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Mídia
Jornalista debate papel da ONG Repórteres Sem Fronteiras

Por Altamiro Borges

A ONG Repórteres Sem Fronteira, que afirma “defender a liberdade de expressão e de imprensa”, possui uma rede de “jornalistas” espalhados por 130 países. Com sede em Paris, ela divulga periodicamente seus relatórios sobre “prisões, assassinatos, ameaças e censuras aos meios de comunicação”. No geral, estes documentos são incoerentes e polêmicos. Eles centram seus ataques nos governos contrários à hegemonia das potências capitalistas, mas também reservam tímidas críticas às nações imperialistas. Neste último relatório, a organização faz acanhadas críticas ao governo George Bush que, “sob o pretexto da segurança nacional, tem limitado o acesso à informação”, justifica Lucie Morillon, chefe da ONG em Washington.

O relatório também cita o Brasil, que surge em 75º lugar no estranho “ranking da liberdade de imprensa”. Os EUA, que vivem uma fase regressiva de censura e autoritarismo, aparecem estranhamente em melhor colocação (57º); já todos os países do chamado “eixo do mal”, segundo a clássica definição de George W. Bush, estão nos últimos lugares deste tal ranking – Cuba (165º), China (163º) e Irã (161º), juntos com o “pior de todos”, a Coréia do Norte (168º). “Escrever sobre temas sensíveis, como corrupção, narcotráfico e desflorestamento, pode ser muito perigoso, fora das grandes cidades do Brasil”, explica Morillon, que, por residir nos Estados Unidos, deve entender bastante de “corrupção, narcotráfico e desflorestamento”.

“Obsessão doentia contra Cuba”

A ONG de origem francesa Reporters Sans Frontières (RSF) foi fundada em 1985 pelo jornalista Robert Ménard. Adepta da visão liberal-burguesa de democracia, inicialmente concentrou seus ataques aos países do bloco soviético, acusados de serem “autoritários e contrários à liberdade de imprensa”. Mas o seu alvo predileto sempre foi a revolução cubana. Tanto que Cuba já solicitou várias vezes sua exclusão do comitê de ONGs das Nações Unidas. Segundo o professor Salim Lamrani, doutor pela Sorbonne e autor de um elucidativo artigo no site Resistir, “Robert Ménard sofre de uma doentia obsessão contra a revolução cubana e reúne em si todos os vícios e desmandos de que o jornalismo e os jornalistas são capazes”.

Segundo denuncia, “a RSF diz defender os jornalistas encarcerados e a liberdade de imprensa. Conversa! A organização, financiada pelo milionário francês François Pinault e com a benevolência do comerciante de armas Arnaud Lagardère, fez da manipulação da realidade cubana o seu principal negócio... Ménard arremete contra a ilha socialista, declarando que ‘para os Repórteres Sem Fronteira, a prioridade na América Latina é Cuba". No barômetro da liberdade de imprensa da RSF, a situação da Colômbia – onde mais de cem jornalistas foram assassinados em dez anos – é qualificada apenas como "difícil". Já a situação cubana, onde nem um só jornalista foi assassinado desde 1959, é qualificada de ‘muito grave’”.

Casos Mumia Abu-Jamal e Al Jazira

Lamrani lembra da situação dramática do jornalista estadunidense Mumia Abu-Jamal, “que apodrece na prisão há mais de vinte anos, por um crime que não cometeu, mas não interessa a RSF”. Cita também o bombardeio de uma estação de rádio e TV sérvia, durante a Guerra do Kosovo, em abril de 1999, que resultou a morte de uma dezena de jornalistas. “Em 2000, quando a RSF publicou o seu informe anual, essas vítimas não foram contabilizadas”. Refere-se ainda aos bombardeios dos EUA à sede da TV Al Jazeera, do Catar, durante as guerras do Afeganistão e do Iraque, que também não receberam as devidas condenações desta organização “não-governamental”, apesar da morte de dois jornalistas.   

O professor francês registra outros fatos lamentáveis para provar que a RSF é dura nas críticas a governos não alinhados, mas é afável no trato ao imperialismo e aos barões da mídia. Ela relembra um deprimente perfil do próprio Robert Ménard, publicado em março de 2001. Para ele, não seria aconselhável condenar a manipulação da mídia francesa porque “corremos o risco de desagradar certos jornalistas, inimizá-los com os patrões da imprensa e enfurecer o poder econômico. Para nos midiatizarmos (sic), precisamos da cumplicidade dos jornalistas, do apoio dos patrões da imprensa e do dinheiro do poder econômico”.

Silêncio diante do golpe na Venezuela

Na fase recente, a RSF também passou a satanizar o presidente Hugo Chávez. Quando do frustrado golpe de abril de 2002, que teve como pivôs os principais donos da mídia venezuelana, Ménard não levantou a sua voz em defesa da “liberdade”. Pelo contrário. Segundo reportagem dos estadunidenses Jeb Sprague e Diana Barahona, publicada em agosto na Réseau Voltaire, a RSF incentivou a brutal campanha midiática de preparação do golpe. Ela inclusive teria recebido subvenções da National Endowment for Democracy (Fundação Nacional para a Democracia – NED), que é financiada pelo governo dos EUA e por poderosas corporações e é acusada de ser uma filial da CIA, para cumprir esta missão nada democrática.

Ainda segundo os dois jornalistas estadunidenses, a NED “foi criada pelo governo de Ronald Reagan, em 1983, para ressuscitar os programas de infiltração da CIA na sociedade civil”. Por acaso, a mesma Lucie Morillon, citada acima, é diretora-executiva da NED e porta-voz da RSF nos EUA. Em recente entrevista, ela admitiu que o Instituto Republicano Internacional (IRI), um dos satélites da NED ligado diretamente ao partido de Bush, “subvencionou, durante pelo menos três anos, os Repórteres Sem Fronteira”. Além de apostar na desestabilização do governo bolivariano, a RSF também contribuiu para o golpe que derrubou o presidente Jean Bertrand Aristides, em 2004, no Haiti, conforme denúncia do jornal New York Times.

A ONG francesa nega terminantemente a grave acusação. Afirma que apenas promoveu uma campanha internacional de denúncia contra o assassinado do jornalista Jean Dominique, diretor da Radio Haiti Inter, que teria ocorrido durante o governo de Aristides. Pura mentira! Dominique foi assassinado bem antes da chegada de Aristide ao governo. Segundo o New York Times, a tal campanha mundial foi financiada pelo IRI. “O presidente Bush nomeou como seu presidente [do IRI] Lorne Craner, para dirigir os esforços pela democracia. O Instituto, que trabalha em mais de 60 países, viu triplicar seu financiamento federal em três anos, de US$ 26 milhões em 2003 para US$ 75 milhões em 2005”. E repassou dólares à RSF.

As misteriosas subvenções à RSF

A questão do financiamento da RSF, curiosamente rotulada de “organização não-governamental”, sempre despertou suspeita. Ela até mantém no seu site um campo dedicado às suas receitas, mas não divulga as fontes. Em recente entrevista, publicada no Observatório de Imprensa, Robert Ménard garantiu que “mais de 50% do orçamento dos Repórteres Sem Fronteira vêm da venda de revistas de fotografia; um quarto do financiamento vem da União Européia e outra quarta parte do orçamento vem das operações especiais, de doações e leilões”. Estranhamente, porém, o mesmo fundador da RSF já havia revelado em seu próprio livro que a Comissão Européia subvencionava 44% dos seus recursos. Os números não batem!

