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Mdia
A Radiobrás, o jornalismo e o futuro da comunicação pública

Por Rodrigo Savazoni

O debate sobre a Radiobrás, antecipado pelos veículos comerciais de comunicação e amplificado pela imprensa alternativa [ler Renato Rovai, na revista Fórum (nota 1), e Bernardo Kucinski, nesta Carta Maior (nota 2)] é muito oportuno. Como esse artigo se baseia principalmente no material jornalístico produzido pela Agência Brasil, chefiada por mim, é indicado que eu tome parte nessa discussão.

Na visão de nossa equipe, esse debate permite contar, a quem possa se interessar pelo assunto, como foi reestruturar uma empresa que não tinha, ao final de 2002, clareza de seu papel na sociedade. Quatro anos depois podemos afirmar que a Radiobrás é uma empresa de jornalismo que trata a informação como um direito do cidadão.

Para quem até hoje acha que a Radiobrás é apenas a produtora de A Voz do Brasil, cabem alguns esclarecimentos. A Radiobrás é uma empresa pública de direito privado. Seu único acionista é a União. Dentro dela, convivem veículos e programas que fazem comunicação institucional para o Governo Federal e veículos e programas que só se justificam se forem compreendidos como serviços eminentemente públicos de informação, educação e cultura.

No primeiro campo, dos veículos e serviços exclusivamente sobre ou para o Governo, estão a Voz do Brasil, o Programa Café com o Presidente (que a Radiobrás produz sob supervisão da Presidência da República), os oito serviços do Banco de Notícias (clipagem multimídia utilizada por todos os ministérios e pela Presidência da República) e a NBr – A TV do Governo Federal, uma emissora institucional que informa sobre os atos e fatos do Poder Executivo, primando pela transmissão ao vivo de eventos oficiais. Essa emissora, criada no governo FHC, não tinha uma linha editorial há quatro anos. Hoje, sabe exatamente que tipo de serviço presta.

No segundo campo, dos veículos de vocação pública, temos a Rádio Nacional do Rio de Janeiro (sim, aquela histórica emissora, que estava sucateada e abandonada e foi recuperada nesta gestão), a Rádio Nacional OC da Amazônia (que opera para toda a Amazônia legal em Ondas Curtas), a Rádio Nacional AM de Brasília (que chega a ter alcance nacional no período noturno), a Rádio Nacional FM de Brasília, a TV Nacional de Brasília, que antes transmitia atos oficiais do Governo e hoje não mais, a Agência Brasil e a Radioagência Nacional.

Ainda é preciso citar, neste segundo universo, as criações da atual gestão. A TV Brasil – Canal Integración, emissora pública internacional administrada pela Radiobrás, mas gerida por um comitê formado pelos três poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário). E também o Sistema de Informação do Alto Solimões, um sistema de radiodifusão público administrado pela comunidade em parceria com o Poder Público criado na fronteira do Brasil com a Colômbia, num dos bolsões de desinformação do país. Por fim, a UFMG Educativa, da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, uma emissora da Radiobrás que, graças a um convênio, é gerida pela universidade.

Esse entendimento que separa o conteúdo institucional sobre o Executivo do conteúdo público propriamente dito, não perde de vista que a nenhum deles cabe fazer proselitismo ou propaganda de Governo. A Radiobrás não tem atribuição legal para fazer propaganda ou assessoria de imprensa. Portanto, mesmo na NBr ou na Voz do Brasil, o que ela oferece à sociedade é informação objetiva – sobre o Governo, sim, mas objetiva e apartidária – sem nenhum traço de proselitismo.

Nesse ponto, os veículos de informação não comerciais, sejam eles públicos ou estatais, não se diferenciam: todos precisam honrar o seu compromisso com a verdade dos fatos. Qualquer tentativa de distorcer ou de direcionar o noticiário contraria o princípio da impessoalidade que está consagrado na Constituição e que deve ser respeitado por todo gestor público, tanto da administração direta como da administração indireta.

