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O acordo de Alcântara
(Dioclécio Cruz *) Precedentes Em Alcântara, Maranhão, há mais de 10 anos, o Brasil tem instalado o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Lá o país investe recursos e inteligência no desenvolvimento de "foguetes" para lançar satélites e assim dominar uma área que hoje é restrita a poucos países. Ao invés de "foguete", o termo mais apropriado, é "Veículo Lançador de Satélites", VLS. O Brasil está desenvolvendo o seu VLS, para assim participar de um mercado bilionário e capacitar-se na tecnologia do futuro. Países ou instituições interessadas em mandar um satélite para o espaço pagariam ao Brasil (e caro) pela utilização do seu VLS. Com a expansão do conhecimento e tecnologia na área das comunicações, é cada vez maior a quantidade de interessados neste tipo de negócio. A celebração do Acordo com os Estados Unidos é justificada pelo Governo FHC como uma necessidade de tornar viável a comercialização de serviços de lançamentos a partir do CLA, o qual está subutilizado há vários anos. Esta subutilização advém, em grande parte, do fato de que o programa espacial brasileiro, bem como as instituições a ele vinculadas (INPE, CTA, etc.), foram sucateados ao longo dos anos 90. O que é o acordo O acordo prevê o aluguel da base espacial de Alcântara, o CLA, para os Estados Unidos. Na pior hipótese, os Estados Unidos podem fechar um negócio para lançamento do satélite cobrando o que achar conveniente e pagando um percentual irrisório ao Brasil. Valores do aluguel: US$ 6 a 12 milhões por lançamento (se não houver lançamento não paga). Nome oficial: “Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América sobre Salvaguardas Tecnológicas Relacionadas à Participação dos Estados Unidos da América nos Lançamentos a partir do Centro de Lançamentos de Alcântara” Situação atual No momento o acordo está sendo analisado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCT) da Câmara dos Deputados. Ele passou pela Comissão de Relações Exteriores, onde foi aprovado um substitutivo elaborado pelo deputado Waldir Pires (PT-BA), alterando substancialmente o texto, adequando-o aos verdadeiros interesses do país, recuperando a soberania nacional. Na CCT há uma pressão do governo brasileiro e norte-americano para que se retorne ao texto original. O deputado Walter Pinheiro (PT-BA) apresentou dois Projetos de Decreto Legislativo tratando do tema: 1) susta o acordo em sua integridade; 2) susta um segundo tratado que permite a participação brasileira na Estação orbital norte-americana (um engodo como será esclarecido mais adiante). A bancada petista está unida contra a imoralidade deste acordo. Na Comissão de Relações Exteriores, a posição da bancada petista foi fundamental neste debate. É importante considerar que o relatório do dep. Waldir Pires foi aprovado unanimemente na comissão. Vantagens econômicas de Alcântara Por se situar nas proximidades da linha do Equador, a base espacial de Alcântara é a mais econômica de todas as existentes no mundo. Como está próxima ao eixo de rotação da terra, todo foguete já parte daí com uma velocidade maior e, portanto, gasta menos combustível. Vantagens políticas de Alcântara Para o Brasil, sua afirmação de soberania diante da tecnologia de veículos lançadores de satélites. Para os Estados Unidos, dentro de sua geopolítica de dominação do mundo, é a possibilidade de montar uma base militar na entrada da Amazônia, permitindo o domínio militar sobre a região. SE O ACORDO FOR APROVADO SALVAGUARDAS TECNOLÓGICAS 1) Áreas restritas. Serão criadas áreas restritas em território brasileiro, com acesso controlado pelo Governo dos Estados Unidos. O texto diz que “somente pessoas autorizadas pelo Governo dos Estados Unidos da América controlarão, vinte quatro horas por dia, o acesso a Veículos de Lançamento, Espaçonaves, Equipamentos Afins e Dados Técnicos”. 2) Os norte-americanos fiscalizarão a base. Os EUA farão a fiscalização “sem aviso prévio ao governo brasileiro, tanto nas áreas restritas, quanto nas demais áreas reservadas para lançamento de espaçonaves”, permite-se que o governo norte-americano instale equipamentos de vigilância eletrônica para tal finalidade. 3) O crachá é fornecido por eles. O acordo é de tal forma minucioso e rigoroso no aspecto de assegurar o controle de pelo menos parte do Centro de Lançamento de Alcântara aos norte-americanos, que chega ao cúmulo de prever que os crachás para adentrar as áreas restritas, bem como as demais áreas reservadas ao lançamento de espaçonaves, serão emitidos unicamente pelo governo norte-americano. 4) O Brasil não terá controle sobre o que entra na base. O texto do acordo diz que o que entrar nos containers não serão abertos para inspeção. Ou seja: a alfândega brasileira será proibida de revistar e inspecionar qualquer remessa de material norte-americano que ingresse no território nacional. O governo brasileiro não terá nenhum controle efetivo sobre o material que os norte-americanos utilizarem nos lançamentos a partir de Alcântara. 5) Os EUA podem lançar mísseis. Os EUA poderá, se quiser, lançar do CLA satélites de uso militar (espiões) contra países com os quais o Brasil mantém boas relações diplomáticas. Como o Brasil não poderá revistar os “containers” e não terá qualquer acesso às “áreas restritas”, tal possibilidade é real. 6) O Brasil não poderá fiscalizar os restos de foguete no seu território. O acordo diz que o Brasil deverá criar uma “área de recuperação de escombros, controlada pelos norte-americanos, para armazenamento de componentes ou escombros identificados”. O Brasil assegurará a imediata restituição de todos os escombros sem que tais componentes sejam estudados e fotografados de qualquer maneira. 7) O Brasil não poderá desenvolver tecnologia espacial. Por mais absurdo que pareça, este acordo estabelece que o Brasil não pode desenvolver sua tecnologia espacial. É taxativamente proibida “a assistência e cooperação tecnológica” (Artigo IV), essencial para qualquer programa espacial. O Brasil não terá acesso a tecnologia norte-americana e está impedido de desenvolver a sua, por conta própria ou em parceria com outros países. Nem o dinheiro do aluguel pode ser utilizado nisto. 8) Acaba o programa espacial brasileiro. Se o Brasil não poderá usar recursos do aluguel do CLA, nem poderá fazer acordos de cooperação com outros países para troca de experiências, nem negociar com os países que achar conveniente, então, na prática, é extinto o programa espacial brasileiro. Acabam nossas pretensões de entrar no fechado clube espacial e, nos tornamos totalmente dependentes dos Estados Unidos. SALVAGUARDAS POLÍTCAS Embora, para todos os efeitos, o acordo trate de tecnologia, nele estão embutidas uma série de exigências de ordem política. São determinações que agridem a soberania nacional e, se aprovadas pelo Governo, estabelecem uma humilhante posição brasileira diante dos estados Unidos. 1) Só o Brasil tem compromissos. As cláusulas do acordo criam obrigações exclusivamente, ou quase que exclusivamente, para o Brasil. Os Estados Unidos impõem as regras. 2)Cria uma base militar norte-americana. Para todos os efeitos, a base de Alcântara será uma nova base militar dos Estados Unidos no Atlântico, devidamente incorporada ao “programa guerra nas estrelas” (o escudo anti-míssel) dos EUA. Ela será mais um ponto de referência do poderio militar norte-americano. 3) A base pode ser utilizada pelos EUA para o envio de mísseis. O governo norte-americano argumenta que o controle tecnológico é necessário para evitar a proliferação de mísseis. É preciso considerar, porém que, em 27 de outubro de 1995, o Brasil ingressou, no Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (Missile Technology Control Regime-MTCR). O MCTR foi formado em 1987 pelos países que compunham o G7 e por pressão do governo norte-americano, com a finalidade de restringir a exportação e o repasse da tecnologia de mísseis capazes de, pelo menos, carregar carga útil de 500 quilos a mais de 300 Km, assim como de qualquer sistema apto a lançar armas de destruição em massa. Embora o MTCR não seja um ato internacional, ele já conta, hoje em dia, com a participação voluntária de 32 países[1]. Do nosso ponto de vista, essa desconfiança é injustificável e desrespeitosa. A bem da verdade, se há um país que pode despertar suspeitas em relação aos seus compromissos relativamente ao controle da tecnologia de mísseis e ao desarmamento são os EUA, pois é fato notório que os norte-americanos repassaram mísseis de médio alcance para Israel e Taiwan. Ademais, a recusa norte-americana em assinar o Convenção de Ottawa sobre minas terrestres e a recente decisão do governo Bush de proceder à construção de um escudo anti-míssil demonstram a fragilidade do comprometimento dos EUA com a causa do desarmamento mundial. 