Comunica��o Alternativa
Reportagem “isenta”, propaganda e a nossa boa comunicação popular
Publicado em 5.06.13 - Por Alan Freihof Tygel* Eu nunca frequentei uma faculdade de jornalismo, mas posso imaginar que os professores preguem que um repórter deve ser isento ao fazer uma reportagem. Fazer um bom planejamento, ter um objetivo claro, colher muitos dados, ir à campo, ouvir todas as partes em igual proporção, escrever um texto objetivo e sem ideologias, e deixar que o leitor tire suas conclusões. Não é isso? É bem nessa hora que nós, comunicadores populares empunhamos nossas metralhadoras de argumentos para dizer que nada no mundo é neutro, que nenhuma reportagem é isenta, que sempre existe a indução para um lado, que a grande imprensa tem que prestar contas para seus anunciantes, tem que vender jornal, que tem rabo preso com o governo, etc, etc, etc. (Imagino que na faculdade de jornalismo também não recomendem o uso do etc, certo?) A reflexão que gostaria de fazer aqui é justamente sobre o caminho entre esses dois polos. De um lado, o jornalismo supostamente isento, de outro, o militante supostamente jornalista. O fato cinicamente “puro”, e a notícia escancaradamente posicionada. Pra começar, quero deixar claro pra quem não me conhece: sou comunicador amador (no sentido de amar a comunicação, e de não fazer isso como minha fonte de renda), e como todo militante, muitas vezes tendo que bater o escanteio e ir pra área cabecear (coordenar uma atividade, fazer uma fala e ainda escrever a matéria depois, por exemplo). Definitivamente, não falo de uma poltrona de redação, com ar-condicionado e um telefone à disposição. Nosso objetivo é claro: queremos, através da comunicação, convencer. Convencer que os movimentos sociais não são criminosos, convencer que a nossa luta é por uma sociedade mais justa, convencer de que a sociedade que vivemos hoje é perversa, injusta, desigual e caminha para o abismo, e por fim, convencer de que há uma saída e que ela não está nas mãos de nenhum deus e nem do deus mercado. Partindo destes pressupostos, o natural é que comecemos, nós comunicadores militantes, a escrever peças de propaganda. Viva o socialismo, abaixo os agrotóxicos, fora privatização, sempre Hugo Chávez, a Globo mente, viva o MST. Mas será que isso convence? Será que o público com quem queremos nos comunicar é tocado por esses “slogans”? Será que a gente tem ideia do público com quem vamos dialogar? Será que estamos dialogando, ou tentando empurrar nossa ideologia goela abaixo? O convencimento passa, necessariamente, por uma boa reportagem. Jamais vamos convencer alguém sem um embasamento forte, concreto. Aliás, o hábito de se questionar cai muito bem nessas horas, porque jamais vamos convencer alguém se não conseguirmos nos convencer a nós mesmos. Próxima pergunta, já parcialmente respondida no primeiro parágrafo: mas então, que diabos é uma boa reportagem? Argumentos, dados, fatos (e fotos!) convencem. Vozes, falas, sentimentos coletivos, ambientes, gestos convencem. Adjetivos não. Agrotóxicos são feios e agroecologia é linda, ou pesquisa da Fundação Osvaldo Cruz mostra que agrotóxico causa câncer na bexiga e MST produz 14,5 toneladas de arroz agroecológico no RS? Qual das duas convence, qual das duas dá mais trabalho de escrever? Outro elemento fundamental para um texto que consiga convencer alguém é a coerência. O leitor deve ser levado pela mão por uma linha de argumentações coerentes para que ele entenda o problema, veja os argumentos, e possa ser levado à chegar na conclusão. Sem puxar muito rápido, sem deixar a mão solta. A ligação entre cada ideia é fundamental. Na ânsia da tentativa de convencer, acabamos inventando relações de causa-efeito das mais esdrúxulas. Voltando novamente ao primeiro parágrafo, em que trazia alguns elementos para uma suposta boa reportagem, foi colocada a questão da ideologia. Ou melhor, da ausência dela. Mas será mesmo possível construir um texto livre de ideologias e deixar que o leitor tire suas próprias conclusões? “O policial atirou no suspeito.” A ideologia, ou seja, a visão de mundo que todos nós carregamos e que transborda dos nossos seres, não vai ficar de fora nem de meia frase que a gente escreva. A começar pela própria escolha do que é uma notícia e do que não é. (Entrando já em outro assunto, a grande magia da comunicação comunitária é convencer as pessoas que o dia a dia delas é notícia, de que um mutirão feito no assentamento é notícia, de que a história da favela é notícia, e de que o atropelamento da Ana Maria Braga não necessariamente é notícia). A partir da escolha de que um fato é notícia, cada palavra, cada conceito traz em si as marcas da visão ideológica. “O homem deu um tiro na criança” poderia narrar o mesmo fato concreto (se é que existe mesmo um fato concreto), referenciando o policial não pela sua profissão mas pelo seu gênero, e o alvo não pelo que o policial pensou, mas pela sua idade. É, portanto, inútil ou cínico pensarmos em querer retirar a ideologia de um texto. Além disso, por mais que um bom jornalista da Veja faça um texto fantástico, embasado e equilibrado sobre o movimento social, existe a edição. E por mais que saibamos que os urubus da família Civita não passem na mesa de cada jornalista, a capa da revista não sai sem sua opinião. A capa do Globo não sai sem a opinião dos Marinhos, nem nenhuma matéria do Jornal Nacional. Nós, comunicadores militantes, temos sim uma posição, temos sim um lugar do qual falamos, e temos sim um objetivo claro com a nossa comunicação. E a melhor forma de cumprir este objetivo é fazendo reportagens bem feitas. Coerentes, embasadas, com diferentes visões, poucos adjetivos e muitos dados, poucas palavras de ordem e muitas fontes, falas, vozes, sentimentos, cores e cheiros. E viva a boa comunicação popular. * Reflexões minhas a partir da aula de reportagem do professor da PUC-RJ e repórter dO Globo Chico Otávio aos alunos do curso de comunicação comunitária do Núcleo Piratininga de Comunicação.
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