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Entrevistas
Altamiro Borges: “Não estou querendo pensamento único; isso quem tem são os neoliberais”.

piratiningaPor Bruno Zornitta

BoletimNPC - Altamiro, você poderia falar um pouco de sua formação política e acadêmica?

 

Altamiro Borges- Formação política... Eu militei em movimento de bairro. Fiz faculdade de jornalismo, nunca militei no movimento estudantil. Eu morava em um bairro na periferia de São Paulo, na divisa com o ABC Paulista, militei em associação de moradores. E militei em um período que foi exatamente de retomada do movimento grevista no ABC Paulista. E essa associação de moradores, além de cuidar das questões próprias de moradia, esgoto, água, luz, etc, acabou tendo um papel de apoio a todo aquele movimento grevista, em 78, 79. O bairro em que eu militava era um dormitório operário, então acabou contribuindo na organização do fundo de greve, nos piquetes para parar ônibus, essas coisas. A minha militância política começou por aí. Na faculdade de jornalismo mesmo acabei indo muito pouco e não participei de movimento estudantil. A partir daí, nesse trabalho de bairro, mas muito vinculado ao movimento operário, me aproximei do Partido Comunista do Brasil e passei a militar com eles em 80. Nesse período, foi criado um jornal chamado Tribuna Operária, que era organizado pelo PC do B, ainda na fase de clandestinidade. Então eu passei a ser jornalista da Tribuna, nessa área operária. Foi uma experiência riquíssima. O PC do B era clandestino e esse jornal sofreu muita perseguição. Recebemos várias visitas da Polícia Federal, várias edições foram apreendidas... Depois fui ser assessor de sindicato e conheço o Vito Giannotti deste período, porque o bairro em que eu fazia movimento, a Vila Califórnia, era na região em que o Vito atuava no movimento de Oposição Metalúrgica. Então fizemos piquetes e distribuímos panfletos em algumas portas de fábricas juntos.

 

BoletimNPC - Uma grande discussão que se tem no jornalismo é entre fazer a disputa internamente ou externamente, como foi colocado na palestra. Você acredita que a disputa de idéias por dentro da mídia hegemônica pode ser eficaz?

Altamiro- Eu acho que são fatores diferentes. Há um fator de sobrevivência, o jornalista que se forma em uma faculdade precisa trabalhar, como qualquer um. Precisa comer, se vestir, se locomover... Às vezes a porta que se abre é a da grande imprensa. Eu conheço muita gente ótima que trabalha na revista Veja. Gente que discorda e procura sempre criar barreiras à manipulação. Eu conheço um companheiro que escreveu várias matérias que a Veja simplesmente não publicava. Ele ia para a rua, fazia a matéria, mas a Veja não publicava. Ele brincava comigo que ele ganhava para não publicar. Então é uma questão de sobrevivência. Agora, mudar esses órgãos por dentro é muito difícil. Estou dizendo muito difícil para não dizer impossível. Esses órgãos têm uma posição de classe muito definida. Vamos pegar um período recente: não é que eles assimilaram o ideário neoliberal do Estado mínimo, de desmonte dos direitos sociais, da desnacionalização. É mais do que isso. Eles passaram a ser porta-vozes desse ideário. Então a pauta é montada de acordo com esse ideário. Esse ideário se manifestou com a retomada das lutas grevistas, com o processo de criminalização dos movimentos sociais, na Constituinte, na defesa em bloco da candidatura Collor. Não é que gostassem do Collor, mas é que ele podia derrotar uma candidatura que vinha do movimento social. Esse ideário se manifestou na postura de total cumplicidade com o governo Fernando Henrique Cardoso. É como se no governo FHC não houvesse corrupção, como se o crescimento econômico não fosse medíocre, como se não houvesse o desmonte total do Estado. Então, não se muda essa mídia por dentro. Mas eu não estou negando o papel de quem trabalha nessa mídia. Eu acho, por exemplo, que nessa batalha recente ocorreu um fenômeno muito interessante. Alguns jornalistas de prestígio tiveram a coragem de se contrapor à manipulação. Eu acho isso um dado muito positivo. A postura, por exemplo, do Franklin Martins. Não vou dizer que concordo com tudo o que o Franklin Martins disse, mas ele teve a coragem de comprar a briga e foi mandado embora da Globo. Porque falar que não foi renovado o contrato é um eufemismo. Foi mandado embora. A postura do Luis Nassif, que um dos jornalistas mais conceituados da área econômica também é interessante. Não quer dizer que eu concorde com tudo o que ele diz. Não estou querendo pensamento único; isso quem tem são os neoliberais. Mas teve uma postura boa. O Paulo Henrique Amorim teve uma postura digna em sua página, Conversa Afiada. Cito esses, mas existem muitos outros. Um Raimundo Pereira, por exemplo. Esse é um gigante da imprensa nacional. Então, não condeno quem trabalha. Agora, acho que mudar por dentro, não muda.