Essa clareza foi forjada em quatro longos anos de trabalho, a partir de uma ampla interlocução com setores da sociedade e do governo comprometidos com uma sólida alternativa de comunicação para o Brasil. Não com base em um “daqueles exercícios internos de ‘planejamento estratégico’ definindo ‘valores’ e ‘missão’, igualzinho ao que fazem grandes empresas privadas” (nota 3), como ironiza Kucinski em seu artigo, mas a partir de um verdadeiro trabalho de planejamento.

Esse trabalho, conduzido por profissionais especializados em administração pública, dentro da Escola Nacional de Administração Pública, a Enap, não tem nada de privatista. O planejamento da Radiobrás consumiu todo o ano de 2003, envolveu todos os funcionários e foi formalmente apresentado e aprovado pelo Conselho de Administração da empresa. Estabeleceu missão, valores e metas estritamente amparadas na legislação e foi cumprido. Teve e tem como foco construir uma empresa de comunicação dirigida a informar a sociedade sobre os assuntos contidos no triângulo formado pelo Governo, pelo Estado e pela Cidadania.

Reparo conceitual
Após esclarecer de qual empresa falamos, passemos ao jornalismo, em diálogo com o artigo de Kucinski, a partir de sua proposição de que é o conceito de “jornalismo público” praticado pela Radiobrás que deve ser objeto do bom debate. Nós vamos a ele, mas antes é preciso corrigir um pequeno equívoco conceitual cometido pelo professor.

No nosso planejamento editorial, nunca trabalhamos com o conceito de “jornalismo público”. Convido todos a lerem os documentos que formulamos, os quais explicam a prática do jornalismo da Radiobrás. Eles são públicos e estão em nossa página na internet (nota 4). Nesse esforço de formulação, detalhamos o conceito de “jornalismo com foco no cidadão”, que nada mais é do que jornalismo, mas dirigido aos brasileiros na sua condição de pessoas que exercem ou reivindicam seus direitos. Ou seja, aos cidadãos, e não aos consumidores.

No artigo da revista Comunicação e Educação, editada pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, em nenhum momento Eugênio Bucci e Carlos Knapp usam a expressão “Jornalismo Público”.

O título do artigo também foi editado na citação feita por Kucinski para sustentar o argumento central de sua tese. O que na revista da USP era “O Jornalismo de espírito público não pode ser chapa-branca”, no texto da Carta Maior transforma-se em “O Jornalismo Público não pode ser chapa-branca”. A citação desse pequeno lapso, na verdade, é importante porque revela uma característica das análises feitas sobre o trabalho da Radiobrás até agora: a parcialidade e a imprecisão. A parcialidade não é necessariamente ruim, mas a imprecisão sim, porque desinforma.

Enfim, o jornalismo
Ressalva feita, a hora é de prosseguir. A pauta da Radiobrás, hoje, baseia-se justamente na cobertura apartidária e objetiva do triângulo formado pelo Governo, pelo Estado e pela Cidadania. Dentro da empresa, chamamos esse triângulo de espaço público político. Nesse ponto, não há qualquer discordância com o professor Kucinski no que se refere à visão do governo e do Estado em uma sociedade democrática. Como também não há divergência em relação ao fato de que somos a única agência brasileira sediada na capital do país e que esse é um grande diferencial. Procuramos ser ágeis e noticiar em primeira mão o que diz respeito ao Governo. Muitas vezes, conseguimos.

De acordo com os levantamentos realizados pelo Comitê de Qualidade Editorial da Radiobrás, em suas leituras críticas mensais, e pela pesquisadora Catarina Balencastro, autora de um estudo comparativo sobre a Agência Brasil, entre 60% e 70% das nossas matérias – incluindo fontes e temas – abordam o Governo Federal. Outros 20% do nosso conteúdo pertencem ao campo Estado. Ações da sociedade civil organizada ocupam a faixa restante do noticiário. Cobrimos o governo, mas não somos “chapa branca”. Isso, e só isso, nos trouxe mais credibilidade.

Se antes a Agência Brasil era apenas “fonte” para jornalistas, hoje ela é reproduzida pelos principais veículos de comunicação do país. Inclusive pela Carta Maior, que aproveita regularmente trechos de notícias e reportagens produzidas pela nossa equipe para compor o seu noticiário. Existem exemplos suficientes em nossa página que comprovam as opções que fizemos, e como essas opções não se opõem às necessidades de qualquer governo democrático: dar transparências às suas ações, de forma que o cidadão possa ser informado sobre o que foi feito e o que não foi feito.

