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Entrevistas
Entrevista com Caco Barcellos

POR CLÁUDIA DE CASTRO LIMA

FOTOS RUI MENDES

Aos 57 anos, ele é autor de Rota 66, que narra a ação da PM de São Paulo na matança de civis entre 1970 e 1992, e Abusado, que mostra a formação de quadrilha num morro carioca. No país que só fala de Tropa de Elite, o jornalista Caco Barcellos conta sua experiência de décadas com a (falta de) segurança públicas?

VOCÊ ASSISTIU A TROPA DE ELITE?
Ainda não consegui ver inteiro. Mas vi uns pedaços e estou acompanhando a repercussão.

E ESTÁ ACHANDO O QUÊ?
Acho interessante que as pessoas estejam falando sobre isso. Houve um tempo em que
o país não discutia mais sobre segurança pública. Acho interessante que todo mundo
tenha uma opinião a respeito disso. Mas a minha preocupação é no sentido de estarem
enxergando o personagem central (Capitão Nascimento, interpretado por Wagner Moura) como um herói. E também me preocupo com o fato de ninguém ter discutido ainda as mortes provocadas pelo Bope (Batalhão de Operações da Polícia Especial do Rio de Janeiro). Muito está se falando sobre os métodos de atuação da polícia, sobre as torturas, o que é gravíssimo. Mas ninguém fala o essencial, que é a matança provocada pela polícia nessa área pobre da cidade. Como é o Bope quando atua no Leblon, em Ipanema? Usam aquele
saco plástico na cabeça de alguém? Você conhece algum rico que foi morto pelo Bope?

NÃO, NUNCA OUVI FALAR.
Pois é. Em 30 anos de jornalismo, eu também nunca ouvi uma história assim. Nunca ouvi
uma história sobre algum rico criminoso que tivesse sido morto por essa unidade especial
da polícia. Se omitirmos esse dado, a discussão não é honesta. Veja que Tropa de Elite é um
filme de ficção, o diretor tem toda a liberdade para tratar do que quiser na obra dele. Não
quero que pareça que estou fazendo uma crítica ao filme. Mas é triste saber que a sociedade
está escolhendo um matador para herói.

E O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM ESSA SOCIEDADE?
Isso é muito antigo. A verdade é que as autoridades nunca utilizaram no Brasil o que há de mais inteligente e democrático na política de segurança pública. Muito se criticam os ireitos humanos, as ONGs, mas nunca nenhuma das idéias, das propostas das pessoas que querem que as pessoas sejam respeitadas independentemente de sua condição econômica foram aplicadas. Desde o Brasil colônia, a polícia está aí para defender os interesses dos mais
endinheirados. Desde sempre a sociedade legitimou ações brutais contra aqueles desprovidos de poder, seja econômico, seja político, aqueles desprovidos de cidadania. Se a brutalidade fosse interessante, a Rota já teria transformado São Paulo em um paraíso.

O QUE MUDOU ENTRE ROTA 66 E TROPA DE ELITE?
Muita coisa. A Rota fez escola, o Bope. Mas tem anos que a polícia de São Paulo mata
muito menos. Eram 1 500 pessoas em 1992, quando lancei o livro. Esse número baixou
para 300. Mas a criminalidade de São Paulo não se alterou. Na verdade, a única coisa que
mudou foi a redução no número de homicídios. É óbvio que, quando a polícia mata menos, a sociedade fica menos violenta. Em São Paulo, mais de 10% dos crimes de homicídio são praticados pela polícia. No Rio, esse número é mais alto, mais de 20%. Bastaria uma ação pública eficaz para que houvesse a redução do crime mais grave, que é o crime de morte.

EXISTE DIFERENÇA ENTRE AS POLÍCIAS MILITARES DE SÃO PAULO E DO RIO?
Nenhuma. Por que, por exemplo, a Polícia Federal, que é bem treinada, bem remunerada
e trabalha com inteligência, não precisa provocar sequer um arranhão em uma pessoa? Elas têm seus direitos respeitados. É o mesmo país, a mesma realidade e essa polícia é eficaz. A brutalidade é incoerente. Mas investigação dá trabalho...

O QUE ACONTECEU COM VOCÊ DEPOIS DA PUBLICAÇÃO DE ROTA 66?
Essa questão... Eu não quero falar disso mais. Sofri muito com isso e não quero falar de ameaças. Fui muito perseguido na Justiça. Foram seis processos contra mim, fui absolvido em todos. Não quero mais falar porque essa questão não significa muito.

