Marcos Dantas é professor de disciplinas sobre tecnologias da informação e comunicação no Departamento de Comunicação Social da PUC-RJ. Formado em Comunicação Social, é Mestre em Ciência da Informação pela ECO-UFRJ e Doutor em Engenharia de Produção pela COPPE-UFRJ. Já exerceu as funções de Secretário de Educação a Distância do MEC (2004-2005), Secretário de Planejamento e Orçamento do Ministério das Comunicações (2003), representante do Poder Executivo no Conselho Consultivo da Anatel (2003-2006), representante do MEC no Conselho Deliberativo e no Comitê Gestor do Programa TV Digital e representante do Governo no Comitê Gestor da Internet no Brasil. Em entrevista ao Observatório do Direito à Comunicação, Dantas comenta a fusão da Oi (antiga Telemar) com a Brasil Telecom e defende que, havendo política por parte do governo, o negócio pode ser benéfico para a população brasileira e contribuir para um projeto de infra-estrutura pública de telecomunicações. A seguir, a entrevista na íntegra. Qual sua avaliação sobre a fusão entre Brasil Telecom e Oi? Quais podem ser as vantagens e as desvantagens da operação?
Fico a vontade para falar, pois sempre defendi essa solução, sempre critiquei o fatiamento da Telebrás. No prefácio à segunda edição do meu livro "A lógica do capital-informação", publicada em 2002, eu dizia que o governo acabaria sendo forçado a promover essa fusão. Lamento que isso esteja sendo feito muito mais por pressão das próprias empresas do que por decisão estratégica do Governo Lula que, em tudo o que toca às comunicações, não disse a que veio. A fusão é lógica. O mercado de telecomunicações exige uma empresa de grande porte para atender às necessidades gerais da sociedade que o próprio mercado não atende. Não por acaso, em todos os países que se levam a sério, até no México, existe uma empresa assim. Isto não impede, aliás, também exige, que outras empresas menores, possam entrar, com agilidade, nos mercados mais dinâmicos. Telemar e Brasil Telecom, como também a Telefónica e a Embratel, operam em regime público, sob regime de concessão. Isto implica dizer que elas são delegadas do Estado para executar políticas de Estado. Logo, essa fusão só trará vantagens se o Estado (e, nele, o governo) fizer a sua parte. A fusão pode dar um novo salto à universalização. Em grandes áreas da Telemar, a telefonia ainda não está universalizada e não há nem o que falar da banda-larga. Nessas áreas, os investimentos não dão retorno, não existem "consumidores", o que não significa dizer que não existam cidadãos com direito a telefone ou banda-larga. A fusão adicionará à Telemar as áreas ricas da BrT: Brasília, Mato Grosso do Sul, regiões do Paraná e Rio Grande do Sul que se somarão ao Estado do Rio e a Minas Gerais, além de algumas capitais, na sustentação da nova empresa. Assim, essa megatele poderá se dotar de "vasos comunicantes" que transfiram receitas e que ajudem a sustentar e expandir a universalização no imenso Brasil pobre e até a baixar os preços de assinaturas e tarifas (noutros tempos, diríamos "subsídios cruzados" mas isto agora é palavrão...). Mas, claro, não dá para imaginar que os investidores vão fazer isso por iniciativa própria. Será necessário que o Estado cumpra o seu papel regulador e fiscalizador, orientando políticas nesse sentido. A nova empresa, também, poderia vir a cumprir, nas telecomunicações, um papel semelhante ao da Petrobrás, tanto no desenvolvimento industrial-tecnológico, quanto na expansão do espaço geopolítico brasileiro. De novo, é necessário que o governo entenda isso. É preciso, pois, que nesta empresa, o BNDES não tenha um papel meramente financeiro, mas seja um sócio atuante, representando os interesses da sociedade. Para não falar da Anatel... Desvantagens? Bem, se o governo, BNDES, Anatel não cumprirem os papéis que lhes cabem, as desvantagens serão diretamente proporcionais às muitas vantagens (aí sim) exclusivas que os sócios privados da Telemar obterão com o negócio. Oi e Brasil Telecom dizem que, isoladas, não sobreviverão à competição com a Telefónica ou com a Embratel. Este não é um argumento falacioso, dado o fato de que as empresas nacionais supostamente ameaçadas apresentam balanços muito melhores que o da Embratel e estão estrategicamente posicionadas na convergência fixo-móvel de uma maneira muito superior à da Telefônica?
