Entrevistas
Entrevista com José Arbex Jr. - 30.11.2006
"Está havendo um aporfundamento da fusão da mídia com o Estado"
Por Bruno Zornitta, Carlos Maia e Gustavo Barreto
Carlos – Qual é a importância, na sua opinião, de um curso como este? Arbex - Eu acho central, porque a mídia, como o próprio subtítulo do curso demonstra, é a indústria de formação de consciências, que na minha opinião é a grande indústria do século XXI. Nenhuma outra indústria é tão importante como a indústria de formação de consciências, nem a armamentista, nem a petroleira, nem nenhuma outra. Porque é a mídia que permite a formação de consciência política, e a mídia que faz a cabeça cotidianamente das pessoas, é a mídia que transmite valores, sedimenta formas de percepção, tema a capacidade de mobilizar a sociedade. Então, entender a mídia não é uma tarefa intuitiva. Não é na base da boa vontade que você entende, tem que ser na base da formação, do estudo, de debate, de disciplina intelectual. Então eu acho que é central. Bruno – Quando se fala da fusão da mídia com o Estado, há o pressuposto de que antes não era assim. Mas você falou durante a palestra que a Rede Globo já surgiu como um aparelho do Estado ditatorial. Queria saber se está havendo um aprofundamento dessa relação. Sim, está havendo um aprofundamento crescente. Nós podemos datar esse processo, na verdade, do início do século XX, quando você tem a formação do império Hearst, que é denunciado pelo Orson Welles no filme Cidadão Kane. Foi a primeira grande rede monopolista de mídia. Já naquela época a mídia tinha adquirido um poder político tão grande que o Hearst queria inventar uma guerra entre Estados Unidos e Espanha pela posse de Cuba para vender jornal. E o filme mostra muito bem essa passagem para a fase monopolista da mídia. Então na é um processo novo, mas é um processo que vai se aprofundando cada vez mais. Quanto mais a democracia entra em crise, quanto mais as corporações controlam o mercado mundial, quanto mais você tem uma situação em que a democracia vai definhando, os indivíduos vão perdendo suas prerrogativas enquanto cidadãos para se tornarem meramente consumidores, mais a mídia ganha centralidade como um veículo que finge existir democracia. Então a mídia acaba fingindo que existe liberdade, que existe a pluralidade, que existe debate e etc. Mas isso não atinge a vida cotidiana do cidadão. Ele continua sendo oprimido, continua sendo explorado, continua sendo humilhado no cotidiano, mas ele se sente contemplado por uma falsa democracia que ele vê na mídia. Ao mesmo tempo, exatamente porque a mídia tem essa capacidade de se interconectar o mundo inteiro ela se torna o principal porta-voz, a principal janela do mundo globalizado. Quando você junta as duas coisa, a capacitação tecnológica e o lugar ideológico da mídia você transforma os donos da mídia nos porta-vozes do mundo globalizado, que é o que está acontecendo hoje e é assim que se dá a fusão. Gustavo – O Milton Santos, acho que no livro “Por uma outra globalização”, fala bem na indissociabilidade entre o poder financeiro e o midiático. E com esse processo de fusão, tanto da fusão privada quanto da fusão da mídia com o Estado, e sem uma sociedade civil forte, como você destaca, qual você acha que seria, mesmo a médio prazo, a saída? O fortalecimento da sociedade civil. A real construção de uma democracia que não se restringe a esse arremedo de democracia representativa que nós temos hoje. Porque a democracia não é o direito de você votar a cada quatro anos no sujeito que vai te explorar nos quatro anos seguintes. A democracia é muito mais do que isso. A democracia é a plenitude dos direitos do cidadão, de qualquer cidadão, independente da conta bancária que ele tenha, é o acesso do cidadão a uma vida digna, é a possibilidade do cidadão ser ouvido, é a capacidade que a sociedade tem de se organizar para impor determinados rumos a Estado e à vida política. Quer dizer, a democracia é um conceito muito mais radical e abrangente do que aquilo com o que nós estamos acostumados a lidar. Sem democracia não tem jeito. Sem essa democracia. Então qual é o problema? É conquistar essa democracia. Quer dizer, no Brasil ela passa pela reforma agrária, pela desmontagem do monopólio da mídia, ela passa pela democratização da propriedade urbana. Sem isso não tem jeito, vira uma utopia reacionária. Achar que você vai resolver algum problema sem democracia. Gustavo – Você citou o Roosevelt. Tem um escritor que cita um caso do Roosevelt, que tinha a oposição de todos os jornais, mas ele tinha as rádios. E ele governou por meio das rádios. Não só o Roosevelt, o Hitler também. O rádio, naquela época, começou a aparecer como uma arma política. O Hitler foi o primeiro que percebeu isso. O Stálin depois também. O que acontecia é que as famílias não tinham televisão. O que as famílias fazem hoje? Deu oito horas da noite, liga a televisão e vai assistir o Jornal Nacional ou a novela e etc. Naquela época era o rádio. Então quem tivesse acesso ao rádio entrava no coração da família. E o Roosevelt percebeu isso muito bem, mas ele fez parte de uma geração, que envolvia o Hitler, o Stálin, os dirigentes em geral. O Vargas utilizou muito o rádio no Brasil. Carlos – Agora, entrando um pouco na lógica dos donos dos grandes meios de comunicação, a gente até entende quando a Globo mantém aquela grade de programação que faz sucesso há décadas e tudo, mas, por exemplo, uma emissora como a Rede TV ou a Band, que não disputam diretamente o público da Globo, porque será que eles não investem em uma programação alternativa de qualidade, mas apelam e fazem um produto até mesmo pior do que o da Globo, podendo arriscar um pouco mais, por não ter tanto compromisso com a audiência? Primeiro que eles têm compromisso com a audiência, porque sem audiência eles não vendem. Segundo lugar, vou te fazer uma pergunta: se você estiver no Japão e vir um cara dando um murro na cara do outro, você entende o que está acontecendo? (Carlos concorda) Você está no Japão e vê um cara trepando com outro, você entende o que está acontecendo? (Carlos concorda) Se isso for na Indonésia, você entende? (Carlos concorda) Se for na França? Carlos – Sim, em qualquer lugar. Em qualquer lugar, pois você está lidando com conteúdos universais, que dizem respeito a pulsões universais. São as duas pulsões mais simples do ser humano, a violência e o erotismo. É isso que a mídia usa direto, ela explora ao máximo o sensacionalismo e o erotismo porque isso garante a audiência e um acesso fácil a um público pelo preço mais barato possível. Bruno – Arbex, o Vito falou que você ia contar uma história sobre o filme Pearl Harbour para explicar essa história da fusão da mídia com o Estado. O Pearl Harbour foi lançado a bordo de um porta-aviões, nos Estados Unidos. E eles passaram o filme em rede nacional de cinema e nas saídas das várias sessões você tinha pessoas que alistavam voluntários para o exército. Quer dizer, você saia do filme Pearl Harbour e se alistava no exército dos EUA. E foi em um momento de mudança, no final da década de 90, começo do século XXI, quando começa a ser operada uma mudança na relação entre Hollyhood e as instituições nos Estados Unidos. Porque nos anos 80 você teve o Rambo, que era um herói rebelde da extrema direita, era o sujeito que falava que as instituições nos EUA são covardes, os congressistas são covardes, que o Senado e a Câmara foram responsáveis pela derrota dos EUA. Isso que o Rambo falava. Então você tem uma mudança de inflexão que cada vez mais as instituições vão se transformando, com o movimento que levaria a eleição do Bush, as instituições vão se tornando cada vez mais conservadoras, o aprofundamento da globalização e a gestão Clinton, que aprofundou o Plano Colômbia, atacou a Sérvia, a Iuguslávia, tudo isso que ele fez. Isso foi criando um clima cada vez mais conservador, de modo que as instituições dos EUA, que antes eram criticadas pelo Rambo, elas se transformam agora nas grandes heroínas dos EUA. Agora, o barato do momento é um agente da CIA. Você vê em qualquer filme recente, sobre a guerra ao terrorismo, espionagem, etc, os agentes da CIA viraram os grandes heróis. E isso foi Hollyhoood que produziu. Então você tem aí uma relação direta entre Hollyhood e o Pentágono, e as Forças Armadas.
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