VOCÊ FREQÜENTOU DURANTE MUITO TEMPO AS FAVELAS DO RIO PARA ESCREVER ABUSADO. COMO A COMUNIDADE VÊ A POLÍCIA MILITAR?
De forma geral, a Polícia Militar do Rio de Janeiro representa o autoritarismo sem autoridade. As pessoas não têm seus direitos mínimos respeitados nas ações dos policiais nos morros. A violência está dos dois lados na favela, claro: na polícia e no tráfico. Essa história é uma loucura. Um tiro de fuzil é capaz de atravessar sete barracos de alvenaria. E atrás de traficante pode ter uma criança de 5 anos, uma senhora de 80. Mas para as autoridades quem mora no morro é bandido. E é evidente que não é assim, a maioria é formada por trabalhadores. E são todos bem informados. A sociedade não é partida como se diz. É partida só para os bacanas.

COMO ASSIM?
Quem é pobre e mora no morro tem duas vias. Ele desce para trabalhar. A gente que não sobe lá nunca para ver o que acontece, como deveríamos fazer. Conversei muito com os traficantes: quase todos têm a mãe empregada doméstica, o pai porteiro. Eles conhecem bem a vida na zona sul. No trabalho deles, dentro da casa dos bacanas, eles nunca viram a polícia agir da mesma forma. Um médico quando não emite nota fiscal numa consulta está roubando não só de uma pessoa, está roubando de todo mundo. É um crime gravíssimo. Por que o Bope não invade o consultório para ouvir uma confissão do médico que está sonegando? Fica esta pergunta: “Por que é legítimo agir com brutalidade em uma parte
da cidade, não por coincidência onde estão os mais pobres, e não agir da mesma forma
onde estão os ricos”?

QUANTO TEMPO VOCÊ FICOU NO MORRO SANTA MARTA PARA AS PESQUISAS DE ABUSADO?
Foram cinco anos de pesquisa. Claro que não em tempo corrido, por causa do meu trabalho. Se eu tivesse ficado lá em tempo integral, o tempo seria bem menor.

E COMO FOI SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE E COM OS TRAFICANTES?
Foi tranqüila, como sempre é. A gente sobe o morro para fazer nosso dever, que é a cobertura dos fatos. Esse tempo foi bacana, intenso, parte da comunidade adora conversar com a imprensa – infelizmente a imprensa sobe muito pouco lá. Foi uma das reportagens em que eu mais aprendi coisas. Embora eu freqüente morros há muito tempo, não imaginava que o buraco era tão embaixo. Tinha gente contando sobre o cotidiano e sobre os crimes que cometeram. Me falaram coisas que nunca imaginei ouvir.

A COMUNIDADE TEMIA O BOPE?
Naquela época, o Bope tinha uma política de não matar. No período todo em que estive lá,
os policiais do Bope nunca mataram ninguém. A polícia estava sob as ordens de Luiz Eduardo Soares (coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do Rio de Janeiro entre janeiro de 1999 e março de 2000). A política era de se respeitar no morro da mesma forma como se respeitava em qualquer outro lugar. O Bope estava atuando de forma eficaz, e o tráfico, na época, estava começando a falir. Houve uma ocupação pacífica e interessante no morro, pela polícia nessa época. Eu mesmo fui detido para averiguação e levado ao Bope
para prestar esclarecimentos.

NINGUÉM ENFIOU PLÁSTICO NA SUA CABEÇA?
Não, naquela época eles não faziam isso.

A COMUNIDADE TEME MAIS A POLÍCIA DO QUE OS TRAFICANTES?
O que eles se queixam muito é da morte de inocentes, da criança de 9 anos, do jovem, gente potencialmente não envolvida com o tráfico. Digo potencialmente porque as ações não são feitas com pesquisa. É aleatório. “Eu acho que é aquele ali.” Agora, acreditar que uma criança de 5 anos está envolvida com isso? Eu prefiro não. Prefiro acreditar que as pessoas
são inocentes até que se prove o contrário.

QUAL SUA POSIÇÃO NA QUESTÃO DA LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS?
Não tenho opinião. Eu sou a favor de que as pessoas discutam isso. O quadro como está
é muito ruim, e não discutir o problema é defendê-lo, é desejar a permanência dessa situação. Isso tem de ser discutido sem hipocrisia. Pessoas de todas as camadas sociais são usuárias de drogas, as ilegais e as legais. Há drogas legais que causam mais danos que as ilegais. É uma mudança complexa, que envolve questões bilaterais. Nossa discussão tinha de começar pela cachaça. É uma droga legal. E mata.

