Por NPC
Adeilson Telles: "É preciso ousadia para quebrar o muro da injustiça"(05.2001)
Adeilson Ribeiro Telles, diretor tesoureiro da CUT/RJ, sobre a Alca É preciso ousadia para quebrar o muro da injustiça Adeilson integrou as delegações cutistas que foram à Argentina e ao Canadá participar, no mês de abril, das Conferências Paralelas contra a Alca Por Claudia Santiago Conquista - O que significa para o Brasil um acordo que tem os EUA no centro? Adeilson Telles - A Alca, o Acordo de Livre Comercio das Américas, é uma extensão do Nafta. Não o conhecemos em detalhes. Os encontros de cúpula para discutir a Alca foram secretos, com a participação exclusiva dos chefes de governo e assessores. Em função das pressões que nós fizemos, em Quebec, os governos se comprometeram a tornar públicas suas discussões. Nossa referência é o Nafta e a OMC que têm, em linhas gerais, os mesmos interesses. A Alca significa a disciplinarização do país pela lógica das empresas, ou seja, a perda de soberania dos países. A essência do acordo é a subordinação dos países à lógica das grandes empresas. C - O que significa isso? Adeilson Telles - As empresas querem garantias totais aos seus investimentos e deverão criar um Tribunal Internacional para julgar um país, caso este não os atendam da forma como acham que devam ser atendidos. O Brasil tem a oferecer duas coisas: baixos salários e desregulamentação da exploração ambiental. Temos a oferecer o sangue e o suor dos nossos trabalhadores a um preço baixíssimo e a devastação da nossa natureza. C - O debate em torno do tema está crescendo. Adeilson Telles - Os chefes de governo discutem essa questão à luz dos cifrões. Não há preocupação com os seres humanos. Da nossa parte, ela está adquirindo importância. Na Conferência Paralela de Santiago havia mil pessoas. Em janeiro, em Porto Alegre, fizemos o Fórum Social Mundial com mais de 15 mil pessoas. Gente de todo mundo discutindo os acordos de integração à luz de uma face mais humana. C - Em Quebec foi aprovada uma carta, na qual é feita uma caracterização do que é Alca. A quem entregaram esta carta? Adeilson Telles - A ninguém. O documento foi divulgado para a sociedade civil. Aprovamos num dia e no outro realizamos aquela vigorosa manifestação com mais de 60 mil, em Quebec. Nós aprovamos também um plebiscito para saber se os povos querem ou não a Alca. C - Como vai ser esse plebiscito? Adeilson Telles - Queremos forçar os governos a fazer. Caso eles não façam, nós vamos fazer, a exemplo do que foi feito no plebiscito da dívida externa. C - Me dê um exemplo possível de acontecer com a Alca? Adeilson Telles - Uma empresa transnacional que esteja localizada no Brasil poderá recorrer a um Tribunal Internacional, ligado à OMC, se sua produção for prejudicada por um temporal. O Tribunal vai determinar qual tipo de indenização o país terá que pagar. C - E a questão de propriedade intelectual? Adeilson Telles - Há uma série de artigos que protege a produção intelectual dos Estados Unidos e Canadá. Isso significa que qualquer avanço tecnológico que tenha lá não vai chegar aqui. O contrário não é verdadeiro. O mesmo acontece com a lei de patentes na questão dos genéricos. C - Já é sabido que as regras da Alca não vão ser as mesmas para todos os países? Adeilson Telles - Claro, porque se tratam de países diferentes. Estamos falando de um acordo de livre comércio que, de um lado, tem EUA e Canadá. Os dois juntos detêm 80% do PIB de toda a América. Do outro lado estão trinta e poucos países que têm 20% do PIB da América para dividir entre eles. C - Eu pensava que eles iriam se impor pela força de seu PIB, mas que todos fossem iguais perante a lei. Adeilson Telles - Não. Há diferenciação. A essência dos documentos de investimento é uma proteção às empresas. C - Quem ganha com a Alca? Adeilson Telles - As empresas transnacionais. A Alca não nos interessa. Não é um acordo que a gente pode dizer: vamos mudar esse ponto. A sua base é quebrar a soberania dos povos. C - A idéia é os EUA assumirem o controle da América Adeilson Telles - Sim. Não os EUA, mas as empresas que têm sede lá. Trata-se de uma subserviência total às grandes empresas internacionais. Esses acordos visam beneficiar esse segmento. C - A pressa é porque eles querem aumentar seus lucros o mais rápido possível ou há algum outro motivo? Adeilson Telles - Eles têm pressa do ponto de vista do lucro e também porque o Brasil pode ter uma política internacional mais ousada por ocupar uma