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Entrevistas
Ademar Bogo: MST é cultura: Ideologia, tradição, pensar, fazer e sentir fazem parte da política cultural do movimento

piratiningaPor Renata Souza

BoletimNPC: No MST se usa muito a palavra mística. O que significa essa palavra e como ela se encaixa na visão de cultura que o Movimento defende?

Ademar Bogo: A expressão maior da cultura no movimento é a mística. A mística, para nós do MST, tem sua origem nas religiões. Quando se criou o MST, foi priorizado o resgate de toda a prática camponesa. A mística é um tipo de representação e ao mesmo tempo de vivência que realizamos  no início ou no encerramento de cada encontro dos Sem Terra. No ritual separa-se algo simbólico, que materializa o assunto abordado pelo encontro, e a criação artística, cultural e política do MST que é imediata. É uma grande escola de formação política porque mexe com o imaginário das pessoas. Por isso, tanto o analfabeto quanto uma pessoa de nível superior vão  sentir e interagir neste momento de vivência coletiva.

 

BoletimNPC:  como esta chamada mística foi introduzida no Movimento?

Bogo: A partir da necessidade de se criar um ambiente de aprofundamento de idéias menos monótono e racional. A mística deixou de ser algo apenas religioso e passou a ser um conceito antropológico. Isso acontece porque antecipa o futuro a partir da simbologia e isso dá prazer. Desse modo, as pessoas vêem a política com prazer. Com o tempo, a mística foi ganhando qualidade e importância no movimento.

 

BoletimNPC:  Qual o peso da ideologia na formação política do MST?

Bogo:  O ambiente de discussão é pensado de maneira que a ideologia do MST seja representada de diferentes formas. O conteúdo ideológico penetra nas pessoas através do canto, da imagem e anuncia uma alternativa. E depois do encontro, o ritual fica na consciência de cada um porque não há nada pré-moldado no que é apresentado.

 

BoletimNPC:  Você afirmou na sua palestra que a verdadeira transformação política da sociedade significa mudança de hábitos, de valores, de comportamentos. O que você quer dizer?

Bogo: Nos debates do movimento a cultura só estava relacionada à arte. Entretanto, com o amadurecimento ideológico se percebeu que o próprio movimento social é uma modificação de comportamento. O MST representa a soma de interesses de pessoas diferentes que se propõe a descobrir novas saídas, novos valores que gerem novas práticas sociais. O movimento muda hábitos. A cada ocupação as pessoas se vêem obrigadas a criarem novos hábitos, pois a pressão da vida coletiva faz com que as pessoas eliminem hábitos antigos e absorvam outros. No movimento, o marido não pode bater na mulher, é um hábito negativo que é corrigido porque o indivíduo é convencido a mudar de hábito.

 

Desse modo, a cultura passou a representar uma maneira de existir, de lutar pela vida, de preservar a vida e a natureza. Nos reeducamos para plantar a árvore que cortamos, por isso há até uma inversão da tradição. Pois antes o camponês matava os bichos, mas agora sabe que não deve fazer isso pois tem que protegê-los. Estamos fazendo um outro caminho, que é o viver em harmonia com a terra e os animais. Isso mostra um salto de qualidade no movimento.

 

BoletimNPC: No MST, o valor da solidariedade é uma idéia central na formação dos militantes e simples participantes. Quais os aspectos da solidariedade vocês mais cultivam?

Bogo:  O trabalho voluntário a serviço do coletivo é um dos valores fundamentais  na cultura da nossa militância. Isso significa lutar por melhorias na qualidade de vida própria e do outro. A pessoa deve fazer algo além do que faz normalmente para ajudar ao próximo. Isso faz com que transformemos a visão burguesa, que prega o individualismo, e avancemos na consciência coletiva. Por isso, a mudança de consciência deve estar diretamente ligada à vida coletiva.


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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge