C - Professor, esta crise é passageira ou é uma crise econômica geral?
Martins - Poderá ser mais que uma crise geral, poderá ser uma depressão global. Não se trata de uma "recessãozinha" ou de um desequilíbrio passageiro. Se esta porcaria explodir mesmo, nós vamos ter uma mudança de ambiente econômico. Uma mudança de ambiente na política, na situação mundial da luta de classes, etc.
C - Quem são os responsáveis por esta crise?
Martins - Os responsáveis por esta crise são os capitalistas de todo o mundo, incluindo-se naturalmente as classes dominantes brasileiras e seu governo atual. Essa crise ocorre no ponto mais elevado da acumulação do capital. O capital se expandiu gigantescamente nos últimos anos. O capital executou um aumento da produtividade e uma diminuição relativa da quantidade de trabalhadores. Assim, essa crise só pode ser explicada pelo enorme sucesso da acumulação do capital. Ou seja, quanto mais sucesso o capital teve em aumentar a exploração dos trabalhadores, aumentando ao mesmo tempo o desemprego, mais ele cresceu, mais ele superproduziu.
C - Para os capitalistas, interessa o desemprego?
Martins - Para o capital aumentar o seu valor ele precisa diminuir salário dos trabalhadores. Mas para que isso aconteça, ele precisa provocar desemprego. Assim, ele pode também prolongar a jornada de trabalho, deteriorar as condições de trabalho e aumentar a exploração. Para crescer, o capital precisa destruir aquilo que é a fonte do seu valor, a força de trabalho. Na base desta crise global, se encontra um aumento vertiginoso da produtividade do trabalho, que nada mais é do que o aumento da exploração dos operários. Conseqüentemente, esta crise global é o que nós chamamos de crise de superprodução de capital. O mundo hoje está inundado exasperadamente de capital. Esse é o problema.
C - Há excesso de mercadorias?
Martins - Sim. Não é apenas capital especulativo, monetário ou financeiro. É excesso também de mercadorias. Excesso de produto capitalista, excesso de lucro contido na massa de mercadorias produzidas. É esse excesso de mais-valia, de lucro gerado dentro das fábricas de todas as partes do mundo. É essa enorme massa de capital que começa a ser desvalorizada, porque há a tendência a uma diminuição da taxa de lucro que está contida em cada mercadoria. No concreto, começa a aparecer como uma enorme deflação de preços, que nada mais é do que uma deflação da taxa de lucro contida nos preços das mercadorias. O problema de mercado é consequência da superprodução de capital que não encontra condições de realização.
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Faltam consumidores?Martins - Faltam consumidores que paguem aquele preço e dêem o retorno no lucro contido naquela mercadoria. Nós temos uma super produção de carros, computadores e até de alimentos. Não falta quem queira carro, televisão e, muito menos, quem necessite comer. Mas acontece que, para aquele nível de preço, que contém uma determinada taxa de lucro, não existe consumidor capaz de pagar.
C - Não é só abaixar o preço que esvazia o estoque?
Martins - O capitalista pensa assim: se eu vender mais barato, eu perco o meu lucro, então eu prefiro que a mercadoria apodreça. Ele prefere pegar seu dinheiro, tirar da produção e investir nos títulos do governo. Ele prefere deixar de ser capitalista que investe na produção para viver de renda, provocando o fechamento de fábricas, a depressão e muito mais desemprego.
C - E o capital especulativo, qual seu papel?
Martins - Nesta crise, a ação do capital especulativo não tem uma relevância muito grande. Ficar falando que a crise foi provocada por um grupo de capitalistas especuladores que ficam espalhados pelo mundo é tentar esconder a verdadeira natureza e os verdadeiros responsáveis por esta crise. A especulação é, sem dúvida, uma atividade muito pequena. Para se desencadear uma depressão global é preciso mais. É preciso uma destruição gigantesca de valores capitalistas e, principalmente, de capitais existentes na produção de mercadorias, nas fábricas.