Os mais céticos, porém, não vacilam em denunciar que esta e outras ONGs “humanitárias” são bancadas por poderosas corporações empresariais e pelos governos das potências capitalistas. Num texto intitulado “O caixa-2 das ONGs”, o jornalista Gianni Carta foi peremptório: “Com o intuito de difundir aquilo que entende por ‘democracia’, o presidente norte-americano George W. Bush não somente invadiu o Iraque em 2003 e apoiou Israel na recente carnificina no Líbano, mas também estaria usando organizações não-governamentais, por vezes infiltradas pela Central Intelligence Agency (CIA), para influenciar o cenário político mundo afora”. Entre outras, ele cita explicitamente a Reporters Sans Frontières, “alimentada, em grande parte, por dólares de Washington” para realizar atividades secretas em vários países.

Soros, Murdoch e os “projetos humanitários”

O próprio Robert Ménard, numa conferência em Quebec (Canadá), em 2005, foi obrigado a confessar a existência destes subsídios. Quanto ao apoio do governo terrorista de George W. Bush, ele não titubeou: “Recebemos dinheiro da NED e isso não nos cria nenhum problema”. Já no que se refere aos subsídios da União Européia, explicou: “Parece-nos indispensável que a EU outorgue apoio às agências da imprensa independente, assim como às organizações de sindicalistas, economistas e outras”.    

Outra fonte de verba, segundo Gianni Carta, seria a Fundação Soros, do mega-especulador George Soros. “Em 2004, essa fundação alocou 1,2 milhão de dólares para as ONGs realizarem ‘projetos relacionados à eleição’ na Ucrânia, em favor da chamada Revolução Laranja de Viktor Yuschenko”, um liberal confesso. Outro magnata, dono de um império midiático mundial, o australiano Rupert Murdoch, também cultiva o hobby de bancar “entidades humanitárias”, logicamente sem qualquer interesse.

Já o jornalista Jean Allard descobriu que “as campanhas publicitárias anticubanas mais mentirosas da RSF foram concebidas e montadas pela Publicis, gigante mundial da publicidade, que tem, entre seus clientes, o Exército dos EUA e a Bacardí”. A Saatchi&Sasstchi, a mais famosa agência de Nova Iorque e metida em todas as campanhas anticastristas, também presta seus “serviços gratuitos”. Allard revela ainda que “são conhecidas as relações de Ménard com personagens da extrema direita de Miami que se dedicam a atacar Cuba, usando todos os meios possíveis, até o terrorismo. Sabe-se também que ele mantém relações com Freedon House, do antigo agente dos serviços secretos Frank Calzon”, um notório terrorista.

Papel oculto dos donos da mídia

Com este tenebroso currículo, um artigo do Le Monde Diplomatique, assinado por Maurice Lemoine, não vacila em afirmar que a ONG Repórteres Sem Fronteiras pratica “golpes sem fronteiras”. “Pretendendo ‘defender o direito de informa e de ser informado’, conforme o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a RSF ignora deliberadamente o papel não oculto dos proprietários dos meios de comunicação. Mas a organização não tem escrúpulo algum em fazer do governo de Hugo Chávez – que jamais atentou contra as liberdades – um dos seus alvos privilegiados na atualidade”.

Já para Gianni Carta, a badalada RSF é uma fraude. “O mais incrível é que ela, ainda hoje dirigida por seu fundador, Robert Ménard, não faz o que deve: proteger jornalistas injustiçados. Sami Hajj, da teve Al Jazeera, foi preso, torturado e abusado sexualmente na Baía de Guantánamo. A organização do senhor Ménard não se manifestou. Giuliana Sgreana, jornalista do diário italiano Il Manifesto, foi libertada no Iraque no ano passado, e o agente de inteligência, Nicola Calipari, responsável pela operação, morreu protegendo-a de mais de 300 rajadas provenientes das metralhadoras de soldados americanos. Até hoje ninguém sabe o que realmente aconteceu. A RST não tem uma posição clara sobre a morte de Calipari”.

 Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Ed. Anita Garibaldi, 2ª edição).

 


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