Em seu recente livro, o jornalista e pesquisador Venício Lima (nota 5) cita um levantamento feito pelo próprio Kucinski sobre os assuntos de interesse público, relativos ao governo, que foram “esquecidos” pela mídia comercial durante a crise que abateu o governo e o Partido dos Trabalhadores em 2005 e 2006. Nós não esquecemos. Cada uma das Conferências Nacionais (nota 6), realizadas com participação do governo e da sociedade civil para propor políticas públicas para o Brasil, contaram com nosso minucioso acompanhamento – muitas vezes exclusivo.

Também produzimos um site especial para acompanhar a aprovação da Lei de Gestão de Florestas Públicas (nota 7). Em uma matéria, destacamos que o primeiro brasileiro a assinar o projeto de lei popular que cria o Fundo Nacional de Habitação Popular também seria o último a rubricar o documento: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Isso, para ficar apenas nos exemplos destacados por Kucinski e citados por Venício. Há outros, entre eles a cobertura sobre a Cúpula Mercosul – Países Árabes (nota 8) e a Conferência sobre Reforma Agrária do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura (FAO-ONU), esquecida pela grande imprensa, ou a reportagem especial sobre a duplicação da BR 101-Sul (nota 9), ou a série de matérias sobre a criação de duas reservas extrativistas na Amazônia, uma ação do Ministério do Meio Ambiente, que recebeu menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog deste ano (nota 10)...

O Haiti
A cobertura realizada pela Agência Brasil sobre o Haiti se insere nessa visão ampla e pública da comunicação como um direito. Caberia, nesse sentido, à Radiobrás, construir uma visão, baseada nos interesses do governo brasileiro, sobre a missão de paz da ONU no Haiti?

Essa função, que é legítima, a nosso ver, seria da publicidade, da propaganda e das assessorias de imprensa das instituições e governos. Não da Radiobrás. Até porque, esse papel, se coubesse a Radiobrás, não seria bem feito, posto que o acesso que temos aos governantes e suas estruturas de decisão política é o mesmo – quando não menor – do restante da imprensa, porque a Radiobrás é um complexo de veículos – ela não é fonte de informação.

Por outro lado, vale destacar que nós temos orgulho da cobertura, jornalística, que realizamos sobre a participação brasileira na força de estabilização da ONU. Uma parte dessa cobertura pode ser conferida neste link (
http://www.radiobras.gov.br/especiais/haiti/) que permanece publicado em nossa página na Internet.

Em nenhum momento, fugimos à nossa obrigação de informar. Abordamos a postura da diplomacia brasileira em obter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU e sua influência na decisão do país de enviar tropas ao Caribe. Tratamos da importância e das limitações da atuação das tropas brasileiras, da lentidão das doações internacionais e da realidade sócio-econômica e política do Haiti, entre tantos outros temas.

De 2004, quando iniciou a crise do país caribenho, até hoje foram oito viagens até à capital Porto Príncipe e uma longa série de matérias feitas do Brasil para retratar as opiniões dos chefes de Estado, representantes da política externa brasileira, por integrantes da ONU, comandantes das Forças Armadas brasileiras, movimentos sociais brasileiros e haitianos que buscavam sensibilizar os "estrangeiros" sobre a complexidade da questão – muitas vezes se opondo à permanência das tropas da ONU com altos gastos enquanto a população clama por saúde, educação e emprego.

O futuro da comunicação pública
Essa cobertura, inclusive, é um bom gancho para pensar o futuro da comunicação pública no Brasil. Porque, na nossa avaliação, ela demonstra que é possível fazer jornalismo, objetivo, apartidário e qualificado, dentro do ambiente público. Explicitando o contraditório sempre no sentido de ampliar a formação política do cidadão. É ele o principal beneficiário, a médio e longo prazo, dessa opção.

Na nossa visão, para garantir o avanço da democracia brasileira, é preciso inverter o raciocínio que impera ainda nos circuitos do Poder: não é só o Estado que se comunica com a sociedade, mas também a sociedade que se comunica com o Estado e o governo, num processo permanente de retro-alimentação, gerando o ambiente em que debate público se desenvolve em benefício da coletividade.

O Estado e o governo devem fomentar e apoiar esses canais de interlocução, utilizando os novos e os “velhos” meios de comunicação de massa eletrônicos para garantir ao cidadão brasileiro a tão almejada inclusão política, econômica e social. Sem doutrinar nem dirigir. Esses dois verbos, quando conjugados no ambiente da comunicação, resultam em perda de credibilidade. O passado recente do Brasil mostra que isso é fatal.

A comunicação pública do futuro, portanto, está a serviço exclusivamente da sociedade, e não de interesses partidários. O mesmo vale para a comunicação estatal, que precisa ser entendida como uma forma de prestação de contas do governo para a população que o elegeu.

Qualquer desvio nesse objetivo resultará em um retrocesso enorme em relação ao primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, um presidente que demonstrou claramente seu compromisso com a democracia, a liberdade de imprensa e, diferentemente de qualquer outro governante, com o direito à informação, ao sustentar por quatro anos o projeto que colocamos em prática na Radiobrás.

Os caminhos são muitos e possíveis, mas vão depender justamente de uma opção estratégica de superação da dependência da comunicação privada. A própria sugestão de Kucinski, de criação de um sistema público nacional de comunicação, é muito bem-vinda. Concordamos que esse é um dos caminhos possíveis. Mas ela será, sem dúvida, debatida no primeiro Fórum Nacional de TVs Públicas, chamado pelo Ministério da Cultura em parceria com a Radiobrás e a TVE (nota 11).

Nesta segunda-feira, 27 de novembro, no Rio de Janeiro, com presença do Ministro da Cultura, Gilberto Gil, foi lançado um diagnóstico inédito sobre o setor. Em dezembro, reuniremos mais de 80 pessoas envolvidas com esse debate para discutir o futuro da comunicação pública no Brasil. E,
em fevereiro de 2007, um grande encontro resultará na elaboração de uma proposta de política para o Brasil, que possa auxiliar o governo Lula a seguir avançando no caminho da democratização da comunicação.


Notas
(1) A Radiobrás, infelizmente, como parâmetro - http://www.revistaforum.com.br/vs3/artigo_ler.aspx?artigo=5bef26cb-8d8d-4539-9f84-553d28dfc9cc&pagina=3&Query=&Assunto=&Edicao=&Autor=
(2) A Radiobrás no governo Lula - http://cartamaior.uol.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3408
(3) O planejamento estratégico não é privilégio de organizações privadas e capitalistas. Uma das melhores contribuições à idéia partiu do governo Salvador Allende, que apostou no uso de metodologia para garantir a reorganização do Estado.
(4) Ver O Jornalismo, na barra superar de navegação da página da Agência Brasil (
http://www1.radiobras.gov.br/jornalismo.htm)
(5) Lima, Venício Arthur de. “A Cobertura da Crise Política: presunção de culpa, in Mídia – Crise Política e Poder no Brasil”, São Paulo, 2006, Editora da Fundação Perseu Abramo.
(6) Exemplos são as coberturas da Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (
http://www.radiobras.gov.br/saudedotrabalhador/) e do Meio Ambiente (http://www.radiobras.gov.br/especiais/conf_meio_amb/)
(7) Veja
http://www.radiobras.gov.br/especiais/gestaodeflorestas/
(8) Veja http://www.radiobras.gov.br/especiais/cupulaaspa/#
(9) Veja http://www.radiobras.gov.br/especiais/dupli_101/
(10) Veja http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2006/10/16/materia.2006-10-16.3108308783/view
(11) Veja http://www.agenciabrasil.gov.br/coberturas-tematicas/2006/11/22/cobertura_tematica.2006-11-22.6916409674



* Colaborou Aloísio Milani, jornalista, editor-executivo da Agência Brasil.

Rodrigo Savazoni, jornalista, é editor-chefe da Agência Brasil.


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