 

BoletimNPC -José Arbex Jr., em sua palestra aqui no 12º Curso do NPC, citou um fenômeno que ele observa hoje nos sindicatos e caracteriza como "neopeleguismo". Gostaria de saber se você acredita que acontece isso e por que.

Altamiro- Eu não ouvi a palestra, mas conheço um pouco do que ele pensa e escreve, e acho que aí pode haver uma visão unilateral. No sentido de que hoje ninguém no movimento sindical tem condições de atirar pedras nos outros. Não tem condições de dizer assim: "aquele é um sindicato pelego, traidor de classe"! Mostre o que você está fazendo no seu sindicato. O problema hoje não é só subjetivo, não é só um problema de traição de direção. Existe um problema objetivo: a luta dos trabalhadores tem dificuldades. Gente muito boa atua no movimento sindical, mas sabe da dificuldade que é montar uma assembléia, sabe da dificuldade que é fazer uma greve, sabe da dificuldade que é descobrir gente para entrar na chapa da diretoria do sindicato. É que nós estamos em uma crise do movimento sindical. Inclusive, não é uma crise brasileira, é uma crise mundial. O sindicalismo brasileiro tem 16% de taxa de sindicalização. Estou falando de população economicamente ativa. Se eu falar em população economicamente ativa ocupada dá 34% de índice de sindicalização. Na França, o índice de sindicalização é 9%, nos Estados Unidos é 7%. Há uma crise do sindicalismo internacional, que foi duramente golpeado. A década de 80 e principalmente a década de 90 foram de fragmentação da classe, de precarização da classe, de aumento sem precedente do desemprego. Então isso dificulta a ação.

 

BoletimNPC - E a que você atribui essa crise? Apontaria alguma saída?

Altamiro- Eu acho que é uma crise objetiva e que teve três fatores que foram determinantes para isso. Então é a própria situação do sistema capitalista, que mantém a exploraçao, mas passa a ter novos formatos. Esse processo de financeirização retira dinheiro da produção. Então é uma quebradeira nessa área. Isso gera uma crise de desemprego, de precarização muito violenta. Eu acho que esse é um fator. O segundo fator é que nessa crise o próprio capitalismo se aproveita para retirar direitos. O capitalismo está vivendo uma fase destrutiva, porque ele destrói postos de trabalho. E regressiva também. Ele está regredindo, nós estamos voltando a formas de exploração do século XIX. O que é a terceirização? O que é a "coopergato"? O que é a "estangeirização"? Então, aproveita-se que a classe está fragilizada para retirar direitos e simultaneamente ocorre no micro, no local de trabalho, um processo de profunda reestruturação produtiva.

Ocorre isso que se chama de terceira revolução científica, ou revolução técnico-informacional. Então, mesmo setores que não estão em crise, que estão ganhando muita grana, estào demitindo. O setor bancário, na década de 80, tinha 920 mil bancários no Brasil. Hoje tem 370 mil. Esse setor não está em crise, mas ele automatizou-se. Tudo isso levou a uma crise do sindicalismo.

O fator que o Arbex destaca é que nessa crise, que mexe com a materialidade e a subjetividade da classe, o movimento sindical não soube dar respostas. E aí ele agravou o problema. Então, a crise que é objetiva fez com que se agravassem os problemas de direção. E os sindicatos se voltam muito mais para a luta imediata, se voltam contra os efeitos, não contra as causas. O sindicato se volta muito mais para a luta corporativa, porque a demanda das categorias é muito grande. Fica correndo atrás de prejuízo da categoria, ele não tem uma visão de classe, mas uma visão de corpo. Ele tem o que o Gramsci chamava de egoísmo passional, ele só cuida do imediato corporativo. E pior ainda: os sindicatos fragilizados, eles se voltam para dentro. Então, surge um processo de aparelhismo muito grande, de disputa de espaço muito grande. Como o cobertor encolheu, fica todo mundo brigando lá dentro. Isso é que gera - aí eu concordo - um "neopeleguismo". Há um processo de burocratização, de institucionalizaçao. O sindicalismo deixa de ser militância política para virar uma carreira. Mas isso tem causas, não é traição. Como resolver isso? Não tem receitas. Isso depende muito do conjunto da luta dos trabalhadores. Nenhuma categoria sozinha vai resolver. Eu acho que tem pistas, não receitas. Acho que o sindicalismo hoje precisaria ser muito mais politizado. Não é que ele vá deixar de tratar dos problemas econômicos imediatos, mas ele tem que politizar mais e interferir mais na política, porque ele não vai conseguir resolver esses problemas pelo lado econômico, ele tem que ir pela política, na minha opinião.