UMA DAS CENAS DE TROPA DE ELITE MOSTRA O CAPITÃO NASCIMENTO ESFREGANDO O ROSTO DE UM RAPAZ NO CADÁVER QUE ELES HAVIAM ACABADO DE MATAR. E DIZENDO
QUE O CULPADO POR AQUILO ERA O RAPAZ, O MACONHEIRO.?

O culpado pela morte é quem mata. Parece soldado americano falando no Iraque: “Te mato porque quero seu petróleo, você é culpado por sua morte”.

POR FALAR EM MORTE, TEVE QUEM ACUSASSE ABUSADO PELA MORTE DE MARCINHO VP, QUE FALASSE QUE ELE FOI MORTO PORQUE DISSE MUITO. COMO VOCÊ REAGIU A ISSO?
Não quero nem comentar o que falaram. Como é possível alguém saber se o livro foi responsável se, passados cinco anos, a polícia não esclareceu o crime? Ninguém sabe o que aconteceu. Só que ele foi morto dentro da cadeia, e que foi um companheiro. O resto? Só Deus.

E COMO VOCÊ SE SENTIU COM A MORTE DELE?
Senti com tristeza. Sou uma pessoa que detesta ação de matador, crime de morte, e acho que meu trabalho mostra isso.

VOCÊ JÁ FOI REFÉM DE SANDINISTAS, FOI DADO COMO DESAPARECIDO EM UMA SELVA BOLIVIANA, FOI AMEAÇADO DEPOIS DE ESCREVER LIVROS. EM ALGUMA SITUAÇÃO
VOCÊ PENSOU REALMENTE: “AGORA DANOU-SE”?
Teve uma situação na Nicarágua, durante a guerra (Caco cobriu a vitória dos sandinistas em 1979). Eu estava sozinho, perto de franco-atiradores. Para eles, o alvo era qualquer um. O cara me localizou da torre de uma igreja. Foi um horror aquilo ali, eu me arrastando pelo chão, fugindo das balas. Não sabia nem de onde vinham os tiros. Era curioso. Eles atiram sem nenhum motivo, nem tinham idéia de quem eu era, se eu era um guerrilheiro, podia ser
também um franco-atirador sandinista. Foi muito estúpido. Mas guerra é assim.

VOCÊ DISSE EM UMA ENTREVISTA QUE NÃO REAGE MUITO BEM ÀS CRÍTICAS. VOCÊ SE COBRA MUITO?
Eu respeito muito as críticas. Mas dou um peso que não deveria dar. Se criticarem meu trabalho, eu mudo. Se criticarem um texto, mudo também. Uma matéria, a mesma coisa. Acho que, se alguém em primeira mão está criticando meu estilo, imagine quem está lá no fim do processo, o consumidor final? Acho que eu aceito bem demais as críticas. E isso me faz mal (risos).

E FOI ASSIM COM O FUTEBOL? PORQUE VOCÊ QUERIA SER JOGADOR PROFISSIONAL.
Não, não, isso tem mais a ver com violência. Lá no Sul, de onde sou, tem gente que é defensora do futebolviolência e gente que é do futebol-arte. Eu sou da segunda turma. Aí, já viu. Pau nele... Saco plástico na cabeça dele (risos).

AGORA VOCÊ TRABALHA COM UMA TURMA NOVA NO JORNALISMO. COMO É ESSA EXPERIÊNCIA?
É um pessoal que, embora em começo de carreira, está revelando uma paixão muito grande pela reportagem. Eu sempre achei que as histórias ficam muito mais atraentes quando seguem o caminho da reportagem. É legal oferecer para o telespectador as ações como
provas de que as coisas que estamos falando são verdadeiras. A reportagem oferece a possibilidade de acompanhar as histórias, ouvir todos os lados.

VOCÊ JÁ REVIROU O LIXO DE ALGUMAS PESSOAS EM UMA REPORTAGEM INVESTIGATIVA
PARA SABER MAIS SOBRE ELAS, SE VOCÊ REVIRASSE O SEU LIXO, O QUE PENSARIA DE VOCÊ MESMO?
Que aquilo era de uma pessoa muito obsessiva, autocrítica ao extremo. Sou um porre comigo mesmo.

E COMO SABER ISSO NO LIXO?
Quando eu encontrasse uma frase de seis palavras escrita de 56 formas diferentes (risos).


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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge