Entrevistas
Raimundo Pereira: Um grande repórter
Entrevista: Raimundo Pereira
Por Bruno Zornitta e Marcela Figueiredo
Ele queria ser jogador de futebol. Esse era seu grande sonho. Tentou a carreira e não foi bem sucedido. Acabou tornando-se jornalista profissional "por acidente", pois, como acredita, a pessoa "vai sendo empurrada por forças muito maiores para certos lugares". Sorte nossa, pois ganhamos um verdadeiro craque da imprensa. Estamos falando de Raimundo Pereira, 66 anos, 40 destes dedicados ao jornalismo. Pernambucano de Exu, Raimundo inventou de ser comentarista esportivo em sua cidade, na adolescência, em uma rádio local, com serviço de auto-falantes. Era apenas o primeiro passo em uma carreira com passagem pelos principais veículos, tanto da imprensa alternativa, quanto da imprensa burguesa. Editou, à época da ditadura, os jornais Opinião e Movimento, de resistência ao regime. Agora se prepara para empregar toda sua experiência no projeto de um jornal popular diário e de circulação nacional, em conjunto com o amigo Mino Carta, jornalista responsável pela revista Carta Capital. Leia a seguir a entrevista concedida por esse incansável repórter ao Boletim do NPC.
Bruno - Como foi sua infância? Quais as lembranças que você tem? Raimundo Rodrigues Pereira - Eu sou pernambucano, de Exu, no sertão. Parte da minha família veio de lá para São Paulo na década de 40. Minha infância foi vivida no interior de São Paulo. Como lá não tinha colégio, vim estudar no centro de São Paulo e fiz o vestibular. Eu gostava de matemática e fui prestar vestibular para engenharia. Meu curso universitário foi feito no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Em 1960, eu tive contato com a vida acadêmica e minha formação ideológica foi mudando.
À época do golpe de 64, eu estava quase me formando em engenharia e já estava muito envolvido no movimento contra a ditadura. Nesse período, eu participava do teatro e do principal jornal da escola. Quando houve o golpe, fui expulso. Na verdade, nos proibiram de voltar, então fui expulso por falta. O engraçado é que no fim do ano passado eu recebi o diploma do curso.
Marcela - Você fez engenharia, estudou no ITA. Por que resolveu ser jornalista? Raimundo Pereira - Meu primeiro grande sonho foi o mesmo de muitas pessoas ainda hoje: ser jogador de futebol. Eu jogava bola desde menino e, com mais ou menos 14 ou 15 anos, eu inventei umas modas na minha cidadezinha e virei comentador de esportes. Eu lia muito a Gazeta Esportiva, mas não porque eu tivesse alguma vocação. Eu queria ser jogador de futebol.
Bruno - Era uma rádio local? Raimundo Pereira - Lá não tinha uma rádio local. Era um serviço de auto-falantes. Então, o meu primeiro contato com jornalismo foi esse. Eu era apaixonado por futebol, tentei a carreira mas não fui bem sucedido. Na minha juventude, eu conheci um espanhol anarquista que tinha um padrão cultural muito alto. Nesse período eu tinha uns 19 anos e, por influência dele, passei a ler muito. Lia em média três livros por semana.
Fui reprovado por faltas no ITA e tive que fazer o vestibular novamente. Como já conhecia o conteúdo, não precisava estudar. Quando voltei pro ITA, minha nova paixão era ser escritor. Eu acabei virando diretor do jornalzinho da escola. O jornal foi um grande sucesso. Juntaram-se uns três ou quatro meio anarquistas e fazíamos um jornal animado, vivo.
Eu acabei virando jornalista profissional por acidente. Antes o meu ganha-pão era dando aulas particulares de matemática. Eu entendia um pouco e gostava. Um dia, eu estava dando aula para um cara que era diretor de uma revista e que, de repente, precisou de um redator. E pagava bem. Eu lembro que era uma fortuna para os padrões que eu tinha na época. Foi no final de 1964. Eu tinha sido preso. Depois saiu uma nova ordem de prisão e fiquei escondido uns tempos. Eu só me livrei desse negócio no segundo semestre de 1964. Eu estava vivendo de dar aulas e, de repente, apareceu, no fim do ano, para eu começar em 1° de janeiro de 1965, um emprego bem remunerado, de redator de uma revista. Eu entrei e virei profissional de imprensa, desde então.
Marcela - Por que você foi preso? Raimundo Pereira - Esse jornalzinho era muito irreverente. Vários artigos causaram polêmica. Eu publiquei um artigo que era uma proposta de dissolução das Forças Armadas. Era um monte de gozação. A proposta era fazer um país sem Forças Armadas. Isso era uma coisa de menino que, inclusive, não percebe onde está. Embora a escola fosse civil, era dentro de um comando militar da Aeronáutica. Isso foi um escândalo. Coisas desse tipo. Coisas de juventude. Nós fazíamos coisas contra a administração.
Marcela - Quando começou a coisa mais politizada? Raimundo Pereira - Quando eu entrei no ITA. Minha formação veio de gente mais de esquerda. Gente que já vinha militando e que, de certa maneira, me adotou. Eu estava fazendo parte da turma. Tinha gente de esquerda, militante, gente que foi das organizações. Então, você vai se aproximando. Eu acho que a vida é assim: você vai sendo empurrado por forças muito maiores para certos lugares, aí vai se ajeitando de acordo com certas denominações que você tem.
Eu era um sujeito de classe média baixa. Meu pai era um comerciante arruinado. Então, eu me mantinha. Trabalhava, dava aulas. Nesse contexto do golpe, acabei virando jornalista. No começo, nem tanto um jornalista político, embora já a partir de 1967, por outras circunstâncias, me aproximei mais da política. Em 1967, um menino que tinha saído do ITA me chamou para fazer alguma coisa para o jornal do Centro Acadêmico de Filosofia. Em 1967, eu era um profissional de imprensa. Trabalhava de dia no meu emprego e à noite começamos a fazer um jornalzinho chamado Amanhã, que vendeu em banca. Aí já começava uma coisa mais profissional, mais técnica, e um jornalismo mais político. O outro passo importante foi quando eu fui trabalhar na imprensa profissional, na Folha da Tarde, como editor de texto. Eu era um profissional com mais formação.
O Mino Carta, quando eu já tinha criado uma fama interna por ter coberto a ida do homem à Lua, me chamou para cobrir a crise do Costa e Silva. Nós formamos uma equipe de jornalistas e eu era o coordenador. A Veja tornou-se uma revista que dava a notícia. Se fosse preciso, nós ficávamos até de madrugada fazendo a revista. Virou uma revista de prestígio. Nós fizemos um dossiê sobre tortura na ditadura militar. Me transformei em um jornalista de um certo prestígio na grande imprensa em função desses eventos.
Trabalhei no meio, me ajeitei, e fui fazendo algumas coisas em circunstâncias diversas. Eu virei um jornalista profissional e da área política nesse processo. Na seqüência, comecei a mudar para o outro lado. Teve um momento em que eu comecei a incomodar o próprio governo. Então, a revista me colocou para ser editor de Cultura. Até que chegou o momento que pedi para ser incluído em uma lista de demissões. Fiquei uns dois anos fazendo umas coisas não muito interessantes. Trabalhei na revista Realidade, onde acabei dirigindo duas edições especiais. Fiquei uns dois anos assim, até que veio o convite para fazer o Opinião, que era uma transição para eu mudar de lado. Era um jornal de patrão também, um empresário, mas um empresário do outro lado. Ele foi, pelo que eu sei - e ele até me confirmou - o único empresário brasileiro cassado como líder sindical. Ele era diretor do sindicato das indústrias têxtil. Estava exilado em Londres quando procurou um jornalista para dirigir o Opinião. Veio para o Brasil e me convidou.
Marcela - Como é a diferença entre trabalhar na imprensa convencional e na imprensa alternativa? Raimundo Pereira - O conceito de imprensa alternativa é meio vazio. Alternativa a quê? Então, melhor definir por outros conceitos. Eu trabalhava na imprensa do grande patronato conservador, que apoiou o golpe. Que na época era um pouco diferente, porque você veja a Abril. Mino era um sujeito com muita autonomia. Ele respeitava as regras gerais. Você não podia falar as coisas diretamente, por exemplo. Mas ele procurava chegar nos limites. Isso foi mudando. Mas a imprensa da grande empresa tinha orientação política pró-golpe. O Gasparian era um grande empresário e era anti-golpe. Tinha sido punido pelo golpe militar. Ele começou a perder força econômica e política com o golpe. Então, era uma imprensa meio nacionalista.
Trabalhei como diretor do Opinião e já foi uma certa mudança. Eu me lembro que já não tinha mais as fontes oficiais. Estava todo mundo contra o Gasparian. Então, eu já não era o jornalista de Veja, que viaja com os ministros de jatinho e é recebido no Palácio do Planalto. Eu era visto como inimigo. É bem diferente. Do ponto de vista pessoal, não era tão diferente assim, porque o Gasparian era muito rico. Viemos morar no Baixo Leblon, estávamos ali no bem-bom. Foi havendo uma transição, porque dentro do próprio Opinião começava a haver um certo conflito. Porque nós formamos um grupo de jornalistas, de gente que viu no Opinião uma chance de colaborar contra a ditadura. Nos fins-de-semana vinha um bando de desenhistas, os de São Paulo, trazer seus desenhos, colaborar. Tinha o dono do jornal, um homem progressista, seus amigos, altas figuras como Celso Furtado, Antônio Cândido... Tudo gente da resistência ao golpe. Mas tinha um povinho ali, em torno da gente, da redação, que foi crescendo e acabou havendo um conflito entre essa equipe e o Gasparian. Tanto é que o Gasparian me demitiu no começo de 1975, em função dessa forma diferente de ver a luta contra a ditadura.
Então nós achamos que tínhamos que tentar fazer um outro jornal, mais ligado ao movimento popular. O Movimento era um jornal ligado ao movimento popular e progressista. Esse é o primeiro jornal, digamos assim, que é uma alternativa mais radical à imprensa tradicional. Foi uma coisa muito interessante, porque era uma redação com muita gente talentosa e com cabeça política também, muito mais do que a minha. Resolvemos fazer um jornal que fosse uma junção de forças, com um conselho que representasse a luta contra a ditadura. Tinha o Chico Buarque, Fernando Henrique, Orlando Villas-Bôas, o presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Audálio Dantas, uma pessoa do nordeste, o Emílio Borba Filho, um grande escritor, um intelectual do Rio Grande do Sul, o André Foster, o movimento mais progressista do MDB, que eram Chico Pinto, Lisâneas Maciel, Marcos Freire, Alencar Furtado. Saímos pelo Brasil buscando grana para fazer o jornal. Em três meses, nós levantamos 500 cotas. E fizemos o jornal em São Paulo, na Vila Madalena, que durou mais que o Opinião, inclusive. A história do Movimento é, digamos assim, um passo à frente do ponto de vista da organização da imprensa, da ligação da imprensa com o movimento de massa.
Esse movimento foi um pouco atropelado pelo crescimento do PT. Porque dentro do PT, gente que era do próprio Movimento, que foi do Opinião, viu nesse movimento nosso o mal, ao invés do bem. O caso mais explícito é do Bernardo Kucinski. Ele viu uma coisa de comunistas ligados às trevas da subversão, clandestina. O livro do Bernardo - que é meu amigo até hoje, não temos relação de inimizade - é um livro escroto, do ponto de vista político, editorial. Esse pessoal dizia que o PT era o máximo e ia criar tudo novo, e essa coisa era de uma esquerda velha, entendeu? E o Raimundo é o... Não é o gênio do mal, porque no final ele tenta até me desmoralizar também sobre vários outros aspectos. Tem uma amiga minha que leu o livro e disse que eu sou citado muitas vezes. Tem 200 citações do meu arquivo pessoal. Porque eu dei o meu arquivo pessoal para ele fazer o livro, pois nós somos amigos e tal. Foi uma pequena traição que ele me fez, aproveitando a minha ingenuidade. Dava para perceber que ele queria fazer essa sacanagem, né? E eu ainda corrigi uma série de erros grosseiros quando ele me mandou, porque é uma tese acadêmica. Eu devia ter deixado, para o livro se desmoralizar por si mesmo. Fiz isso e até hoje ainda considero, porque o Bernardo recentemente me fez uma proposta de que eu corrija outros erros que o livro tem e acrescente um apêndice com a minha opinião. É interessante, porque eu não vou escrever um livro sobre a história da imprensa alternativa, não está nos meus planos. A essa altura da vida não são muitos, então eu preciso caprichar para ver se eu consigo fazê-los todos! Então, eu podia aproveitar essa carona no livro dele, que vai para todas as escolas de jornalismo, né? É um dos poucos livros que tratam dessa questão.
Mas, enfim, o que eu queria dizer é que se a imprensa brasileira precisa de alguma coisa nova. A matriz para estudar, para fazer alguma coisa além, é o Movimento. O Movimento é um passo adiante do ponto de vista da ligação com o movimento popular, de democracia dentro das redações, de compreensão do significado da imprensa. Nós começamos a fazer esse trabalho, que eu quero inclusive estudar do ponto de vista teórico, porque você vai fazendo as coisas e pode contribuir também refletindo sobre o que você fez, para ver o que se pode tirar da experiência, do ponto de vista mais amplo. O jornalismo popular é uma coisa extremamente necessária. O bom jornalismo popular, que é difícil de fazer. Então eu acho que o Movimento foi isso, um passo à frente, que foi meio atropelado porque acho que o PT veio com um monte de promessas que não conseguiu resolver, do ponto de vista de imprensa.
Ontem estive participando de um seminário e as pessoas diziam assim: o Lula, no segundo turno, depois que a água bateu na bunda dele, percebeu que essa imprensa é muito ruim, embora desde o começo de seu governo ele tenha ido lá bajular a Globo, e a tratou a pão-de-ló. Quanto à imprensa popular, não se pode dizer que ele piorou o tratamento que foi dado pelo governo Fernando Henrique. Ele fez pequenas concessões, que eu acho que a gente não deve desprezar. Mas, com essa crise, ele percebeu que é preciso fazer muito mais pela imprensa popular, se ele quer fazer um segundo mandato melhor. Então, nessa conjuntura, há um certo clima de estudar o que se deve fazer. Minha interpretação é essa: é preciso estudar a grande experiência do movimento popular, que foi o Movimento.
Comparem o Movimento e a Carta Capital. Devia se fazer um estudo, pois a minha impressão é que o Movimento era muito maior que a Carta Capital. Para vocês terem uma idéia, a Carta Capital tem um correspondente em Brasília e o Movimento tinha uma sucursal com seis pessoas lá. A redação era em São Paulo, como a da Carta Capital. Era maior, nós tínhamos uma casa com um monte de salas. Tínhamos um repórter, escritor inclusive, que vivia pelo Brasil entrevistando tipos de trabalhadores. O Vito Giannotti, foi o Murilo que encontrou. Ele era metalúrgico, um perfil do movimento. Toda semana tínhamos um perfil do trabalho: quem é a pessoa, como é o trabalho. Isso, andando pelo Brasil. E cobrindo festas populares, frevo, festas religiosas. O Murilo tem uns três livros publicados com essas matérias. Nós tínhamos correspondentes em Paris e Nova Iorque. Tínhamos sucursal no Rio de Janeiro, em Recife... Então, o Movimento era o movimento popular unido, não quantitativamente, mas qualitativamente. Aquela redação era extremamente interessante. Para avançarmos, teríamos que partir de coisas como essas. Carta Capital é a melhor revista semanal que existe, mas com poucos recursos, pois a burguesia brasileira não põe ovos nessa cesta. O Mino peleja com alguns anúncios. Ele é uma pessoa respeitada, inclusive por empresários do campo conservador. Mas nem o próprio governo tem nada parecido com o que o Getúlio fez com a Última Hora, no sentido de arrumar empréstimos, criar condições. Empresa é grana, né?
Bruno - Qual é a sua avaliação da imprensa popular hoje e o que você acha que poderia ser aproveitado da experiência do Movimento? Raimundo Pereira - Acho que as questões centrais por trás de um projeto de imprensa são, primeiro, existir um movimento intelectual capaz de gerar as idéias novas. Um movimento intelectual expresso entre os jornalistas. Tem que haver jornalistas que dêem forma às idéias desse campo. Tem que haver um apoio político. Por exemplo, para fazer o Movimento, nós saímos em busca de dinheiro e as pessoas estavam interessadas. Esse grupo mais progressista do MDB se lançou. Artistas como o Chico, que pôs lá o seu nome e fez vários shows para nós ao longo desse período. Hoje, esse movimento não existe. O Chico há anos não faz alguma coisa desse tipo, não é? Porque a vida tem seu ciclo, as coisas vão e vem.
