se não tivesse morrido aos 37 anos, é possível que estivesse nos ajudando a encontrar caminhos criativos para melhorar a vida dos trabalhadores. É por tudo isso, que é impossível esquecer Santo Dias da Silva. É por isso mesmo, que seus companheiros e familiares continuam a relembra-lo ano a ano, por meio do Comitê Santo Dias. Por isso, saímos em caminhada no dia 29 de outubro, no ano passado, e paramos o Centro da cidade, distribuindo folhetos contando a história de Santo. Para afirmar mais uma vez aquilo pelo qual Santo lutava: terra, trabalho, outra sociedade – nossa luta continua! Ela nunca foi tão atual, como agora. É por isso que Luciana, sua filha escreveu um livro sobre seu pai e o tempo histórico em que ele estava mergulhado. É por isso que ajudamos a registrar essa memória, para que não se perca nunca. O livro Santo Dias: Quando o passado se transforma em História (de Luciana Dias, Jô Azevedo e Nair Benedicto), publicado pela Editora Cortez, foi lançado também no ano passado, no dia 4 de novembro. Junto com o lançamento, a família depositou em custódia cerca de 3.700 documentos no Centro de Documentação e Memória da Universidade Estadual de São Paulo (Cedem-Unesp). Eles vão ficar por lá, já organizados em base de dados, para que novos pesquisadores se debrucem sobre a época em que Santo viveu e sua própria vida, reproduzindo sua memória, seu compromisso. Mais de 200 pessoas acompanharam a cerimônia, que contou com as lembranças de Waldemar Rossi, do padre Luiz Giuliani, pároco de Vila Remo e amigo da família e de Frederico dos Santos, do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo. _____________________________ Jô Azevedo é jornalista há 30 anos, trabalhou no jornal O São Paulo, entre 1979 e 1984, acompanhando as Comunidades Eclesiais de Base e os movimentos sociais. Hoje é free-lancer.
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