Entrevistas
Beto Almeida: “É preciso não ter a ilusão de que, algum dia, esses meios de comunicação que estão aí serão democráticos.”
Por Bruno Zornitta BoletimNPC- Beto, como surgiu esse convite para participar da direção da Telesul? Beto Almeida - Eu conheci o Chávez em 2000, quando foi a Brasília participar de um debate em uma universidade. Eu acompanhava atentamente a caminhada dele desde quando ele foi preso, em 92. Estando na Venezuela, uma vez, tentei entrar em contato com ele. Muita gente não valorizava. Isso em 95, ninguém sabia que ele ia ser presidente. Eu considerava muito importante a expressão de correntes militares progressistas, que existem em vários exércitos americanos. E nem sempre a esquerda entende, por preconceito. A esquerda é antidialética nessas coisas, pensa que se o cara é militar não pode ser de esquerda. Quem disse? Então, desde aquela época eu buscava contato com ele, o que só se confirmou em 2000, quando ele esteve em Brasília. Eu entreguei a ele uma carta do Sindicato dos Jornalistas de Brasília, propondo, já que ele falava muito em comunicação em integração latino-americana, que ele convocasse um processo de integração real no campo da informação, montasse uma agência latino-americana de comunicação, de vídeo e rádio. Aí ele leu e disse: "pensei que você ia me entregar uma carta de protesto, porque os jornalistas só falam contra mim". Ele riu: "pô, uma carta de apoio, quase nunca recebo uma carta de apoio de jornalistas". E aí ele disse: "Eu gostei da idéia. Vou lhe chamar". E de fato me chamou, anos mais tarde. Eu estive na Venezuela várias vezes, tive outros contatos com ele. Então, quando ele decidiu de fato formar a Telesul, convidou vários jornalistas da América Latina, e me chamou. O convite foi em função de uma casualidade, de um compromisso, de uma afinidade de idéias. BoletimNPC- A gente sabe que é muito difícil se contrapor ao discurso dominante. Eu queria saber quais as principais dificuldades que a Telesul tem enfrentado até o momento. E também se há alguma novidade, algum projeto futuro que você possa adiantar para a gente. Beto Almeida - Bom, dificuldades são várias, desde ameaças norte-americanas, inclusive tentando associar a Telesul ao terrorismo, até a prisão do Freddy Muñoz. Ele está preso na Colômbia até agora, o que é uma tentativa de criminalização da Telesul. Ele foi acusado de terrorismo indevidamente, sem nenhuma prova. O objetivo é atingir o papel que a Telesul cumpre, principalmente impedir o processo de integração latino-americana, contra o qual há vários inimigos, especialmente os Estados Unidos. Então, nós estamos, nesse sentido, batendo na política externa norte-americana. Isso já basta para saber o quanto é difícil. Agora, além disso, nós temos as políticas de comunicação na América Latina, que são sempre heranças de governos militares, das oligarquias, do coronelismo eletrônico. Você vê que até o momento o governo Lula não teve nenhum ímpeto de transformação da sua política de comunicação. E isso levou o governo a sofrer essa campanha, sem ter meios para reagir. Então, essa realidade, de políticas de comunicação pouco democráticas, dificulta a expansão da Telesul. Mas quando há governos mais decididos... Por exemplo, o governo da Argentina bancou a Telesul em sinal aberto. O governador Requião autorizou que a TVE do Paraná colocasse o sinal da Telesul uma hora por dia, em sinal aberto também. Essa é uma decisão política, de visão, de compromisso. Há todos os motivos do mundo para que o governo brasileiro, que é a favor da integração latino-americana, dê mais espaço para a Telesul. Porque há uma coincidência entre essa política do governo e o que a Telesul preconiza. Agora, nós estamos buscando mais alianças com a comunicação comunitária. Por exemplo, nós queremos participar do Fórum de TVs Públicas que haverá aqui no Brasil para buscar cooperação. Cooperação para produção, divulgação, transmissão do sinal. O desafio é ter mais visibilidade, como já temos na Bolívia, no Uruguai, na Argentina, em alguns estados do México. BoletimNPC- Gostaria que você falasse um pouco sobre a política de comunicação do governo Lula, mencionando o que você disse no debate sobre os investimentos feitos nas TVs privadas e também sobre a Radiobrás. Beto Almeida - Olha, a Radiobrás foi omissa diante da guerra que o governo sofreu. Ele sofreu uma blitz e a Radiobrás não fez nada. Não é que tenha que fazer a defesa do governo, ela tem que entrar na disputa, tem que fazer jornalismo vivo. Ela tinha que conseguir repercutir o que a sociedade pensa, que não é o que a mídia privada pensa. A Radiobrás foi incapaz, ela ficou numa posição de neutralidade; neutralidade que absolutamente não existe. O governo também errou, porque isso era uma orientação do governo, que acreditava exclusivamente na negociação com a