Bom, para surgir um novo modelo de imprensa, você pode ficar ali com o seu foguinho, tentando acender, mas tem que vir oxigênio, tem que vir coisas de outros lugares, do movimento de massa, dos intelectuais, você tem que estar antenado com o tempo para ver a onda. Não adianta você ficar empurrando, tem que navegar a onda que vem. Acho que estamos em um momento razoável, pois vivemos numa onda conservadora há um quarto de século. Acho que de 75 até perto de 2000 houve um surto de conservadorismo de grandes proporções, que coincide basicamente com a derrota da revolução cultural chinesa, o começo do desmoronamento da União Soviética. As coisas vão se degradando e coisas muito fortes que havia nos movimentos foram se exaurindo. Até meados dos anos 60, o mundo teve uma onda de expansão progressista e o fim dessa onda é a expulsão dos norte-americanos do Vietnã. Isso se dá quando nós saímos do Opinião para o Movimento. Tínhamos a impressão de que o imperialismo norte-americano estava liquidado. Eu me lembro da Revolução Cultural chinesa. Milhões de estudantes nas ruas, com o livrinho vermelho do Mao. Eu era maoísta, achava aquilo ali o máximo. Então, a partir de 75 começa uma onda conservadora, a princípio disfarçada. O apogeu dela é nos anos 90. Eu acho que isso deveria ter sido eliminado em 2001, 2002, mas a reação norte-americana aos atentados deu fôlego a isso. Eu acho que essa onda passou, e torço. Espero que a gente viva uma onda nova, onde as pessoas valorizem de novo o coletivo, comecem a valorizar de novo o conhecimento, não a superficialidade, que gostem de ler uma revista que trate os temas mais profundamente, e não ficar vendo o que a Daniela Cicarelli fez. Eu espero que esse ciclo esteja em uma fase terminal, que comece uma fase nova.
Marcela - Você acha que o governo terá forças para avançar na democratização dos meios de comunicação? Raimundo Pereira - Não. Eu acho que esse governo tem contradições muito profundas que inviabilizam que ele faça isso por conta própria. Ele passou quatro anos e não fez, né? Está começando o ano, as pessoas esperando definições, e ele parece não estar inclinado a isso. A coisa positiva que tem nesse governo é que ele tem uma origem popular - além desse papel negativo, com o Lula falando nos jornais de hoje que só um líder sindical pode fazer uma lei para proibir as greves dos setores essenciais. Quer dizer, como ele tem legitimidade, ele pode fazer o que os outros não fariam. Como ele também é sensível às pressões populares, se essa conjuntura desmonta, ele é capaz de ceder a essas pressões Ele tem essas ligações, e é por isso que os caras não gostam dele. Sempre há o "perigo" de que ele se alinhe com as forças que o puseram lá em cima. Então, ele tem esse caráter ambíguo. Por isso que eu digo: não é o governo, é uma situação mais ampla onde o movimento de massa tem um papel fundamental. Se esse movimento se anima e começa a cobrar, exigir, as condições se alteram.
Bruno - Como anda o projeto Oficina de Informações (www.oficinainforma.com.br) e quais são os projetos para o futuro? Raimundo Pereira - Nós estamos para fechar um acordo com a Carta Capital, para fazer um trabalho conjunto. Ainda estamos decidindo se será alguma coisa dentro da revista ou separado. Depois, nós terminamos o Retrato do Brasil, uma coleção que fez o balanço dos últimos 20 anos e atualizou aquela coleção feita há 20 anos atrás. Queremos vender o Retrato do Brasil. Nos apresentamos para participar de uma licitação para que essa obra vire um livro didático para o ensino médio, como foi a anterior. Ela teve 60 mil exemplares distribuídos no Brasil, com um balanço da luta contra a ditadura. E queremos canalizar esses recursos para o projeto de um jornal diário nacional impresso, feito a partir de um núcleo pequeno, que seria formado ainda esse ano. Uma folha duplo ofício, quatro páginas, que fosse. Mas tem que ser um projeto comercial. Tem que vender e pôr o dinheiro de volta na redação. Seria uma imprensa popular de mercado. Você tem que desprezar o dinheiro estrategicamente e dar grande importância a ele taticamente, como diria o Mao Tse Tung. Porque o sujeito mostra que ele quer, na sociedade de consumo, se tirar um trocadinho do bolso. Se, ao invés de comprar uma cerveja, ele comprar o jornalzinho - que nós queremos vender bem barato. E deve ser diário.
Algumas coisas eu imagino que ele deveria ter, como uma parte cultural muito sucinta e de muito alta qualidade, como um roteiro, mostrando o que está rolando de bom. Porque o que tem é só comércio. O centro do jornal seria a política e a economia, mas a vida social e cultural são fundamentais. Cultura é fundamental. O jornal tem que fazer parte de um movimento cultural. Mino Carta e eu teríamos um posto, digamos assim, de velhinhos honorários do projeto (risos), para dizer que isso tem uma tradição na história da imprensa brasileira. Não estamos saindo do nada. Além disso, nós fizemos um acordo com o Gasparian, antes de ele morrer, para que ele nos cedesse os direitos do Opinião e nós pudéssemos fazer um site que juntasse o Opinião, o Movimento, o Jornal da República, que o Mino fez, Retrato do Brasil I e II e colocar um acervo da imprensa popular na internet.
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