A concorrência é global. A Telefónica não é uma empresa paulista, mas mundial, podendo contar, caso venha a precisar (para comprar a Telemig Celular, por exemplo) com recursos que a sua matriz espanhola lhe aporta a partir dos lucros que retira do Chile, da Argentina, do Peru, de muitos outros lugares. Além disso, não tem que manter uma rede funcionando nos cafundós do Pará... Também a Embratel: ela não é brasileira, mas braço de uma operadora que, depois da compra da MCI, tornou-se dona de uma rede efetivamente global de comunicações, estendendo-se, via Estados Unidos, da Europa ao Japão. Comparações de tamanho só valem se feitas com as corporações globais que com elas concorrem. Qual será o impacto da iniciativa no setor de telecomunicações? Isso pode gerar impactos no setor de comunicações/mídia como um todo?
Com certeza. A megatele vai se posicionar melhor para concorrer com a Telmex/NET e também com a Telefónica. É natural que as Organizações Globo não simpatizem com a idéia. Por outro lado, como em tudo o mais, esse impacto, para o bem ou para o mal, depende dos rumos da regulamentação. O que sair da PL-29 dirá o que temos a temer, ou não... Mas se houver política, essa empresa poderá vir a ser um instrumento poderoso de fomento à indústria audiovisual brasileira. A criação de uma "supertele" pode ser considerada boa simplesmente porque seu capital será nacional? Como fica a questão da concentração do mercado? O próprio Idec - Instituto de Defesa do Consumidor diz que a fusão pode ter impactos negativos para o cidadão...
Não se trata apenas do capital nacional. Ela será "boa", como tenho insistido, se tivermos política para aproveitar a oportunidade. Quanto ao mercado, não há porque se preocupar. Onde há renda, há mercado. Em cerca de 400 municípios brasileiros, as concessionárias enfrentam todo o tipo de concorrência. Na minha casa mesmo, eu tenho um telefone da Oi e outro da NET (e só não desliguei o da Oi porque ainda não confio plenamente na NET). Onde não há mercado não há, nem haverá, concorrência, ou seja, a maior parte do Brasil, com cerca de 45% de sua população (logicamente a mais pobre). Por que, em 2 mil municípios brasileiros não existe serviço de telefonia celular? Como você vê o papel de uma supertele, cujo controle é majoritamente de órgãos estatais, na universalização da telefonia fixa e da conexão à internet para a população brasileira? A nova empresa poderia contribuir para um projeto de infra-estrutura pública de telecomunicações?
Acho que essa empresa deveria ser o grande instrumento do Estado para implementar uma política de universalização da telefonia e da banda-larga. Aliás, como eu disse, só assim a fusão fará sentido, representando uma espécie de troca entre aquilo que interessa à sociedade e aquilo que interessa a alguns de seus acionistas privados. Apesar do governo ter acionistas com cotas representativas na nova empresa, dada a lógica de gestão das grandes corporações hoje, qual pode ser sua real incidência para que ela cumpra papéis estratégicos como acontece com a Petrobrás? Pode incidir, por exemplo, nos custos das tarifas ou na questão da assinatura básica da telefonia fixa?
Em qualquer grande corporação privada, hoje em dia, um sócio com 15% do capital tem muita força. O que tem 50% então... E o Estado, via BNDES, via fundos de pensão, vai ficar com algo próximo a isso. O Estado até hoje, na verdade, ainda não exerceu os seus poderes nessas duas empresas. Na BrT, o controle dos fundos é total! Espero que, agora, nas negociações que estão em curso, alguma coisa esteja sendo considerada nesse sentido. Pelo menos, algumas pessoas que o presidente Lula levou para o seu governo neste segundo mandato, ao contrário das que levou no primeiro, nos permitem acreditar que haverá mais competência na condução dessa questão. Espero não estar errado. |