Globo, com a mídia privada, que nesse namoro haveria neutralidade. Essa política fracassou redondamente, e o fracasso tem preço. O governo deu, de 2003 para cá, mais ou menos 1,5 milhão de dólares para a mídia privada. Olha, com 1,6 milhão de dólares, em 2005, você construiria uma televisão, a mais poderosa do Brasil, com alcance total. O governo não tem um instrumento de comunicação que alcance a sociedade inteira. A Radiobrás não é esse instrumento, não está alcançável para a maioria da população. BoletimNPC- Há poucos dias atrás, o principal jornal da mídia burguesa aqui no Rio deu, com chamada de capa, uma reportagem sustentando que a Venezuela não estaria avançando na diminuição da pobreza. Gostaria que você comentasse. Beto Almeida - Não é verdade, de acordo com a Cepal e a Unesco. A Venezuela reduziu a mortalidade infantil, reduziu o desemprego, que ainda é muito alto, porque ainda não foi feita a reforma agrária, por conta da oposição da oligarquia. Mas o presidente Chávez está anunciando que se reeleito vai aprofundar o programa de transformações. Por exemplo, a mortalidade infantil foi reduzida, o salário mínimo foi aumentado - aumentou o poder de compra - o analfabetismo foi erradicado. Então, não é verdade. A distribuição de água aumentou, o ingresso de pessoas na universidade também. A reforma agrária está andando lentamente, até porque você precisa ter um partido, mais unidade revolucionária, para empreender medidas muito mais decisivas para superar aqueles bolsões do capitalismo que ainda resistem ao processo de transformações. Agora, quando a mídia burguesa quer anunciar e celebrar o fracasso... Isso não, de maneira nenhuma está acontecendo. A quantidade de pessoas que hoje são atendidas gratuitamente por médicos, com remédios distribuídos gratuitamente, o acesso aos alimentos, as cooperativas de produção, com crédito do Estado. Há um processo formidável de transformações na Venezuela. Ainda não superou o capitalismo, não é uma revolução que já cumpriu suas etapas como um todo, mas é um processo revolucionário que está avançando. Você dar acesso, por exemplo, à leitura de livros fundamentais, como "Dom Quixote" e "Os Miseráveis", que tiveram mais de um milhão de exemplares distribuídos, cada um. Isso não é pouca coisa para uma população de cinco milhões de habitantes. Bibliotecas se espalhando pelo país inteiro, as universidades bolivarianas e inclusive quartéis que foram transformados em universidades, a universidade do próprio exército, universidade pública, da qual participam também estudantes pobres, não só militares. Quer dizer, há um processo de transformação verdadeiro, a começar pelo emprego da receita que vem do petróleo nos programas sociais. Isso multiplicou os programas sociais. BoletimNPC- Por fim, te deixo à vontade para dizer uma palavra aos jornalistas que participaram do 12º Curso Anual do NPC. Beto Almeida - É preciso acreditar em uma mudança de modelo. Nesse modelo não haverá nunca a democratização dos meios de comunicação. Não se pode ficar nessa ilusão de discutir fora do contexto se há imparcialidade. Não existe. As críticas que se fizeram no Curso Anual do NPC ontem, ao processo da Venezuela, são críticas que refletem a falta de isenção. Ele se declara isento, mas reproduziu o discurso da mídia burguesa. A isenção não existe. Eu não sou isento, eu não sou imparcial. Eu tenho um lado, tenho um objetivo, tenho meta. E a Telesul tem um projeto que é de integração dos povos. A grande mídia é contra a integração dos povos. Se diz objetiva, neutra e imparcial, mas ela é contra. Nós assumimos, somos a favor. Não estamos iludindo ninguém. No nosso caso, nós vamos divulgar as produções até de quem é contra, mas para defender como linha editorial interesses. Então os jornalistas precisam em primeiro lugar acreditar nas organizações populares, na necessidade de uma comunicação pública, com gestões populares. Não ter a ilusão de que, algum dia, esses meios de comunicação que estão aí serão democráticos. Não, nunca. Temos que criar mecanismos próprios, controlados pela sociedade. Fortalecer as TVs educativas, comunitárias, universitárias e transformá-las em veículos de uma sociedade viva e pulsante, que possa fazer a disputa com o discurso do oligopólio da mídia. Nessa fase do capitalismo a mídia é o carro-chefe. A mídia fez toda a tarefa de preparar o terreno para a invasão do Iraque, por exemplo. Aqui no Brasil há toda uma tarefa de destruir a noção do público, da Era Vargas, anunciar a privatização. E aí nós temos visto qual é o resultado nefasto para a sociedade brasileira: a perda de direitos, perda de soberania. Todas essas são batalhas que os jornalistas comprometidos com a verdade têm que assumir, em um processo de construir uma comunicação verdadeiramente pública.
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