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Entrevistas
Marcos Dantas - “A Comunicação é assunto de todos nós. As pessoas têm que largar as suas particularidades e entrar nessa discussão.”

Por Marcela Figueiredo

piratiningaBoletimNPC- A TV digital ainda é um assunto novo na sociedade. Você pode esclarecer as principais diferenças entre ela e a TV usada atualmente, a analógica?

Marcos Dantas - A diferença mais imediata, mais sensível, é qualidade de imagem e som. Na TV digital não tem como ter fantasma, não tem como ter chuvisco, a imagem é mais bem definida. Dependendo do sistema de transmissão e dependo da televisão que a pessoa tenha, você pode ter uma imagem e um som cinematográficos. Essa é a mais sensível, mais imediata, embora eu não ache que seja a mais importante.

BoletimNPC- Qual é a mais importante?

Dantas - Eu penso que a mais importante mudança é a interatividade. A TV analógica é uma TV com baixíssima interatividade. Com ela [analógica] você recebe uma programação totalmente linear. Você tem uma pequena opção de canal pra mudar.

Na TV digital você pode receber uma cesta de conteúdos, ainda que ligados à programação, mas você pode assumir um pouco o controle do que quer ver.

Um exemplo bem didático: Na TV analógica, você está vendo um jogo de futebol, você pode assistir o mesmo gol duas, três vezes porque a operadora está te mandando aquela imagem e você está assistindo. Você pode até não está querendo assistir aquele gol, mas a operadora está mandando e você tem que assistir.

Na TV digital você pode fazer o contrário. Você pode começar a rever aquele gol durante o jogo quantas vezes você quiser, independentemente da emissora enviar. Você pode selecionar cenas do que está vendo.

Hoje quem faz essa seleção é o operador de TV. Eu penso que a interatividade é o que há de mais importante na TV digital em relação ao que há na televisão hoje.

Uma outra vantagem também, que vai depender muito da regulamentação, e vai depender muito, também, das próprias emissoras,  é possibilidade de fragmentar o canal de freqüência. Com a TV digital é possível receber, com o mesmo canal de freqüência, de quatro a oito programações diferentes. Na prática é como se você tivesse um maior número de canais de TV’s aberta. Na prática, seria também a possibilidade de oferecer ao telespectador um maior número de programação.

 

BoletimNPC- As pessoas terão que mudar o aparelho que ela têm hoje em casa?  

Dantas - Vão ter que mudar o aparelho. O aparelho que as pessoas têm hoje em casa, com certeza não pega o sinal digital. Comprar um aparelho novo vai sair muito caro. A maioria das pessoas não vai poder comprar. Mas as pessoas poderão comprar um aparelho que é chamado de unidade receptora-decodificadora, que o mercado chama de set top box, que é um aparelho parecido com o aparelho de TV a cabo, que vai receber o sinal digital e vai fazer tudo que a TV digital faz. Ele vai ser conectado ao seu atual aparelho de TV e você vai receber a TV digital através desse aparelho.

BoletimNPC- Qual a estimativa de custo inicial desse aparelho?

Dantas - Ele vai entrar no mercado em várias versões. Das versões mais básicas às versões mais sofisticadas. As versões mais básicas devem chegar no mercado com preço em torno de R$ 300,00 a R$ 400,00. A tendência é que o preço baixe na medida em que isso começar a se expandir no mercado.

BoletimNPC- Você acredita em uma maior democratização dos meios de comunicação com a entrada do sistema de televisão digital?

Dantas - Essa é a questão que se discute muito. Eu vou te dar uma resposta um tanto quanto acadêmica.

A rádio-difusão é organizada hoje, no Brasil, de acordo com o modelo que foi definido nos anos 20 do século XX. Sendo que no Brasil esse modelo só ganhou uma lei em 1962. E foi aplicada pela Ditadura. Então, nesse modelo com suas qualidades e com seus defeitos, ainda se acrescentaram os vícios da Ditadura.

As nossas organizações de rádio-difusão cresceram, amadureceram, sob desse modelo, sob os vícios da Ditadura. Isso vai mudar. Vai mudar porque o mundo está mudando, a realidade da digitalização, TV a cabo, celular, Internet, está mudando. Não dá mais pra viver do jeito que está. Isso vai ter que mudar. E vai mudar também porque a sociedade brasileira não pode mais conviver, e não está conseguindo conviver com uma realidade normativa constitucional e empresarial que a essa altura já tem quase 50 anos.

