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Pol�tica
Virgínia Fontes conta como foi sua participação no Congresso do MST

Queridos companheiros, 

segue relato sobre os momentos que passei junto ao 5º Congresso do MST, em Brasília. 

Havia quase 18 mil participantes no Congresso. Algo de raro na atualidade, em que encontros tendem a ser de delegados-representantes. Não havia votações, nem deliberações para além da Carta que foi elaborada pelo Congresso e já divulgada. A carta foi debatida por todas as delegações no trajeto para o evento que, em alguns casos, foi bastante longo, pois todos seguiram para Brasília de ônibus. Depois foi sistematizada foi relida e, finalmente, aprovada pelo conjunto do movimento. 

Os militantes do MST

Sabemos quem são os militantes do MST – uma população pobre, simples e sistematicamente desconsiderada e desqualificada no país. No entanto, deram não apenas uma aula, mas uma universidade inteira de organização, capacidade e inteligência.  

As instalações

O estádio onde se realizou o encontro fica num local muito inóspito. Cada delegação levou suas tendas e barracas coletivas, assim como os alimentos e o equipamento de cozinha (panelas, bojões de gás). Voltarei mais adiante ao tema alimentação. 

Instalaram um enorme acampamento, com barracas de diversos tipos: dormitórios coletivos, cozinhas das delegações estaduais e barracas regionais, onde se vendia artesanato e a produção do próprio MST. Havia barracas brancas, pretas, listadas de azul e branco, em suma, o ambiente tornou-se simpático e acolhedor. Nas barracas das regiões, serviam, a quem quisesse, excelente comida regional, a preços baratíssimos. Não tive tempo de experimentar todas elas, mas a barraca Amazônica, lindamente decorada com artesanato local, e forrada com teto de palha fez o maior sucesso. Comi pato ao tucupi e provei, enfim, do verdadeiro tacacá. Mas havia também as tendas do sudeste, do nordeste, do sul, que apenas pude visitar. Além disso, uma grande tenda da saúde, em local central, divulgava as atividades de saúde do MST e fazia primeiros socorros. Era secundada nessa tarefa por um ambulatório instalado no próprio estádio, com uma sala reservada na sombra para o atendimento àqueles que se sentiam mal. 

Vale lembrar que estamos no período seco em Brasília. Fazia extremo calor durante o dia (acima de 30 graus) e, à noite, a temperatura caía drasticamente (na noite em que eu estava lá, em torno de 12 graus), além da secura. Essa secura provoca sangramentos de nariz e desidratação, mas aparentemente os militantes estavam instruídos da importância de se hidratarem. Devem, entretanto, ter sentido frio em suas barracas, à noite. De dia, o calor sob o sol era insuportável. Quase todos portavam chapéus de palha. 

A alimentação

O mais impressionante, entretanto, foi a organização para a alimentação de todo esse povo. Em conversas, me informaram que em outros eventos populares em Brasília, houve sérios problemas de saúde com a alimentação, fornecida através de quentinhas. Algumas azedavam, outras eram desbalanceadas ou com comida muito gordurosa, provocando dificuldades de digestão em muitos participantes, que passavam mal. Além de caro, ruim. Resolveram, portanto, que fariam tudo. Levaram seus equipamentos e a alimentação, incluindo frutas. Fotografei apenas as melancias e os cocos, que chamavam a atenção. Mas havia muitas outras frutas. Muitas delegações traziam seus próprios produtos, resultado de uma reforma agrária ainda muito incompleta e incipiente. Mas alimentícios e saudáveis. 

Cada delegação estadual ficava encarregada de assegurar a alimentação de seus militantes. Para tanto, instalaram inúmeras cozinhas, muitas delas numa linha contínua, onde cada uma preparava seus pratos. Providenciaram caixas dágua próximas, para a limpeza. Os militantes levavam seus pratos, canecas e talheres – o que reduz a sujeira provocada pelo excesso de descartáveis, mantendo a limpeza do ambiente e dos próprios utensílios. O resultado era realmente impressionante. Além disso, como acompanhar, havia bastante homens e jovens  participando das cozinhas coletivas. Essa foi uma agradável surpresa. 

As mulheres

O machismo brasileiro tende a prender as mulheres em atividades que se tornam subalternizadas. Aparentemente, o trabalho do MST começa a produzir resultados. Ele sabe que, sem as mulheres e sem os jovens não haverá movimento social capaz de se manter ao longo do tempo. 

Considero que, quando é possível fazer as boas coisas da vida em comum (e se comer é um dos maiores prazeres, a sua preparação antecipa o prazer) homens e mulheres juntos, jovens e menos jovens, isso anuncia novas e boas possibilidades. A de que as mulheres também participem das decisões, por não mais estarem isoladas dos demais. Sobretudo, permite compreender que as tarefas até aqui consideradas como domésticas e, portanto, subalternizadas, são, na verdade, aquelas que asseguram os prazeres cotidianos (limpeza, alimentação, lavagem de roupa). Local agradável, boa comida e roupa cheirosa! Quem sabe, algum dia compreenderemos que as hierarquias nas quais classificamos tais atividades – no mais baixo nível da escala hierárquica – está completamente equivocada e que partilhá-las é descobrir o próprio gosto da vida. 

Ato sobre Educação

Acompanhei poucos dias do Encontro. Assim, vou destacar duas atividades importantes, das quais pude participar. A primeira delas, o Ato sobre Educação. O MST está  lançando uma campanha nacional de erradicação do analfabetismo em todos os seus assentamentos e acampamentos. Divulgaram o compromisso simbólico de forma muito criativa: o texto do projeto e do  compromisso vinha colado a um lápis, distribuídos aos milhares de  participantes do evento. O objetivo é ambicioso e justo. Deverá se defrontar, porém, com muitas dificuldades. 

Em conversas com companheiros, soube que, no Rio de janeiro, o índice de analfabetismo é alto e variável. Nos assentamentos em Campos, algo como  15%; no Rio, em torno de 10%, que, em algumas favelas, sobe para 17%. No entanto,  os índices de analfabetismo funcional são altíssimos - em Campos, em torno de 60%! Levando em consideração de que se trata de população que já sofreu (e  pesei bem o termo) um processo de escolarização extremamente segregador, certamente serão muito renitentes a novos processos de alfabetização. Além  disso, intervém também o fator idade e o fato de que já se consideram  alfabetizados. 

Parece-me que a tarefa a que se propõem, por enquanto, é de enfrentar o analfabetismo e não essa massa maior de iletrismo. Isso entretanto significa que deverão em breve defrontar-se com a seqüência do processo de alfabetização - e eles sabem disso. Resta saber como poderemos contribuir para esse mega-desafio. Esse é um terreno do qual vocês entendem melhor do

que eu - conheço apenas por alto os programas governamentais e, pelo que sei, destinam-se a reproduzir a massa de semi-letrados, em grau ainda mais extenso. Enfrentar qualquer um, ou ambos os problemas, exige efetivamente mobilizar a militância, disponibilizar leituras para além dos textos do próprio movimento, de tal forma que o hábito recém adquirido de leitura por crianças e jovens não se perca rapidamente, pela ausência de livros e pelo excesso de oralidade atual, sobretudo via televisão. A meu juízo, precisam transformar esse programa num efetivo programa de  leitura, que se implante como um "modelo popular" para o Brasil como um todo, enfrentando os programas paliativos que vêm sendo propostos, incapazes de se constituir como uma efetiva política pública voltada para a permanência da educação.          

Marcha ao Palácio do Planalto

Participei também da marcha até o palácio do Planalto, que passou diante da Embaixada dos EUA, para marcar o repúdio às chacinas internacionais que vêm sendo promovidas por esse país, assim como a ingerência nas políticas internas. Marcharam 7 km sob um sol escaldante até o palácio, de forma organizada, formados em quatro filas. 

O trânsito na Esplanada dos Ministérios foi interrompido e um mar de bandeiras vermelhas se agitava e marchava, colorindo a cidade. Nem uma notícia figurou, por exemplo, em O Globo. Não vi o noticiário da televisão e não sei se ali fizeram alguma menção à marcha. 

A cada dia mais me pergunto se O Globo ainda pode ser considerado como um jornal. Ou se, como outras tantas publicações que promove, se reduz a uma coluna social de seus anunciantes, de seus correligionários ou de seus próprios interesses. 

Não farei aqui uma avaliação propriamente política dos comunicados do Encontro. Me limito a dizer que me fez enorme bem encontrar tantos companheiros engajados seriamente na militância. Que precisamos aprender com o MST, com sua organicidade, sua perseverança militante, sua preocupação com a incorporação de grandes massas nos processos mais expressivos da organização, sua preocupação com uma cultura viva e ativa, sua atenção às formas mais cotidianas pelas quais se pode avançar na socialização ou recuar para a reprodução impensada das segregações dominantes.


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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge