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Por NPC
Se não mudar a vida das crianças da favela elas só terão como opção (02.2006)

Por Claudia Santiago

Dalva é brasileira. Tem 50 anos. Nasceu em Coqueiral, em Minas Gerais. Mora na favela do Borel, na Tijuca, no Rio de Janeiro, a poucos metros da maior floresta urbana do mundo, a Floresta da Tijuca.
Como os outros dez mil moradores da favela, ela tem poucos bens materiais. Mas tem lá suas riquezas. O marido, Severino da Silva, os filhos e a neta. E foi justamente deste seu tesouro particular que a Polícia Militar do Rio de Janeiro roubou uma de suas mais valiosas jóias: a vida do seu filho mais velho, Thiago Carneiro, com 19 anos. Maria Dalva da Costa Carneiro é negra. Thiago também era. Ele foi assassinado no dia 16 de abril de 2003, juntamente com quatro outros jovens, perto de casa, dentro da favela. Compõe o quadro de vítimas da violência policial no Brasil.


Conquista - Vida de negro é difícil?

Dalva - Muito difícil. É um preconceito muito grande. Negro mora no morro. Negro é favelado e pobre. O emprego é mais difícil para os negros. Tenho colegas que vão fazer a prova, passam e depois não são selecionados na entrevista.

 

Conquista - O endereço, o fato de morar no morro, também dificulta para conseguir emprego?

Dalva - Dificulta muito.

 

Conquista - A senhora já foi vítima de alguma situação de racismo?

Dalva - Recentemente. O Diogo (filho mais novo, 16 anos) estava trabalhando numa loja no Centro. O dono pediu para revistar a mochila dele e não pediu para revistar a do outro menino que era branco.

Quando eu tinha 18 anos fui numa loja e pedi para experimentar uma blusa. A dona disse não porque ia ficar com cheiro ruim. Eu fiquei um tempão sem entrar numa loja.

 

Conquista - E hoje, a senhora entra numa loja?

Dalva - Entro, e ser for discriminada, denuncio.

 

Conquista - Como a senhora sente o racismo?

Dalva - No olhar das pessoas.

 

Conquista - A senhora é olhada com maus olhos?

Dalva - Na maioria dos lugares que eu vou sou olhada com bons olhos.

 

Conquista - E onde é olhada com maus olhos?

Dalva - Nas lojas.

 

Conquista - A senhora perdeu seu filho numa situação de invasão do morro pela polícia. O fato de ele ser negro contribuiu para a sua morte?

Dalva - Com certeza. Quem morre são os jovens, os negros e os favelados. Os quatro jovens que morreram na chacina no Borel eram negros.

 

Conquista - Os negros são mais vítimas da violência policial que os brancos?

Dalva - Isto está nas estatísticas. Morre mais gente no morro. No Borel, pelo menos 70% são negros e pardos. Branco de olho azul não tem nem 1%.

 

Conquista - Como a senhora convive com o fato de boa parte das pessoas do asfalto acharem que quase todo mundo no morro é marginal.

Dalva - Tem que procurar mostrar que não é. Foi isso que nós fizemos na passeata no dia 7 de maio de 2003 que fizemos para protestar contra a chacina. Fomos todos com o rosto descoberto e avisamos aos comerciantes que não era para fechar as portas. E quem defende os pobres também é chamado de defensor de bandido. Tem que procurar mostrar que 90% dos moradores da favela são gente de bem, trabalhadores, estudantes. Nós somos conviventes (sic) com o tráfico e não coniventes. E quem tá no tráfico tá porque não tem políticas sociais na favela.

 

Conquista - A senhora lê jornal? Qual?

Dalva - Vejo os jornais da televisão e jornal leio no final de semana. Leio O Globo.

 

Conquista - O que a senhora acha da campanha de O Globo pela remoção de favelas?

Dalva - Não deveria fazer. Deveriam fazer obras na favela para melhorar a vida. Se eu tiver que sair do Borel quero continuar na Tijuca. Mas não quero sair do Borel antes de conseguir fazer alguma coisa para melhorar a vida daquelas crianças que, se não tiverem alternativa, caem no tráfico já com 14 anos. E não quero sair antes de os assassinos do meu filho serem condenados. Dos cinco policiais acusados pela chacina, dois foram absolvidos. Os outros ainda não foram a julgamento e estão soltos. Se não mudar a situação das crianças a gente já sabe o que vai acontecer. É cadeia ou cemitério.

 

Conquista - A imprensa conta direitinho para seus leitores como é a vida de quem mora na favela?

Dalva - Claro que não.

 

Conquista - O que o jornal não mostra?

Dalva - Pessoas que trabalham, são inteligentes e não são coniventes com o tráfico. No jornal Extra, depois da chacina, saiu uma matéria dizendo "Quatro traficantes mortos em confronto com a Polícia". Eram jovens que estudavam e trabalhavam. Meu filho, o Thiago, fez curso de mecânica no Senai e sonhava em ser engenheiro mecânico. O meu filho mais novo, o Diego, agora vai fazer o Senai.

 

Conquista - Tem medo que aconteça com Diego o mesmo que aconteceu com o Thiago?

Dalva - Se ele está na escola e eu escuto um tiro, fico apavorada. Nunca mais vou ter tranqüilidade.

 

Conquista - O que acha de morar em favela?

Dalva - Moro no Borel há mais de 20 anos. Gosto da casa que eu construí aos poucos, trabalhando. Tenho boas lembranças do apoio dos amigos, da união da comunidade. Tinha quase mil pessoas na passeata de maio, após a chacina. Foi a primeira vez que a comunidade se uniu desta forma.

 

Conquista - O que mudou na sua vida depois do assassinato do Thiago?

Dalva - Fiquei doente, com pressão alta, depressão. Me aposentei precocemente.

 

Conquista - Onde a senhora trabalhava?

Dalva - Na mesma fábrica de cigarros onde trabalha meu marido, em Duque de Caxias.

 

Conquista - E no Borel, o que mudou depois do assassinato do Thiago?

Dalva - As pessoas esquecem rápido. Só quem se lembra é pai e mãe.

 

Conquista - E a violência diminuiu?

Dalva - Diminuiu por um certo tempo. Depois voltou. Eles entram nas casas, reviram tudo, pegam dinheiro, pegam comida. Tratam os jovens como se fossem bandidos. Batem, humilham.

 

Conquista - Sem poder se identificar?

Dalva - Sem poder se identificar.

 

Conquista - Do que a senhora não gosta no Borel?

Dalva - Das incursões da Polícia Militar. Eles chegam atirando. A Polícia Civil é diferente. Eles sobem o morro sem dar um tiro. Vão onde têm que ir e a gente só fica sabendo quando estão descendo.

 

Conquista - O que deve ser feito para melhorar a vida na favela?

Dalva - Creche, cursos, água chegando em todas as casas.

 

Conquista - O que a senhora espera do Estado?

Dalva - O Estado não faz nada.

 

Conquista - Vocês estão entregues à própria sorte?

Dalva - Com certeza.

 

Conquista - Com quem vocês podem contar?

Dalva - Com Deus.

Conquista - Quem são os amigos de vocês?

Dalva - Ninguém. Só a gente mesmo.

 

Conquista - O que a senhora pensa a respeito dos seres humanos?

Dalva - Não são humanos.

 

Conquista - Onde vai parar tudo isso?

Dalva - Não sei.


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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge