Sandra Quintela
Conquista - Por que o Pacs decidiu participar da organização deste plebiscito?
Sandra Quintela - O PACS participa da Campanha Jubileu Sul, que está animando a organização do plebiscito, desde seu nascedouro. Além disso o PACS como organização de apoio e assessoria aos movimentos populares coloca-se sempre em seu papel coadjuvante de fortalecer as lutas dos movimentos populares. Também entendemos que assuntos de interesse nacional devam ser discutidos em todas as esferas da sociedade e,
principalmente, por aqueles e aquelas que estão sofrendo na pele as conseqüências dessas políticas.
C - A quem interessa a implantação da Alca e quem perde com ela?
Sandra Quintela - Interessa em primeiro lugar às grandes empresas transnacionais e a economia estadunidense que buscam ampliar seus mercados. Estamos vendo a quebradeira em que se encontra aquela economia. Há também setores da nossa economia tais como a indústria de sapatos, de confecção, o chamado agrobusiness que acreditam que vão ampliar suas exportações para o mercado estadunidense.
Quem perde em primeiro lugar são os trabalhadores e trabalhadoras, que terão, como já estamos vendo com a revogação da CLT, seus direitos trabalhistas jogados fora. Toda a legislação ambiental também está sob ameaça, pois, nenhuma lei, regulamento, etc deve impedir o chamado livre investimento. Ou seja, empresas passam a ter o direito de revogar leis que possam ameaçar queda nos lucros, através dos chamados tribunais de resolução de disputas.
C - Para que o acordo da Alca funcione, existem várias regras. Que regras são essas?
Sandra Quintela - As regras estão sendo negociadas desde 1994 sem nenhuma participação da sociedade civil, parlamentos e nem mesmo do judiciário. Os documentos só vieram a público depois de muita pressão, em julho de 2001. A primeira consulta para saber o que setores da sociedade civil propunham nos termos das negociações só veio em abril de 2001. Ou seja, o que estamos vendo é que as regras estão sendo elaboradas sem nenhuma participação da sociedade. O que temos visto é que essas regras não deverão ser diferentes do NAFTA - Acordo de Livre Comércio da América do Norte, em vigor desde de janeiro de 1994.
C - Os críticos da Alca dizem que este projeto significa a recolonização do Brasil. É isso mesmo?
Sandra Quintela - Sim, na medida que é um tratado que passa por cima da legislação nacional criando uma instância de resolução de conflitos, que no caso do NAFTA tem funcionado nos EUA. Dos 15 processos em andamento, cinco já foram julgados dando ganho de causa às grandes empresas. É o caso do processo levado a cabo pela empresa Metalclad, que contestou a recusa de prefeituras mexicanas em garantir a permissão para a construção de zonas especiais par resíduos tóxicos e a declaração estadual de regiões ecológicas. A empresa venceu, ou seja, continuou depositando lixo tóxico à revelia da legislação local e ainda ganhou uma indenização
de U$15,6 milhões.
C - Na sua opinião, o desemprego aumentaria?
Sandra Quintela - Não só aumentaria. Já que as empresas estadunidenses são muito mais competitivas que as nossas, poderão fazer com que estas venham a fechar suas portas. Também limitaria a possibilidade do Estado criar políticas públicas que permitissem a geração de trabalho e renda. Do ponto de vista da ALCA, volto a dizer, nada pode ameaçar a lucratividade das empresas. "Políticas públicas de geração de trabalho podem ser um impeditivo para o livre investimento", diriam os negociadores desse processo.
C - Na sua opinião, quais seriam as conseqüências da Alca para o povo brasileiro?
Sandra Quintela - A ALCA, pelos mecanismos que geram cada vez mais pobres no nosso país e na América Latina, reforça as políticas neoliberais que empobrecem ainda mais essas populações. Além disso significa mais desemprego, mais precarização, menos proteção ao trabalho, significa entraves bem concretos para o desenvolvimento da agricultura familiar, a dependência de importação de alimentos. Já que vamos nos especializar ainda mais nas chamada commodites significa para os povos indígenas invasão de seu território, saque de suas riquezas, mais invasão de madeireiras e mineradoras, patenteamento de seus conhecimentos adquiridas ao longo de séculos. Significa para os jovens a cerceamento do direito à educação gratuita, já que a educação passaria a ser uma mercadoria como outra qualquer e portanto terá que ser vendida no mercado. Para as mulheres significaria uma inserção no mercado de trabalho de forma ainda mais precarizada, além do aumento da prostituição com a implantação de megas projetos de turismo.
C - Que relação há entre a Alca e o Acordo Multilateral de Investimentos (AMI)?
Sandra Quintela - O AMI previa amplos poderes aos chamados investidores. Com a ALCA esses poderes estão garantidos conforme citei antes. O mecanismo principal é aquele que garante aos investidores poderes de processar Estados quando percebem que seus lucros podem estar ameaçados ou seus investimentos não possam se expandir. O AMI está no NAFTA, estará na ALCA e começa a se infiltrar na OMC.
C - E entre a Alca e o Nafta?
Sandra Quintela - A ALCA é uma ampliação do NAFTA. É um NAFTA "vitaminado" como dizem alguns. O NAFTA abrange Estados Unidos, Canadá e México e está em vigor desde o ano de 1994. Sabe-se que tanto o comércio como o volume de investimentos tem crescido nas três nações, da mesma forma em que apresentaram o crescimento das desigualdades sociais e aumento das incertezas quanto ao futuro da grande maioria dos cidadãos, diante do poderio do mercado e das grandes corporações. A pobreza já atinge 75% da população mexicana; os salários caíram, direitos sociais foram subtraídos: jornadas com mais de 12 horas, limitação da ação sindical, condições insalubre de trabalho, ampliação do trabalho infantil, altos índices de desemprego.
C - A Alca é a continuidade do Consenso de Washington?
Sandra Quintela - A ALCA é a institucionalização via contrato internacional das políticas definidas no consenso de Washington.
C - Os prazos acertados nas últimas reuniões da Alca estão apertados. O Brasil tem de 15 de dezembro de 2002 a 15 de fevereiro de 2003 para apresentar as propostas de liberalização de cinco áreas essenciais: bens industriais, agricultura, serviços, compras governamentais e investimentos diretos estrangeiros. É um jogo de cartas marcadas?
Sandra Quintela - Os prazos se ampliaram até 15 de abril. Seria o prazo para os países apresentarem suas propostas de o quanto estão dispostos a baixar suas tarifas. Vejam bem as áreas em jogo. No caso de serviços imaginem saúde e educação e vejam o potencial que têm em se transformar em mercadorias. Já imaginou a quantidade de escolas e universidades públicas que podem ser privatizadas?
E a saúde? Parece filme de terror, mas, não é. A lógica de transformar tudo em mercadoria - privatizando tudo é a que está por trás desse tratado. Nós estamos sentindo na pele o que foi a privatização da energia, da telefonia, etc. Sabemos qual é o sentido do capital: ganhar sempre, não importa que vidas e vidas deixem de existir.