posição estratégica neste tabuleiro. O Brasil tem condições de falar um pouco mais grosso pela sua extensão territorial, história e seu parque industrial. O país tem condições de, estrategicamente, criar obstáculos para a Alca, por exemplo, consolidando o Mercosul. C - E ainda há chances de o Mercosul vir a se constituir? Adeilson Telles - Claro que há. O nosso problema é que o governo brasileiro não me parece disposto a tomar esse tipo de atitude. O governo Fernando Henrique não tem projeto nacional. Logo, para quem não tem um projeto de nação, se subordinar a um acordo que acaba com a nação é muito fácil. C - Tomando como exemplo, o Nafta o que podemos esperar da Alca? Adeilson Telles - Mesmo entre os EUA e o Canadá há uma série de problemas para o Canadá: desnacionalização, privatização, perda de importância de empresas públicas e privadas. No México, só lucram as empresas que saíram dos Estados Unidos e se instalaram no norte do México. Elas pagam salários baixíssimos e não têm nenhum compromisso com a economia nacional. E a crise social no México tem se agravado e muito. Está aí Chiapas que não nos deixa mentir. C - Como o movimento social pode influenciar esse processo? Adeilson Telles - Nós temos três anos para trabalhar de forma incessante este tema e popularizá-lo. As pessoas têm que perceber que a Alca diz respeito à vida delas na medida em que isto afeta a questão do emprego, dos direitos trabalhistas, das crianças, das mulheres, direito aos medicamentos e à soberania das nações. É preciso que a gente consiga dizer isto para as pessoas. Está crescendo uma visão crítica em torno da Alca. O plebiscito vai servir para isto. C - O que é a Aliança Social Continental? Adeilson Telles - É fruto da visão de que é preciso discutir este tema. A princípio surgiram redes de discussão desta visão social em toda a América. Elas nasceram para discutir o mercado à luz dos interesses dos povos, do interesse social. No Brasil temos a Rebrip. Essas redes sentiram a necessidade de formar uma Rede que falasse por toda a América. Daí se criou a Aliança Social Continental. Participam as Redes e as entidades que têm peso do ponto de vista social da América. A CUT participa. C - Fala mais da Rebrip, a Rede Brasileira de Integração entre os Povos Adeilson Telles - No dia 4 nós vamos fazer uma reunião na qual trataremos da institucionalização da Rebrip. Vamos formar uma direção, uma coordenação com tarefas e um estatuto para a participação das entidades que estejam dispostas a discutir este tema e que tenham como norte os documentos que fundaram a Rebrip: documentos críticos aos processos de integração feitos pelos governos até o momento, a negação à Alça, defesa dos direitos das mulheres, negros, trabalhadores. No dia 10 de maio aqui na CUT vamos fazer esta conversa que nós estamos tendo agora com a participação de outras pessoas que falem dos vários aspectos relacionados com o tema e falar sobre o que foi Quebec. C - Você foi a Buenos Aires e foi a Quebec. Neste último você, inclusive, falou em nome da CUT no ato de encerramento. Adeilson Telles - Seria impensável, oito anos atrás, achar que nós iríamos reunir em qualquer lugar 70 mil pessoas. Na Argentina foram três manifestações. Em Quebec foram 60 mil na manifestação organizada pela Aliança Social Continental e sindicatos canadenses. 10 mil jovens canadenses e americanos protestavam com muita veemência. Na minha fala, eu disse que era preciso um pouco mais de ousadia naquele momento para que a gente, ao invés de fazer uma passeata para um local muito afastado de onde estavam os presidentes, tivesse ido para um lugar um pouco mais próximo ao local da reunião. C - Por que vocês fizeram esta opção? Adeilson Telles - Havia a visão de que o protesto teria que ser pacífico e que a grande vitória havia sido a realização da Conferência e obrigar a mídia a anunciar as nossas propostas. Na avaliação da CUT, a manifestação poderia ter sido um pouco mais ousada. O momento que estamos vivendo exige um pouco mais de ousadia. Ousadia para podermos fazer como a juventude que simbolicamente derrubou parte do muro. Uma forma de simbolizar todos os muros que nós temos que derrubar com a nossa mobilização, nossa organização. Derrubar o muro da pobreza, da miséria, da desigualdade, do preconceito racial e sexual. O muro da destruição da natureza, do meio ambiente. Para derrubá-los é preciso ter a ousadia dos jovens de Québec.
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