C - Seria uma crise provocada pelo capital financeiro?
Martins - Alguns economistas vêem assim. Veja bem, falam de capitalistas especulativos, de capital financeiro. Tenta-se sempre achar um adjetivo para o capital para tentar encobrir, esconder o que realmente conta: o processo de acumulação de capital, da exploração da classe trabalhadora. Uma outra visão muito corrente é que o capital está declinante há muito tempo. É como se a crise global tivesse sido produzida por um declínio permanente da capacidade do capital de explorar os operários, acumular o lucro e se expandir.
Na verdade, o que acontece é o aumento brutal da exploração da classe trabalhadora. Este é o ponto central. A expansão do capital nunca foi tão grande quanto na década passada e nos anos 90 em particular. O capital não está declinando. O que está declinando muito são as condições dos trabalhadores.
C - Quando foi a última vez que o mundo viu um quadro como esse?
Martins - É a maior crise econômica desde o final da Segunda Guerra Mundial. Nos últimos 50 anos não aconteceu nada parecido.
C - Por que então agora?
Martins - Primeiramente, porque até agora as economias dominantes do centro do sistema conseguiram manter estas crises apenas nas chamadas economias dominadas, América Latina, Ásia, África, Leste Europeu. O capital sempre fez com que quem pagasse a conta destes ciclos de crise, que se repetem a cada seis ou sete anos, fossem as economias dominadas. No caso do Brasil, os anos 80 foram chamados de a "década perdida". A economia ficou patinando e praticamente não houve crescimento. Em segundo lugar, o capital ampliou a sua área de atuação, com a chamada globalização. Vem uma onda do capital destruindo todas as relações de trabalho, aumentando o poder de dominação do Estado capitalista, destruindo as chamadas conquistas, as parcas condições de proteção social que existiam para a classe trabalhadora.Eles conseguiram no pós-guerra empurrar com a barriga a eclosão de uma depressão global.
C - Quando começou este ciclo atual de crise?
Martins - Explodiu em primeiro lugar na Ásia, em meados do ano passado. Isto não quer dizer que a crise tenha sido criada na Ásia e se espalhado para o resto do mundo . A crise foi criada nas economias dominantes, Estados Unidos, União Européia e Japão. Acontece que a crise se manifesta em primeiro lugar nas áreas e economias dominadas, para só depois se manifestar no coração do sistema.
C - A crise atingiu o Japão?
Martins - Isto é uma novidade importante para os últimos 50 anos e explica porque a Ásia foi a primeira a ser atingida pela crise. Explica também porque este ciclo pode se transformar em uma depressão global, uma novidade neste período.
C - O fato de o Japão ser atingido leva a crer que pode se falar em crise global do capitalismo?
Martins - Há uma possibilidade muito grande de depressão global. É possível que a crise chegue à União Européia e, finalmente, aos Estados Unidos, economia de ponta do sistema, como já chegou ao Japão. Nós só podemos falar em depressão global se todo o coração do sistema for atingido.
C - Caso aconteça algo como a quebra da Bolsa de Nova Iorque?
Martins - Em 1929, a interrupção do processo produtivo mundial foi muito inferior do que pode acontecer agora. A economia mundial hoje é 100 vezes maior do que era nos anos 20.
C - Para evitar que esta depressão global ocorra, os países ricos tentam drenar a superprodução de mercadoria para países como Brasil, México, ou Rússia?
Martins - O importante para eles é garantir que EUA, Europa e Japão não sejam atingidos. Para isso, a crise tem que ser drenada com depressão nas economias dominadas. Mas já temos um grau de crise global bastante evoluído. É a primeira vez desde a Segunda Guerra que a economia americana e européia estão ameaçadas. Para que haja uma depressão global é preciso que esta crise, até a virada do ano atinja os Estados Unidos. Caso contrário, seria apenas mais uma crise localizada ou, na melhor das hipóteses, uma crise geral de pequena intensidade e duração.