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Entrevistas
Com André Luis Covre - política das astúcias. Lula quebrou o monopólio da palavra.

 
 

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Você começa avaliando os discursos dos "ex-donos da palavra" nas eleições presidenciais de 2002, quando os principais jornais do centro do país e a principal revista eram, declaradamente, contra Lula. Nas eleições de 2006, esses discursos foram reforçados? Você vê mudança nesse reforço contra Lula?

André Covre - A mídia nunca foi a favor de Lula, nem em 2002 nem em 2006. Em 2002 ela sentiu que não podia ir tão longe com seu discurso contra Lula, mas em 2006 essa preocupação era quase nula. Em 2002, o que a grande mídia monopolista privada fez foi o procedimento normal da cidade letrada em períodos em que a hegemonia de poder sofre rachaduras visíveis, como foi durante os últimos anos da era Fernando Henrique Cardoso, culminando com as eleições de Lula: tenta se afinar com o discurso contra-hegemônico porque este é mais forte do que o discurso que ela costuma reproduzir, o hegemônico.

De 2003 até as eleições de 2006, a grande mídia monopolista privada, em conjunto ideológico com o grupo que chamei de internautas elitistas, constituiu um muro de contenção entre aquilo que emana do povo como desejo de mudança - as ideologias ainda fortuitas e nascentes do/no cotidiano - e aquilo que geralmente produz o governo - o discurso hegemônico e os sistemas ideológicos já consolidados. Ao mesmo tempo em que esse muro letrado protege os discursos hegemônicos dá força revolucionária do povo, o mesmo muro procura espalhar tal discurso hegemônico como verdade incontestável para o povo. É o que Rama chamou de a cidade das letras, ou cidade letrada, cujo poder se fundamenta justamente pela tentativa de monopolizar a palavra, monologizar o discurso, e pela possibilidade de trabalhar as palavras como unívocas.

Nunca há poder econômico sem poder discursivo. Não há precedência nessa relação, mas sim concomitância, necessidade. Quando o poder discursivo é fraco, ou os títeres do discurso hegemônico procuram englobar o discurso contra-hegemônico, e se possibilitam fazer vistas grossas aos governos de esquerda, sem deixar, no entanto, de fazer pressão para que tais governos "endireitem", ou pelo menos se dirijam para o centro; ou apela-se para a violência. Como podemos observar, por exemplo, com o enfraquecimento do poder discursivo do American Dream e o endurecimento da política externa Norte Americana em busca de segurança econômica na guerra pelo petróleo, ou mesmo no descontentamento evidente de grande parte do mundo para com a hegemonia dos EUA.  O que tento mostrar é que durante os quatro primeiros anos do governo Lula não houve um contentamento unânime, contínuo, muito menos progressivo em relação ao "endireitamento" de Lula. Ao contrário, a vontade da grande mídia monopolista privada de expulsar o “homem” de lá quanto mais cedo possível foi escancarada e mostra o descontentamento com o “Lulinha paz e amor”.

A pergunta que surgiu dessa reflexão foi: "se levarmos em consideração que Lula realmente endireitou quando aproximou seus discursos e suas propostas políticas do discurso hegemônico do mercado, quais razões levam os que preferem o discurso hegemônico (a cidade das letras) a não aceitar que este seja proferido por Lula?" Uma pergunta que provoca outras: Lula teria mesmo se deslocado efetivamente do discurso contra-hegemônico para o discurso hegemônico? Ou os que preferem o discurso hegemônico estão detectando na fala de Lula ainda o discurso contra-hegemônico e, por isso, se contrapõem?

IHU On-Line - E o que pensa da Veja que, até hoje, não deixa de criticar o Presidente?

André Covre - A Veja... bom!... a Veja faz o papel dela, de defender os interesses de quem a patrocina, de quem a financia. A Veja está dentro daquilo que chamei de grande mídia monopolista privada. É grande, porque procura atingir a muitos (Rede Globo, outro exemplo); é monopolista, porque procura tratar a palavra como univocal, quase monologizando-a; e é privada porque atende discursivamente aos interesses de quem a financia (aí entra o capital de quem detém o poder, do famigerado mercado).

IHU On-Line - Com tantos meios criando uma imagem pejorativa de Lula, como você explica o êxito nas urnas? A mídia não atingiu seu alvo e, por isso, perdeu o poder da palavra?

André Covre - Eu acho que a mídia atingiu (e não atingiu) o seu alvo. Como eu disse, a mídia é grande porque procura sempre atingir o máximo de pessoas que conseguir, ou seja, parcelas diferentes da população com interesses diferentes. A mídia atingiu uma parcela da população que estava interessada no discurso da corrupção e de uma pseudo-moralidade (veja que esse discurso já acabou;  o que a mídia reproduz agora é o discurso do mercado “é preciso parar de repartir o bolo, fazer o bolo crescer pra depois repartir”... balela! Querem é que o Lula pare de dar dinheiro para os pobres em forma de bolsa), e também muito preocupada com a perda de algumas privilégios mínimos, como é o caso da chamada classe média, ou classe média alta, que ainda tem algum acesso à alimentação, saúde e educação e aos meios de comunicação. Essa parcela não votou no Lula. Foi com essa parcela da sociedade que a grande mídia monopolista privada fez coro (lembro dos internautas elitistas). Mas a outra parcela, a maioria eleitora de Lula, não acredita mais na grande mídia monopolista privada. A idéia de que o povo não está mais votando influenciado pela grande mídia é indício de que o povo nota uma diferença entre o que a mídia fala e o que é o governo Lula para essa parcela da sociedade. E vota em Lula por que, então?

A Marilena Chauí chega a falar dos programas sociais de Lula, que não são apenas assistencialistas, que pela primeira vez o povo está sentindo um governo trabalhar para eles e com eles. Existem muitos índices que poderiam comprovar isso, mas como essa não foi uma pesquisa estatística, e como eu estava tentando responder às perguntas sobre o descontentamento da grande mídia com o “endireitamento” de Lula, estava também buscando indícios dessa aproximação entre povo e governo nos discursos de Lula.

A quem (e a quais discursos) Lula está respondendo? E se está respondendo também a parcela da população que produz o discurso contra-hegemônico, o que está propondo nessas respostas? E se Lula produz um discurso em favor dessa parcela, seu governo também deve estar produzindo governo para essa parcela. Lembro da relação da necessidade entre discurso e poder econômico. Se o governo de Lula só produzisse o discurso contra-hegemônico, tal discurso não se sustentaria, e a parcela eleitora de Lula teria seguido o caminho da mídia, ou qualquer outro caminho. Esse é um início de caminho de explicação do êxito de Lula nas urnas, e do não-êxito da grande mídia monopolista privada. A quebra, ou possibilidade de quebra, do monopólio da palavra e da riqueza.

IHU On-Line - Há muito preconceito nos discursos proferidos contra Lula, chegam a chamá-lo de caipira. O senhor acha que o povo pode ter entendido que as ofensas serviriam também para eles?

André Covre - Foi um erro de estratégia da grande mídia, que optou pelo discurso moralista e de denigrescimento do homem simples, pobre, que fala diferente, “inculto” etc. Batendo no Lula, ela bateu numa grande parcela da população que não havia se esquecido do discurso da mudança e que estava verificando no seu dia-a-dia se as coisas estavam mudando ou não. A resposta do povo foi simples: votou em Lula.

Falaram muita besteira durante o último processo eleitoral. Uma delas foi a reprodução da idéia do povo burro, ignorante, analfabeto e não-escolarizado que, por esses motivos, estava sendo enganado pelo discurso “paternalista” do Lula. O povo não é burro, como queria espalhar o discurso da grande mídia na época das eleições, utilizando-se inclusive de concepções psicanalistas. Até os intelectuais de esquerda, geralmente marxistas, chamaram o povo de burro, com outras palavras, é claro, tentando construir a tese de que o povo é insuficientemente consciente para perceber que estaria sendo enganado por Lula e pelo PT , ou por “meros” R$100,00 de bolsa família, votaria em Lula de olhos fechados.

Primeiramente, ninguém se perguntou se esses R$ 100,00 estavam fazendo alguma diferença para essa parcela da população. Em segundo lugar, para mim a idéia de povo ignorante na grande mídia é puramente especulatória, e se torna um absurdo teórico quando busca bases inclusive no marxismo. Uma teoria revolucionária que não consegue enxergar um povo consciente e dono de seus desejos e anseios, ou seja, uma teoria revolucionária que só consegue entender como revolução aquilo que se passa fora de suas categorias, como a de ideologia não é uma teoria revolucionária, e sim uma teoria totalitária, e o marxismo nunca me apareceu como uma teoria totalitária, porque sempre abriu possibilidade de outras interpretações e avanços no campo desse conceito. É por isso que o caminho tomado foi o caminho do Círculo de Bakhtin, que já na década de 1920 criticava os marxistas que trabalhavam com uma concepção mecanicista de ideologia (na qual a única possibilidade de mudança apareceria apenas na mudança mecânica da infra-estrutura para a super-estrutura), e propunha uma outra concepção para somar à de Marx (no qual ideologia é o jogo entre infra-estrutura e super-estrutura, um jogo que se utiliza das cargas de sentidos postas em circulação pelas palavras e que revelam o embate entre as grupos sociais distintos dentro de uma mesma comunidade semiótica).

IHU On-Line - A que conclusão você chega quando compara os discursos de Lula analisados em seu trabalho?

André Covre - De que ele é o único que poderia produzir o discurso que faz no local da oficialidade em que está nesse momento que vivemos. Alguns irão dizer que é um discurso de amenizações, para acalmar os ânimos revolucionários sociais. Outros nunca irão dizer que é um discurso revolucionário, contra-hegemônico, mas, por sentirem que não é um discurso que meramente reproduz o discurso hegemônico, irão denegrir tais discursos por outros motivos, como já vimos anteriormente.

Para mim, o discurso que ele faz é justamente o discurso que produz nas palavras o embate não-excludente entre os discursos contraditórios do mercado e do social. E que por não ser excludente possibilita um processo de mudança não mecânico, em consonância com a reconsideração do conceito de ideologia do qual falei na resposta a pergunta anterior.

É por isso que vou buscar na interpretação específica do conceito de gêneros do discurso de Bakhtin a compreensão de que gêneros discursivos, compreendidos como processos de quimerização (processos fundamentados na concepção de gêneros primários e secundários de Bakhtin), são práticas sociais de ação de transformação da realidade. E também são lugares onde podemos enxergar o movimento de mudança.

IHU On-Line - Você analisou a habilidade de Lula como locutor ao transitar por diversos gêneros e por discursos contraditórios. Pessoalmente, acredita que isso seja uma estratégia do Presidente ou que, por seu passado, seja natural de Lula, muitas vezes, dispensar o texto formal do discursos e proferir suas idéias como fazia quando era candidato?

André Covre - É fruto de uma posição ao mesmo tempo estratégica e tática (Michel de Certeau, "A Invenção do Cotidiano – Artes de fazer") do Lula, antes mesmo do PT. Ainda do Lula sindicalista, aqueles que muitos hoje não cansam de dizer que não existe mais. Em uma entrevista para a Folha de S. Paulo, em 04/06/1978, antes da fundação do PT, respondendo a uma crítica que fizeram sobre a posição do sindicato numa greve da época, Lula diz: “É uma opinião que eu respeito. Entre o que a pessoa acha, entre o que eu acho e o possível, eu prefiro ficar com o possível”.

Ele não fica em cima do muro, como se pode tentar depreender do que ele disse. Ele procura articular seu discurso em busca de um porvir possível (memória de futuro, conceito do Círculo de Bakhtin). Lula é ainda, como antes, um articulador, um negociador. Compreender que o deslizamento de Lula pelos gêneros é quimerização é também compreender que, ao quimerizar gêneros mais ligados às atividades quase efêmeras do cotidiano (aquelas de linguajar menos rígido, menos preocupado com o que a academia denomina de variedade padrão ou culta) a gêneros conectados às atividades oficiais, Lula aproximou essas duas esferas (do cotidiano e oficial) e nos colocou diante de uma “política das astúcias”. Uma política que, para mim, é a que está possibilitando a quebra do monopólio da palavra e da riqueza.

Lula é dialógico, não dialético (talvez por isso os marxistas não gostem tanto dele). Lula nunca trabalhou com a exclusão, mesmo em favor do trabalhador na época que era sindicalista, ou da população miserável para quem ele profere o discurso que caracterizei como tático. Lula aglutina diferenças, contradições, e produz um discurso ambivalente não somente para em alguns momentos apagar tais diferenças, mas em outros momentos para mantê-las vivas, e tentar, sobretudo, produzir um terceiro caminho que não elimine total e imediatamente os dois lados contraditórios (discurso do Mercado X discurso do Social).