Isso vai mudar. Isso tem que mudar. Agora, se essa mudança vai levar a uma maior democratização, isso não depende da tecnologia. Depende, na verdade, da participação política. Depende da participação dos atores sociais interessados. Se a sociedade tiver uma participação, se mobilizar e discutir, você pode ter uma mudança que leve a uma maior democratização. Se a sociedade assistir, vai ter uma mudança, mas sempre uma mudança condicionada aos interesses dos investidores. Aí nós vamos ter, vamos ter não, tem, um conflito de investidores  muitos diferentes, diversificados, contraditórios, que acabam organizando esse rearranjo nessa, ou naquela direção.

BoletimNPC- Você acredita, então, que precisa haver uma mudança na legislação?

Dantas - A legislação vai ter que mudar. Nossa legislação é completamente arcaica, ultrapassada, e ela será mudada.

BoletimNPC- Existia a urgência da implantação da TV digital? Essa urgência na aprovação do modelo japonês?

Dantas - Isso é inevitável. Não tem mais como reverter esse processo.

BoletimNPC- Você acredita que o governo brasileiro adotou o modelo japonês por qual motivo?

Dantas - O modelo japonês é o melhor.

BoletimNPC- Por que ele é o melhor?

Dantas - O modelo japonês foi desenvolvido em cima do modelo europeu. Então ele tem as vantagens do modelo europeu e  corrige os defeitos do modelo europeu.

BoletimNPC- O governo brasileiro financiou pesquisas em universidades brasileiras para o desenvolvimento de um modelo de TV digital nacional. Essas pesquisas já estavam em andamento e com resultados significativos. Por que não esperar a conclusão dessas pesquisas?

Dantas - Bem, para adotar um modelo nacional, completamente nacional, a partir das pesquisas realizadas, nós precisaríamos ainda de três ou quatro anos para adotá-lo inteiramente. Teoricamente não era impossível fazer. Na prática, depende das forças políticas empresariais envolvidas. Uma das forças que precisaria ter para implantar o modelo nacional era uma indústria eletrônica nacional. Isso nós não temos. Nossa indústria eletrônica é japonesa e coreana. Ou seja, um ator importante na história já não está aí pra brigar pela coisa. Outro ator importante seria as emissoras de televisão.

BoletimNPC-  Você acredita que houve pressão por parte das emissoras de televisão?

Dantas - Com certeza. Elas estavam querendo adotar um modelo que já estava no mercado. Esses modelos não surgiram do nada. O modelo japonês surgiu porque a grande operadora pública japonesa, chamada NHK, aliada aos grandes fornecedores de equipamentos japoneses, a Sony, a Tochiba, e outras, se juntaram para desenvolver um modelo. Por isso que acontece o modelo japonês, assim como o modelo europeu.

O modelo europeu surgiu porque a BBC, as outras operadoras de rádio-difusão européia se juntaram, com o apoio do governo pra desenvolver a pesquisa. No Brasil isso não aconteceu. No Brasil, pegaram 80 milhões de reais, que é muito pouco, distribuíram para as universidades desenvolverem um trabalho de laboratório. Sem que a indústria estivesse envolvida.

Aliás, contra os interesses da indústria, porque a indústria não é brasileira. E sem que os operadores de televisão estivessem envolvidos. Se você não tem esse conjunto de forças trabalhando na mesma direção, a coisa não acontece. O desenvolvimento de um sistema brasileiro hoje tem esse problema. Porque você vai ter uma pressão muito grande de todos os atores econômicos contra. Eu digo isso com pesar, eu não digo isso com alegria, só que eu faço uma análise objetiva. Eu, quando estava no governo, ajudei a montar essas pesquisas. Eu tive um papel importante nisso. E acho que elas fizeram sucesso do ponto de vista do que as universidades conseguiram produzir. Para  numa etapa seguinte nós precisamos de uma indústria de semicondutores, isso nós não temos, nós precisamos ter uma indústria de equipamentos, nós não temos. E precisaríamos de em torno de um a dois bilhões de reais e não temos.

BoletimNPC- Você acha que a sociedade está bem informada sobre o que vai ser a TV digital?

Dantas - Rigorosamente, não. Não está nada informada. Nada. O  pouquinho que sabe é através de uma  ou outra notícia que sai nos jornais.

BoletimNPC- Você acha que está sendo bem divulgada as notícias?

Dantas - Rigorosamente, não. Só é divulgado aquilo que interessa aos rádios-difusores. Primeiro que a sociedade em geral não lê jornal. Na televisão não aparece esse tipo de discussão e quando aparece é, ou do interesse oficial do governo, ou do interesse dos rádios-difusores. Tem uma série de questões que mereceriam ser discutida e não são discutidas pela sociedade em geral.

BoletimNPC- Você disse que com a TV digital haverá um maior número de canais disponíveis. Acredita que as TV’s comunitárias, os movimentos sociais em geral, terão espaço nesse novo modelo adotado?

Dantas - Na TV comercial, dificilmente. Muito dificilmente.

BoletimNPC- Existiria a possibilidade?

Dantas - Sim. Isso é um problema de regulamentação. Se a regulamentação, se a Lei estabelecer que esse espaço tem que ser cedido... Veja bem, não é apenas um problema de canal. Você vai ter que quebrar a cadeia produtiva.

Hoje, o sistema de produção é muito verticalizado. As próprias operadoras produzem (são poucas as operadoras: Globo, Bandeirantes...são poucas); elas fazem a sua programação, ou seja, organizam a produção para entrar na grade da programação, são atividades diferentes;  e eles fazem a transmissão dessa programação, eles jogam na torre e a torre joga no ar. As outras emissoras que são mais fracas, espalhadas pelo Brasil, apenas compram essa programação inteirinha, organizadinha e levam ao ar nas suas cidades.

Com a TV digital, como existe esta possibilidade de multiplicação de canais, o telespectador vai poder fazer escolhas. Com isso ele vai poder aumentar a quantidade de produtores. Se existisse a norma, a lei, que por um lado inibisse essa verticalização da produção/programação e por outro incentivasse a produção de conteúdo, poderia multiplicar também a quantidade de produtores. 

Poderia, então, quebrar a cadeia produtiva e ter a entrada de  produções comunitárias, regionais e mais uma série de coisas assim. Mas isso depende muito mais do arranjo econômico e do arranjo político/jurídico do que questão  tecnológica. É preciso ter clareza sobre essa diferença entre transmissão e produção.

BoletimNPC- Existe a produção? O conteúdo para transmitir?

Dantas - Eu não sei se existe, mas eu sei que é muito mais fácil produzir conteúdo que fazer a transmissão. O esforço que terá que ser feito é para que as comunidades, as universidades, as escolas, produzam conteúdo. Aí o canal cidadão, ou mesmo o canal de cultura ou educação, poderão absorver e colocar esse conteúdo nas suas grades de programação.

BoletimNPC- Se a regulamentação, a lei, continuar da forma como está, as concessões para transmissão continuarão nas mãos das mesmas emissoras que existem hoje. Partindo do princípio que a lei continuará como está, você  acredita que essas emissoras terão interesse em transmitir uma programação diferenciada simultaneamente?

Dantas - Eu acho que algumas emissoras não têm interesse em uma programação diferenciada. As “mais fortes” vão querer fazer televisão em alta definição. Vão apostar que com isso elas vão reter o público. Outras emissoras poderão ter interesse em fazer uma programação diferenciada, as “mais fracas”. As “mais fracas”, as que já vendem parte de seu horário, terão mais canais para vender esse tipo de coisa. Você pode ter aí muitas opções.

Você não pode esquecer que a TV digital pode alcançar o celular e televisão móvel.

Isso significa dizer que, daqui a pouco, qualquer ônibus terá uma televisão infernal dentro dele.

