"Os comissários de bordo
falam comigo em inglês"
Maria Isabel Baltazar Ferreira é auxiliar operacional de serviços diversos.
Já foi casada tem 31 anos, duas filhas e um filho.
Entrou para a militância política há oito anos,
através da Convergência Socialista.
Por Claudia Santiago
Conquista - Há quanto tempo você é militante da questão racial?
Isabel Baltazar - 4 anos.
C - Por que você resolveu dedicar-se a esta luta?
Isabel Baltazar - Primeiro por curiosidade e depois porque reconheci nesta luta um vínculo com a questão de classe. Minha primeira grande atividade foi a Conferência Interamericana pela Igualdade Racial, em Salvador, em 94. No Movimento negro descobri o quanto nós somos discriminados pela cor da pele e pelo papel que a gente cumpre na sociedade.
C - Como é que você sente a discriminação pela cor da pele?
Isabel Baltazar - Na viagem a Salvador eu senti. Eu cheguei no hotel, sozinha, de camiseta, bermuda e chinelo. O rapaz que carrega as malas ficou me fazendo perguntas. Ele queria saber se eu era do evento porque a minha roupa não combinava. Eu me senti discriminada.
C - E com relação ao papel que o negro ocupa na sociedade?
Isabel Baltazar - O médico negro não me olha como uma irmã negra de igual para igual. Geralmente, quando um negro sobe na escala social há também um descolamento do proletariado. Nós trabalhamos para quebrar essa concepção entre os negros.
C - Já ouvi várias vezes que no serviço público não existe discriminação, nem racismo.
Isabel Baltazar - Ao te contratar teu patrão não tem condições de avaliar o teu perfil estético, se teu nariz é mais chato ou mais afilado, se tua pela é mais queimadinha e teu cabelo mais carapinha. O ingresso é feito por concurso. No entanto as condições prévias para que você ingresse no serviço público são desiguais. A mulher negra que chegou ao serviço público não passou pelas mesmas escolas que a mulher e o homem não negro. Ela não pode apostar em qualificação profissional como os não negros.
C - Com isso você quer dizer que as melhores e mais caras escolas são só para não negros?
Isabel Baltazar - Com certeza. Os negros no Brasil são muito mais pobres, mais doentes, submetidos a condições de miserabilidade muito maiores do que a população não negra. Não preenchem os padrões de beleza.
C - Voltando ao serviço público. Depois que você está lá, a ascensão profissional é igual para negros e não negros?
Isabel Baltazar - De jeito nenhum porque as condições para a formação e o desenvolvimento profissional não são iguais. A reciclagem profissional é muito mais fácil para uns que para outros.
C - Isabel, tudo o que você diz me faz entender que o mundo é divido entre ricos e pobres e não entre negros e não negros. Por que?
Isabel Baltazar - Não. Mesmo o negro que ascendeu e se deslocou da sua base ele não deixou de ser discriminado pela cor da sua pele.
C - Será que isso passa no seu discurso, porque além de negra você é pobre?
Isabel Baltazar - Pode ser. (Muitos risos)
C - A questão de classe é muito forte em você.
Isabel Baltazar - Acho que é isso. Primeiro porque eu fui ganha para a militância por uma questão de classe. Eu só consegui descobrir que eu não desfrutei das mesmas condições de vida que algumas amigas minha porque eu sou negra mais tarde. Eu sou do movimento sindical. Primeiro eu descobri que eu sou uma mulher trabalhadora e depois que eu sou uma mulher negra trabalhadora.
C - Você viaja de avião, o que você sente quando abre aquelas revistas de bordo e não encontra nenhuma mulher negra?
Isabel Baltazar - Quando eu entro em um avião os comissários falam em inglês comigo. Não conseguem entender que uma mulher negra viaje de avião.
C - Isto prova que negro, no Brasil, não viaja de aviação.
Isabel Baltazar - Eu não consigo me identificar em nada dentro de um avião. Não me identifico na comissária de bordo, nas revistas de bordo, nos produtos que são divulgados.
C - Isabel, eu tenho certeza que ele falam inglês com você porque te confundem com uma princesa africana.
Isabel Baltazar - (risos)
C - Vamos enfim falar da Conferência Contra o racismo que vai acontecer na África do Sul de 31 de agosto a 7 de setembro?
Isabel Baltazar - A última conferência foi realizada aproximadamente 19 anos atrás. A III Conferência está sendo chamada pela ONU. Ela exclui o movimento sindical. É uma conferência de ONGs na qual os governos vão apresentar programas de políticas públicas que visam minimizar os efeitos do processo escravagista e discriminatório no mundo. Vão estar presentes índios, judeus, homossexuais. O objetivo é discutir a solidariedade entre os povos. Para nós, do movimento sindical, não existe possibilidade concreta de acabar com o racismo e a discriminação se você não mexe com as classes. Não há condições objetivas de existir igualdade de oportunidade se você não cria condições mínimas. Não basta que todos os negros sejam ricos para acabar a discriminação. Não bastam leis para acabar a discriminação contra os homossexuais.
C - E a Conferência Paralela?
Isabel Baltazar - É de responsabilidade do movimento sindical e das ONGs que discutem raças, gênero e classe. As CUTs estaduais vão organizar conferências regionais e ser o elo deste movimento com a população.
C - Quais as suas reivindicações?
Isabel Baltazar - Discutir os remanescentes quilombolas, indenização em espécie à comunidade negra no Brasil, demarcação definitiva das terras indígenas assento de 1846 famílias Sem-Terra, posse de prédios públicos abandonados aos Sem-Teto, não pagamento da dívida e dos juros da dívida e uma rubrica específica para que este valores sejam revertidos para a comunidade negra no Brasil.
C - O que tem em comum entre as reivindicações de vocês e de outros países?
Isabel Baltazar - Vou falar das reivindicações para a África. Manutenção da campanha de solidariedade a Mumia Abul Jamal, fim da guerra de Serra Leoa e indenização de nossos irmãos mutilados pelas minas, retomada das terras da Nigéria, República do Congo às tribos de origem e o retorno dos nossos irmão de Angola à sua terra natal e a não utilização da África para os testes químicos.
C - O que você sente quando lê notícias sobre a África hoje?
Isabel Baltazar - Muita dor. Ver nosso país de origem sendo dizimado, utilizado como cobaia humana e ver que suas riquezas naturais foram retiradas e sua população dizimada, causa muita dor.