4) Não permite lançamentos para países considerados “terroristas”. O Brasil não vai poder negociar lançamentos “com governos, que tenham dado apoio a atos de terrorismo internacional”. Ora, por esse critério, nem mesmo os Estados Unidos poderiam utilizar a base... Mas ocorre o contrário, os Estados Unidos poderão proibir o Brasil de, utilizando base instalada em território nacional e veículos de lançamento de sua propriedade (ou de propriedade de terceiros países), lançar satélites para nações desafetas dos EUA. É preciso levar em consideração que o Departamento de Estado norte-americano utiliza critérios bastante elásticos e arbitrários para classificar uma nação como “terrorista”. Segundo o seu último relatório , os países que apoiam o terrorismo são: Irã, Iraque, Síria, Líbia, Cuba, Coréia do Norte e Sudão. No caso de Cuba, o relatório do Departamento de Estado norte-americano justifica a sua inclusão nessa lista porque aquele país daria abrigo a “fugitivos norte-americanos” e manteria contatos com “insurgentes latino-americanos”. No que se refere à Coréia do Norte, a justificativa prende-se, essencialmente, ao fato de que os norte-coreanos teriam dado refúgio, na década de 70, aos seqüestradores de um avião japonês. A Líbia ainda é mantida na lista em razão do caso do avião da Panam, mesmo após ter entregado às autoridades competentes dois funcionários acusados de terem colocado a bomba na aeronave para serem julgados em Haia. Trata-se, é evidente, de uma classificação inteiramente arbitrária, feita ao sabor dos interesses políticos e estratégicos dos EUA. Amanhã, poderão estar incluídos na lista negra norte-americana países como Colômbia, Venezuela, Iugoslávia, China, Rússia, etc. O fato concreto é que o poder de veto dado aos EUA pelo citado dispositivo estabelece precedente muito perigoso. É nossa opinião que nenhuma nação estrangeira deva ter poder de decisão sobre o uso do Centro de Lançamento de Alcântara. Deve ficar claro que, caso esse dispositivo seja aprovado, o Brasil perde a autonomia de utilizar a sua base como bem entenda. 5) Proíbe o Brasil de estabelecer cooperação com quem não estiver no MTCR. Ora, o MTCR compõe-se, até o presente momento, de apenas 32 países. Assim sendo, esse dispositivo excluiria do uso do Centro de Lançamento de Alcântara a maior parte das nações do planeta, o que acarretaria prejuízos potenciais de monta para o país. Trata-se, mais uma vez, de conferir a um país estrangeiro, os EUA, no caso, o poder de limitar o arbítrio da República Federativa do Brasil quanto à maneira de usar a sua base nacional. É necessário colocar em relevo que a China não pertence ao MTCR, por considerá-lo injusto, irracional e pouco eficiente, além de ser um instrumento que tende a perpetuar as desigualdades tecnológicas entre as nações. Pois bem, o Brasil desenvolve, em conjunto com a China, em função de acordo firmado em julho de 1988, um importantíssimo programa de cooperação na área espacial: o desenvolvimento e lançamento dos Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (CBERS). É evidente que, caso esse dispositivo seja aprovado, os satélites sino-brasileiros poderão não ser lançados da base de Alcântara. 6) Recursos do aluguel da base não poderão ser utilizados no desenvolvimento do programa espacial brasileiro. Isto demonstra, como já foi observado, que o verdadeiro objetivo deste acordo é inviabilizar o programa do VLS e colocar a Política Nacional de Desenvolvimento de Atividades Espaciais (PNDAE) na órbita dos interesses estratégicos dos EUA. Um veículo lançador de satélites operante permitiria ao Brasil entrar, de maneira autônoma, no lucrativo e tecnicamente relevante mercado de lançamentos. Com todo certeza, teríamos condições de competir com êxito nesse mercado, já que dispomos do CLA, base de posição geográfica privilegiada, que permite a realização de lançamentos com economia de até 30% no uso de combustíveis. 7)Troca o programa espacial brasileiro pela participação na Estação orbital dos EUA. Empenhado em acabar com o programa espacial brasileiro, os Estados Unidos oferecem como brinde a presença do Brasil numa estação orbital. Para tanto já foi assinado pelo Governo brasileiro, em 14/10/97, o "Ajuste Complementar entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para o Projeto, Desenvolvimento, Operação e Uso de Equipamento de Vôo e Cargas Úteis para o Programa da Estação Espacial Internacional". A participação do Brasil nesta estação espacial sai caro, inclusive. Estima-se que o Brasil vai despender US$ 300 milhões por ano neste programa. Com estes recursos, o programa espacial brasileiro poderia deslanchar, viabilizar o VLS, e entrar no mercado em definitivo. Há, portanto, uma relação íntima entre o “ajuste” para usar a estação Espacial e o “acordo” para alugar a base de Alcântara. Faz parte da estratégia destinada a colocar o programa espacial brasileiro na estrita dependência econômica, tecnológica e política dos EUA, o que já aconteceu com o programa espacial argentino. Vale observar que o Ajuste Complementar já está em vigor, por ato do Executivo, e não foi enviado ao Congresso Nacional para aprovação ou rejeição, tal como determina o inciso I do art. 49 da Constituição Federal, pois trata-se de ato gravoso ao patrimônio nacional. 