IHU On-Line - Quais foram as dificuldades que Lula enfrentou, na sua opinião, ao traçar esse caminho discursivo entre econômico e o social?

André Covre - A grande dificuldade foi a pressão enorme dos dois lados: o lado das grandes corporações financeiras e dos mega-empresários e mega-investidores internacionais (George Soros, pra lembrar um da época de 2002), com o apoio incondicional da grande mídia; e o lado do povo, com algum apoio dos movimentos sociais e pouco apoio da esquerda dita "radical". Acho ainda que o abandono de Lula pela esquerda brasileira está produzindo uma dificuldade para o processo de mudança que está ocorrendo não somente no Brasil, mas na América Latina em geral.

Eu não trato disso na minha dissertação, mas a problematização dos caminhos futuros da esquerda no Brasil precisam passar pela compreensão de que o governo Lula não é mesmo um governo dos trabalhadores, como a esquerda tanto repete, mas também não é um governo dos patrões. O que significa dizer que pensar o futuro da esquerda é pensar em uma esquerda que abandone algumas concepções marxistas estruturalistas, como a dialética pura das relações de classe (trabalhador e patrão, por exemplo), e procure se aproximar de uma realidade que não só não condiz mais com essas concepções, mas cria outras realidades que o próprio Marx havia dito que precisariam ser compreendidas, as revoluções tecnológicas.

IHU On-Line - O fato de utilizar uma linguagem diferente de outros presidentes anteriores ajudou Lula na "aproximação" com o povo (classe baixa e média)?

André Covre - Acho que Lula não precisou se aproximar do povo, ele veio do povo. O que Lula precisou foi se aproximar de quem não é povo, das elites. Foi esse o percurso que ele trilhou ao levantar o sindicalismo no Brasil no final da década de 1970, por exemplo. A imprensa começou a dar visibilidade para o sindicalismo no final da década de 1970 não foi porque ela quis por livre e espontânea vontade, mas porque o próprio sindicalismo ganhou força e emprenhou a mesa de reunião dos patrões com mais força. Ao meu ver, o sindicalismo só deu esse salto quando alguém se propôs a fazer o percurso de se aproximar do patrão, e foi Lula, com seu “linguajar” específico, quem fez isso, sempre apoiado pelo “argumento material” significativo que era a greve.

Um outro ponto dessa questão é que o lugar da oficialidade não era o lugar para um cara como Lula: ele precisou se modificar para se dirigir até ele, da mesma maneira como nos modificamos saindo das situações cotidianas de nossa casa para as situações institucionais em uma universidade, por exemplo. Nós exaltamos muito negativamente a idéia de que Lula se modificou quando se tornou presidente, ou para se tornar presidente. No entanto, nos esquecemos que fazemos percursos parecidos conforme caminhamos em direção às instituições. Isso não é subordinação a regras conservadoras ou qualquer coisa que o valha. Isso pode ser entendido como tática, que é o caminho trilhado pelo Lula falador desde o sindicato. Lula é daqueles que trabalham com a quebra das hegemonias dentro dos possíveis. E os possíveis se movimentam, se modificam. Tanto que ele mesmo se movimentou em busca de seus sonhos possíveis, de torneiro mecânico para presidente.

De que possíveis estamos falando? Quando digo que Lula não se aproximou do povo, digo também que, quando eleito, produziu um discurso quimerizante, de trânsito, e aproximou o cotidiano do oficial, o discurso do miserável, ficou grudadinho ao discurso do modelo econômico, e isso incomodou, porque faz uma baita diferença, justamente porque não há hegemonia econômica sem hegemonia discursiva. Essa aproximação de duas esferas discursivas, que sempre se mantiveram distantes, é uma das mudanças efetivas, que eu acho que condiz com os sonhos possíveis daqueles que elegeram Lula em 2002: a quebra do monopólio da palavra. Ainda, tal aproximação discursiva carrega consigo uma aproximação material, o que produziu a outra mudança efetiva, a possibilidade de distribuir renda extra-oficialmente: a quebra do monopólio da riqueza.

No entanto, é preciso saber que a batalha entre hegemonia e contra-hegemonia ainda está se dando. Para mim, é uma batalha dialógica, e como toda batalha dialógica se dá dentro de signos (signo para Bakhtin), nada melhor do que travá-la dentro dos gêneros discursivos.

 


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