Por NPC
José Martins: "No Brasil não há recessão". (02.96)
Claudia Santiago entrevistou José Martins Jornal Conquista - Professor, quais os principais pontos da política econômica do governo FHC? J. Martins - Basicamente dois pontos. O primeiro é a Política cambial. A política econômica do governo FHC tem como base o atrelamento da moeda nacional ao dólar. Se este ponto não funcionar e o dólar passar a valer mais que o real, o plano vai por água abaixo. A política cambial é a grande novidade deste plano. O segundo é a Política monetária. É a política de manter os juros altos e diminuir o dinheiro em circulação no país. Os juros altos garantem a moeda forte e o dólar valendo igual ao real. E atraem o capital externo, que vem para o país só para ganhar dinheiro com as taxas de juros. A taxa de juros no Brasil está em torno de 30% ao ano. Nos EUA não passa de 5%. É essa diferença da taxa de juros que garante que os dólares continuem entrando no país e sustentando o real. C - A estabilização seria só aparência? JM - É lógico. Com câmbio fixo, e o real valendo a mesma coisa que o dólar, os preços não sobem. C - E não é bom que os preços das mercadorias não subam? JM - Seria bom. Só que esta política de fazer o real valer o mesmo que o dólar e os juros altos, arrebenta com o orçamento do governo. Com os juros altos, a dívida pública cresce. E a dívida interna brasileira já está superior a 100 bilhões de dólares. Quem paga essa conta são os trabalhadores. C - É por causa desta dívida que muitas vezes ouvimos a expressão "o mercado está nervoso"? JM - Os empresários sabem que esta política tem pés de barro. A dívida pública cresceu e pode explodir. Se isto acontecer acaba o plano. Acaba a estabilização, como aconteceu no México e como está para acontecer na Argentina. C - O que faz a dívida do governo crescer? JM - A transferência de recursos para o setor privado, para os bancos por exemplo. O pagamento da dívida externa é outro fator importante. Em 95 o Brasil pagou 5 bilhões de dólares da dívida externa. E não é de pagamento de juros. O governo brasileiro, depois de muito tempo, está pagando além dos juros, também o principal da dívida externa. C - Quanto o governo gastou em 95 com o pagamento da dívida pública? JM - Algo em torno de 35 bilhões de dólares. Este montante significa 50% das receitas fiscais do país, gastas com o setor improdutivo. C - E essa grana que vem de fora do Brasil, não ajuda o desenvolvimento do país? LM - Este é o capital de curto prazo, que fica só nos papéis, nos títulos, na bolsa, não entra para gastos com os setores produtivos. É o mesmo capital que arrebentou com o México. C - Todos os dias lemos nos jornais que o desemprego está aumentando, isto significa que o país está em recessão? JM - De maneira nenhuma. O Brasil ainda não está em recessão. C - Que fatores determinam que um país está em recessão? JM - Queda persistente na produção industrial por mais de oito meses consecutivos, só que a produção industrial brasileira cresceu de 7 a 8% em 95. Queda no PIB, mas o PIB cresceu 4% em 95. O Brasil não está em recessão. C - Mas as indústrias estão quebrando... JM - Algumas estão quebrando. A abertura das importações realmente afeta os setores de calçado, de brinquedos e têxtil. Mas a maioria está ganhando mais dinheiro com isso. É o caso da fábrica de brinquedos Estrela. A Estrela não quebrou. Ela se aliou ao capital da China e está importando. Isto significa que os donos da Estrela vão bem, os trabalhadores da fábrica é que ficaram mal. Foram todos demitidos. C - Um dos principais argumentos dos empresários para demitir é o custo alto dos encargos sociais no Brasil. JM - É um argumento furado. Em recente entrevista no jornal Gazeta Mercantil, o professor da PUC/RJ, especialista em economia do trabalho, Edward Amadeo afirma que os encargos sociais no Brasil não são exagerados se comparados com países como a Alemanha, Itália e França. E são inclusive, inferiores se comparados com os EUA ou Japão. C - O fato é que o número de pessoas desempregadas está aumentando, como o senhor explica este fenômeno? JM - A reestruturação produtiva, as novas tecnologias, a política econômica do governo, a privatização das estatais, a reforma administrativa. Todos são fatores que levam ao desemprego milhões de pessoas. O desemprego aumenta junto com os lucros dos capitalistas. C - E para onde vão estes desempregados, se estes empregos não voltam mais? JM - Para o setor de serviços, para o turismo. Para o mercado informal. E uma parte fica perambulando pelas ruas, sem saída, excluídos do mercado capitalista. C - Então o senhor não acredita num reaquecimento da indústria? JM - Vão vir indústrias para o Brasil. Aquelas que não interessam aos países ricos. Papel e celulose vão ser produzidos no Brasil. Só que são totalmente poluentes e acabam com a saúde dos trabalhadores, como nos polos petroquímicos. Vai ser um crescimento localizado. Com certeza indústrias de alta tecnologia não virão para o Brasil. Vão vir principalmente as indústrias de montagens simples, como as de eletrodomésticos de consumo, coisas que qualquer trabalhador desqualificado é capaz de fazer. C - Professor, como o senhor analisa a situação da classe trabalhadora hoje, e quais as linhas devem estar em um projeto autônomo dos trabalhadores? JM - Os trabalhadores estão vendo que não há como acreditar em uma saída capitalista, onde a situação dos trabalhadores só tem piorado. Não dá para pensar em projeto burguês nacional. E nem em alianças com os setores imperialistas, hoje representados pelo governo FHC. O eixo central deve ser o desenvolvimento das forças produtivas. Isto significa multiplicar por quatro a produção de alimentos. Exige uma radical reforma agrária. Aumentar a quantidades dos serviços públicos à população e elevar a qualidade destes serviços. Acabar com o parasitismo sobre os serviços públicos. É necessário uma reforma urbana para acabar com esta catástrofe habitacional. Um projeto dos trabalhadores implica necessariamente na recusa do livre mercado e na recusa de um Estado paternalista. Um projeto socialista tem como base a autogestão. Jose Martins é professor de Economia. Trabalha com o movimento sindical há mais de 20 anos. Dá aulas na Fundação Getúlio Vargas e é membro da equipe do Núcleo 13 de Maio.
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