8) Todo acordo posterior feito pelo Brasil com outros países, deve ser equivalente a este. Se o Brasil quiser estabelecer acordos com outros países para cooperação em tecnologia, deverá ser nos termos deste. Isto é, este acordo vale todos os futuros que podem ser feitos, excluindo de forma definitiva a possibilidade do Brasil ter acesso a algum tipo de tecnologia espacial. O Brasil fica obrigado a assinar acordos de salvaguardas com o mesmo objetivo e do mesmo teor com outros países. Mais do que isso: estipula-se que tais acordos deverão obrigar os outros governos a exigir dos seus Licenciados (empresas que dominam tecnologia espacial) o que o governo norte-americano exige dos seus. Trata-se de verdadeira aberração jurídica que contraria os mais elementares princípios do direito internacional. Nações soberanas não podem ser coagidas a celebrar atos internacionais entre si em função de um acordo bilateral firmado por uma delas com outro país, e muito menos serem obrigadas a inscrever nesses atos o mesmo conteúdo do acordo. Saliente-se que as “Atividades de Lançamento” incluem, pela própria definição do Acordo, as operações com “Veículos de Lançamento Espacial”, que são foguetes (ou partes de foguetes) que foram autorizados para a exportação por um governo “que não o Governo dos Estados Unidos da América”. Na realidade, essa cláusula tem um endereço certo: os acordos de cooperação nos usos pacíficos do espaço exterior firmados pelo País com a Rússia, a Ucrânia, a China e a Itália, além de outros. O temor do governo norte-americano é que esses países, em decorrência das atividades de cooperação ensejadas pelos acordos, repassem a sua tecnologia de veículos lançadores de satélites para o Brasil. Ora, é até admissível que o governo norte-americano, não queira o repasse da sua tecnologia espacial para o Brasil, porém, não podemos concordar que os EUA queiram, através do mesmo instrumento jurídico, um mero acordo bilateral, proibir que o Brasil busque o repasse de tal tecnologia em terceiros países e que essa nações tenham que exigir dos seus licenciados o mesmo que os norte-americanos demandam dos seus. 9) Leis norte-americanas irão prevalecer sobre as brasileiras nas exportações. O texto é claro: “nada neste Acordo restringirá a autoridade do Governo dos Estados Unidos da América para tomar qualquer ação com respeito ao licenciamento de exportação, de acordo com as leis, regulamentos e políticas dos Estados Unidos da América”. Desse modo, o governo norte-americano assegurou que, no que tange ao seu compromisso básico na cooperação pretendida (licenciar as exportações), as suas leis, normas e políticas internas poderão prevalecer sobre o texto do Acordo. Portanto, bastaria que houvesse alguma mudança na política de exportação de tecnologia espacial norte-americana, ou de algum regulamento interno qualquer referente ao assunto, para que novas exigências fossem aplicadas às atividades de Lançamento. Conclusões Estamos entregando um território nacional aos EUA para que construam uma base militar. Abortamos nosso programa espacial brasileiro que significa, além de capacitação científica, a entrada num mercado bilionário. Abortamos a capacitação científica num conhecimento de ponta. Os EUA querem a hegemonia no controle do espaço aéreo - só eles e uns poucos serão donos do espaço cósmico. O arrogante imperialismo norte-americano quer ir além das fronteiras terrestres. Não poderia haver situação mais assimétrica: de um lado, proibi-se que o Brasil coopere com países que não pertençam ao MTCR , que use o dinheiro do aluguel do CLA para desenvolver o programa do VLS, que receba tecnologia espacial de terceiros países, que inspecione “containers” em seu território e que seus funcionários adentrem áreas em sua própria base, mas, de outro, assegura-se aos EUA o direito de vetar lançamentos por motivos políticos, de controlar áreas dentro do CLA e de fazer prevalecer as suas leis e políticas internas sobre o Acordo sempre que julgar conveniente. Dioclécio Luz - Assessor do dep. Walter Pinheiro (PT-BA). Com base nos estudos e pareceres de Marcelo Zero, assessor da bancada do Partido dos Trabalhadores
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