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Entrevistas
Dênis de Moraes – “Não vejo indícios de que nos livraremos tão cedo da ditadura do pensamento único”

Por Bruno Zornitta

piratiningaBoletimNPC - Apesar da oferta cada vez maior de informações, a concentração da mídia só tem aumentado nos últimos anos. Você acredita que caminhamos para uma maior democratização da comunicação ou, ao contrário, no sentido de uma ditadura do pensamento único?

Dênis de Moraes - Não vejo indícios de que nos livraremos tão cedo da ditadura do pensamento único. Trata-se de um discurso que subordina os direitos sociais à razão competitiva dos mercados financeiros, ocultando as profundas desigualdades que vicejam nos espaços socioeconômicos planetários. O pensamento único veiculado pela mídia impõe uma escala de valores e um modo de vida afinados às conveniências das classes dominantes. É ingenuidade ou, no mínimo, desinformação supor que a hegemonia ideológica da mídia burguesa vá se alterar em benefício da diversidade informativa e do pluralismo. Em lugar algum observamos refluxo nas engrenagens do poder midiático. A lógica predatória do capitalismo não visa democratizar, e sim acumular cada vez mais e lucrar obsessivamente. O sociólogo marxista argentino Atilio Boron tem uma frase magistral: “Falar em democracia capitalista é o mesmo que dizer ‘círculo quadrado’.” A meta é consolidar a qualquer preço o que aí está, com um mínimo de concessões e ajustes, e dentro da maior margem de segurança possível. Os ciclos de reprodução ampliada do capital asseguram condições competitivas em mercados globalizados, a custos decrescentes, fazendo reluzir a mais-valia. Para tanto, os conglomerados de mídia dispõem de poderio financeiro, know-how gerencial, inovação tecnológica, influência política e malhas de distribuição planetárias. Costumo dizer que esses megagrupos se movem pelos continentes como serpentes (serpentes venenosas, se me permitem o adendo), favorecidos pelas desregulamentações neoliberais e pela deliberada omissão de governos e organismos multilaterais.

A verdade é que o campo da comunicação se transformou numa guerra de titãs, e o resultado não poderia ser outro: a concentração da propriedade dos meios nunca foi tão dramática quanto agora, do mesmo modo que se aprofunda a oligopolização das chamadas indústrias culturais. Os mais indulgentes diriam que, apesar dos pesares, existe uma multiplicação de conteúdos e recepções diferenciadas. Sim, a oferta aumentou de modo exponencial na era digital, e de fato não somos autômatos. Mas seria o caso de contra-argumentar: 1) se duas dezenas de conglomerados transnacionais controlam dois terços da produção mundial de informação e entretenimento, essa multiplicação inscreve-se muito mais na órbita das exigências mercadológicas do que propriamente na variedade qualitativa dos conteúdos; 2) os usufrutos de tais conteúdos dependem de acessos, lastros socioculturais e capacidades de discernimento marcadamente desiguais. Penso que a diversificação da produção simbólica guarda estreita proximidade com a comercialização em grandes quantidades lucrativas. A prevalência das lógicas comerciais manifesta-se no reduzido mosaico interpretativo dos fenômenos sociais; na escassa pluralidade argumentativa, em razão de enfoques que reiteram temas e ângulos de abordagem; na supremacia de gêneros sustentados por altos índices de audiência e patrocínios (telenovelas, reality shows, esportes); nas baixas influências públicas nas linhas de programação; no desapreço pelos movimentos sociais nas pautas jornalísticas; na incontornável disparidade entre o volume de enlatados adquiridos nos Estados Unidos e a produção audiovisual nacional. Em face da concentração monopólica, a possibilidade de interferência do público (ou de frações dele) nas programações depende não somente da capacidade reativa dos indivíduos, como também, e sobretudo, de se garantirem direitos coletivos e controles sociais sobre a produção e a circulação de dados, sons e imagens.

BoletimNPC - Qual a parcela de responsabilidade da mídia dominante no atual nível de despolitização dos indivíduos?
Dênis de Moraes
– Com pequenas variações aqui e ali, o discurso midiático segue excludente e despolitizador. Ele desqualifica todo e qualquer questionamento ao império do mercado e do lucro. Quer neutralizar o pensamento crítico e acentuar o conformismo diante de um mundo injusto e reificado. E, principalmente, eleva o consumo à condição de instância máxima de organização societária. Chamo a atenção para as características deletérias da midiatização atual. É um processo
caracterizado pela aceleração tecnológica, pela saturação audiovisual e pela intensificação dos apelos consumistas. As mídias infiltraram-se de tal modo no tecido social que tudo à nossa volta parece depender de mediações teleinformacionais para obter reconhecimento e aceitação. A hegemonia midiática se fundamenta, por um lado, na capacidade de interconexão das tecnologias de largo alcance e, por outro, na presunção – fabricada ideologicamente - de que os veículos refletem a vontade geral. Tais atributos confeririam aos aparatos de comunicação uma posição peculiar na sociedade, a ponto de poder atuar sem freios de contenção. Isso não somente é uma mistificação e uma deformação, como favorece, perigosamente, a absorção pela mídia de tarefas, funções e papéis tradicionalmente desempenhados por instâncias intermediárias e representativas da sociedade (sistema escolar, família, partidos políticos, organismos da sociedade civil, etc.). Significa, em última análise, que expressões individuais e demandas comunitárias têm que ser concebidas e apresentadas somente no interior e através de canais de difusão cada vez mais tecnologizados. A opinião pública é induzida ao convencimento de que só tem relevância social aquilo que se expõe em telas e monitores. O efeito colateral é danoso, porque incute o desprezo por outras formas legítimas e necessárias de expressão de anseios. O que se manifesta à margem do cenário televisual parece condenado ao obscurecimento e ao silenciamento. 