Segundo: ele precisa ser um sindicalismo muito mais de classe, menos de corporação.

Terceiro: ele precisa ser um sindicalismo que invista muito mais na luta de idéias, com comunicação sindical, novas linguagens, porque o sindicalismo está envelhecido, ele não fala a linguagem da juventude. Investir mais na formação. Acho que hoje um termômetro para ver se o sindicato está indo bem e ver se ele investe em formação política.

Quarto: eu acho que ele tem que ser um sindicalismo muito mais de unidade dos movimentos sociais. O sindicalismo hoje não está mais com a bola toda, ele era uma coisa até a década de 80. Como a classe era mais homogênea, o sindicalismo tinha um papel estruturante. Então ele precisa se relacionar mais com os outros movimentos. Por exemplo, com o movimento de bairro, com o movimento negro, com o hip hop, com o movimento dos sem-terra. Porque tudo isso faz parte deste grande proletariado. Se o sindicalismo ficar voltado só para dentro, para o imediato e corporativo, ele vai se isolar cada vez mais. E inclusive pode ser vítima de um novo estigma, porque a burguesia brasileira é viva, não é burrinha como a venezuelana. Ela sabe pegar coisas que estão no senso comum e transformar em ataque. Ele fez isso com os servidores públicos, com a história dos marajás. Ela fez isso no desmonte do Estado, com a história do elefante branco. Ela já está fazendo uma certa campanha para dizer que sindicato defende privilégio, que é pra jogar o pobre contra o remediado, pra jogar o que está informal contra o que tem carteira de trabalho, para jogar o que está terceirizado contra o que está na empresa matriz. Então, ou o sindicato se abre para os outros movimentos sociais ou ficará isolado. Ele não morre, porque enquanto houver exploração vai haver sindicalismo, mas ele fica na UTI.

 

BoletimNPC - Para finalizar, gostaria de ouvir sua análise do atual quadro de fragmentação da esquerda.

Altamiro- Eu acho que isso tem a ver com a dificuldade da luta dos trabalhadores. Ninguém faz isso por vontade, tem a ver com essa situaçao de defensiva estratégica que nós estamos vivendo. Isso acaba em um processo de fragmentação, com leituras diferenciadas.

Grosso modo, eu acho que existem basicamente três grandes leituras. Uma leitura é a de que não existe a possibilidade de superar o capitalismo, o socialismo é uma utopia irrealizável, e nós vamos então civilizar o capitalismo. Reformar o capitalismo, transformá-lo em algo um pouco mais humano. Tem muita ilusão nisso, no meu entender.

Tem uma outra vertente que trabalha com a perspectiva do socialismo, com a idéia da ruptura, da superação desse sistema, mas no meu entender não analisa a correlação de forças, acham ainda que nós estamos com a bola toda e que a revolução está na próxima esquina. Então, nesse sentido, acabam fazendo um esforço de demarcação de campo. Quem não pensa assim é porque é reformista, conciliador, burguês, liberal e os cambaus. Então, se o governo Lula não decretou o socialismo no início de 2003, é um governo de traição. E acabam adotando uma posição, no meu entender, de um certo voluntarismo esquerdista.

E acho que existe uma terceira grande vertente que entende que nós não estamos com essa bola toda, mas não nutre ilusão no sentido da reforma do capitalismo e trabalha então em uma acumulação de forças, de disputa de hegemonia, de ir construindo trincheiras para estar em condições no futuro. Eu penso que nesse caso, mesmo tendo diferenças de opinião, de análise da correlação de forças, o fundamental é a gente não queimar pontes. Não criar um sectarimo que impeça de nos unirmos em determinadas ações. Acho que o grande esforço hoje é construirmos bandeiras de unidade de ação. Não dá para construir uma unidade orgânica, mas pelo menos uma unidade de ação.


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