 A gente não sabe como vai ficar isso com relação à legislação porque ela hoje proíbe rádio em ônibus. Então, alcançar esse tipo de público talvez já exija uma programação diferente. Uma coisa é você estar na sua poltrona assistindo futebol, novela, outra coisa é estar dentro do ônibus e daqui a pouco ter que esquecer tudo e descer. Isso são coisas que os empresários terão que resolver. “Eu ponho uma novela, ou um programa rapidinho de alguns minutos?” “Eu tenho recurso para produzir?” Quem financia a publicidade sabe que tem uma série de arranjos econômicos que muito provavelmente só no processo é que vai ser decidido. A princípio não tem nada decidido. São os empresários que vão decidir como resolverão esse problema.

BoletimNPC- Essa alta definição implicaria em um maior custo do decodificador pro consumidor?

Dantas - Não. A alta definição em si, não. Eles já virão preparados tecnologicamente para transmitir em baixa  e alta definição. O maior custo do decodificador pode implicar em coisas do tipo: capacidade de memória. Ele vai armazenar informação. Um decodificador que possa armazenar mais tempo de programação, maior quantidade de programação, será necessariamente mais caro que um que não armazena.

BoletimNPC- O que você acha necessário incluir no marco normativo (ou regulatório)?

Dantas - Eu acho que essa tem que ser a grande discussão. Se o governo até dezembro de 2007 não tiver uma regulamentação, isso muito provavelmente vai parar na justiça. Ainda tem uma série de zonas cinzentas do ponto de vista regulatório, do ponto de vista legal. Tem muito conflito, muita discordância, muitos interesses contrários. O governo vai ter que correr atrás para construir o marco normativo ao longo desse ano. Essa é a questão urgente. Esse marco normativo deveria assegurar, criar regras, que assegurem a multi programação, ele vai ter que resolver o problema da interatividade. Tem uma proposta interessante. É a criação do operador de rede. Mas essa proposta não interessa aos rádios difusores. Mas ela interessa aos operadores de telecomunicações. Com essa criação você separa a transmissão da produção. Isso já é aplicado em alguns países europeus. Isso tudo vai ter que ser resolvido no marco regulatório. A própria concessão de um canal provisório para os atuais concessionários não têm abrigo legal.

BoletimNPC- As pesquisas nas universidades continuam sendo feitas?

Dantas - Até onde eu sei, elas estão trabalhando para aperfeiçoar o que elas já criaram. Corrigindo alguns defeitos ou algo assim. Elas entregaram a produção. O trabalho que eu acompanho mais de perto, que é o relacionado ao Ginga, o pessoal tem trabalhado para aperfeiçoar o midware e tem trabalhado muito para que esse midware seja adotado. É possível adotar o midware brasileiro. Agora, é preciso um tempo para tramitar. O governo não lançou o segundo programa de pesquisas. Lançou aquele, que já foi concluído e entregue. Teria que se criar um segundo ciclo. As pessoas que estão trabalhando, estão trabalhando em  cima de possíveis falhas no primeiro ciclo. Não tem nenhuma verba nova para manter as equipes.

BoletimNPC- Você disse que as novas regulamentações vão depender da articulação da sociedade. O que você sugere para essas novas articulações dos movimentos sociais e da sociedade em geral?

Dantas - Tem que forçar esse debate. Fazer isso que você está fazendo. É colocar esse debate na Internet, escrever artigo, promover seminário, manifesto, juntar os interessados, acionar as lideranças partidárias. Poderia ser preparado um antiprojeto sobre comunicação eletrônica.

BoletimNPC- Não existe nenhum antiprojeto em andamento?

Dantas - O que eu sei é que existe um antiprojeto do próprio governo. Esse eu sei que tem. O governo elaborou vários ainda na época do Fernando Henrique. O governo Lula não avançou nada. Absolutamente nada. Infelizmente. Teve quatro anos para fazer e não fez nada. A sociedade tem que entrar nessa discussão.

BoletimNPC- Você acha que a sociedade não esta participando da discussão?

Dantas - Eu acho que a sociedade está muito apática. É claro que eu conheço meus amigos que estão na briga. Tenho a maior admiração por todos eles, mas a gente conta nos dedos quantas pessoas estão nessa luta. Uma andorinha só não faz verão. Quando eu digo sociedade, é a sociedade mesmo. Tem muita entidade por aí que diz: “Esse assunto não é comigo”. Isso não é verdade. Esse assunto é de todos. Todo mundo precisa de comunicação. As pessoas têm que largar as suas particularidades e entrar nessa discussão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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