BoletimNPC - Que ações considera necessárias para democratizar a mídia e construir uma outra comunicação?

Dênis de Moraes - Não podemos aceitar que a sociedade seja refém da midiatização. O pensamento crítico precisa desvelar aparências enganosas e os discursos que intencionalmente naturalizam o que seria a hipotética função social da mídia: informar e prestar serviço à sociedade. Impossível imaginar uma democratização efetiva da vida social diante do desmedido poder midiático e da configuração mercantilizada das indústrias culturais. Devemos, em um longo e árduo processo de lutas, fortalecer resistências e enfrentamentos ao consenso construído pelas elites hegemônicas. Para alcançarmos a livre circulação de informações e um maior pluralismo cultural, impõe-se um controle democrático sobre os aparatos midiáticos, principalmente aqueles que têm licenças de televisão e rádio. É mais do que justo que empresas concessionárias se submetam a regras e marcos estabelecidos pelo poder concedente, em sintonia com os interesses da coletividade. São urgentes novas legislações sobre meios de comunicação para coibir a concentração e a oligopolização, além de permitir lisura e transparência aos mecanismos de concessão, regulação e fiscalização das licenças. Considero essenciais políticas públicas que reorientem fomentos, financiamentos e patrocínios, de modo a valorizar ações alternativas de comunicação (como rádios e televisões comunitárias) e novas mídias, bem como apoiar a produção audiovisual nacional e preservar o patrimônio e as tradições culturais. Políticas debatidas por segmentos sociais representativos e formuladas com realismo, considerando as mudanças da era digital e seus efeitos socioeconômicos. Isso dependerá da articulação de campanhas reivindicantes e de pressões organizadas e sistemáticas sobre o executivo e o legislativo, conduzidas por forças progressistas da sociedade civil (aquelas que lutam por transformações sociais de caráter antineoliberal). Estas campanhas não podem se limitar a um país; devem coligar-se em alianças regionais e supranacionais, pois sabemos que a onipotência da mídia se internacionalizou. Entendo também que formular e executar políticas conseqüentes de comunicação e cultura é um dos desafios dos novos governos progressistas da América Latina. E por assim pensar, estou iniciando uma pesquisa de fôlego, com o decisivo apoio da Fundação Ford, para estudar comparativamente programas e ações concretas dos governos de sete países latino-americanos (Venezuela, Bolívia, Argentina, Uruguai, Chile, Equador e Nicarágua) para enfrentar – e espero que, na medida do possível, reverter - o sério dilema de sistemas e meios de comunicação que se sobrepõem, inaceitavelmente, às exigências democráticas.

BoletimNPC - Como a atuação em redes pode fortalecer a luta por uma sociedade mais justa?
Dênis de Moraes?

 A comunicação eletrônica em rede, particularmente a Internet, constitui um interessante campo de possibilidades a explorar. As tecnologias digitais introduzem ferramentas comunicacionais de novo tipo e criam espaços promissores de intercâmbio, interação e participação. Com baixo custo, rapidez e arquitetura descentralizada, as redes virtuais favorecem a difusão colaborativa e estimulam permutas de materiais informativos baseadas no princípio do copyleft. Movimentos comunitários e sociais podem difundir percepções críticas e reclamar direitos da cidadania, sem se submeter às hierarquias de juízos e aos filtros da mídia convencional. O ideal organizativo da comunicação em rede vincula-se também ao propósito de agregar apoios em toda parte, bem como de coordenar simultaneamente projetos e ações nos níveis locais, regionais e globais. Nas frentes de atuação compartilhada, vislumbra-se o entrosamento de agendas de debates, de pautas de reivindicações e resistências ao pensamento único e à lógica globalizante do capital financeiro. Ainda que com freqüência irregular e às vezes sem utilizar adequadamente recursos e linguagens multimídias, as redes buscam construir uma cultura de solidariedade e incentivar uma sociabilidade baseada em aspirações convergentes. Porém, devemos afastar certas ilusões quanto ao raio de incidência e ao grau de interferência das redes. Precisamos considerar a exclusão digital e o descompasso tecnológico, que restringem os acessos à Web nos países periféricos. A universalização dos acessos depende, entre outras coisas, de políticas socioeconômicas inclusivas, do desenvolvimento de infra-estruturas de rede, do barateamento de custos teleinformáticos e de formação educacional condizente. Por outro lado, a Internet não substitui os demais meios, nem anula práticas e metodologias de luta social, que continuam válidas e bastante necessárias. A mega-rede é uma vertente complementar de informação, expressão e mobilização. Reconhecer potencialidades da arena virtual em absoluto significa subordinar as batalhas políticas ao avanço tecnológico, ou ainda aceitar impulsos voluntaristas que tendem a menosprezar as mediações sociais e os mecanismos clássicos de representação política. Continuo convencido de que é no território físico, socialmente vivenciado, que se travarão as lutas fundamentais por uma outra comunicação e um outro mundo possíveis.

 


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