Por NPC
Produção de Mario Pedrosa como historiador da arte é tema de pesquisa na Unesp
[Por
Marina Schneider] Na semana passada a
Livraria Antonio Gramsci recebeu a visita de Lucas Nunes, historiador e
mestrando da Unesp que está estudando a obra do intelectual e crítico de arte
Mario Pedrosa.
Professor de filosofia no Ensino Médio
em Assis, no interior de São Paulo, Lucas esteve no Rio para conhecer o acervo
de Mario Pedrosa na Biblioteca Nacional. No momento, ele se dedica
exclusivamente à pesquisa sobre Pedrosa, um dos principais pensadores da
realidade do país e que conseguiu unir a militância de esquerda ao pensamento
crítico sobre a arte e a sociedade, na sua opinião. “Com o avanço do
neoliberalismo, o pensamento de esquerda no Brasil e no mundo ficou um pouco em
baixa. Mas quando você começa a ler Mario Pedrosa parece um bálsamo, serve para
você se não se desviar”, afirma. Nesta entrevista ele fala um pouco sobre a
obra de Pedrosa e sobre sua pesquisa Mario
Pedrosa e a desmistificação da missão francesa de 1816, na qual investiga a
produção do intelectual no campo da história da arte.
BoletimNPC - Quem foi Mário Pedrosa?
Lucas
Nunes - Além de ter sido um dos
primeiros trotskistas no Brasil, Mário Pedrosa é muito conhecido como sendo um
dos primeiros críticos de arte stricto
sensu. Antigamente falar de arte era
uma coisa muito anedótica. Em 1933 Mario deu a conferência "As Tendências
Sociais da Arte de Käthe Kollwitz", analisando a obra desta artista por um
viés marxista, o que foi pioneiro no Brasil. Ele teve uma grande produção de
artigos e trabalhou nos principais jornais do Rio e Janeiro. Foi um dos
primeiros, em 1970, a usar o conceito de arte pós-moderna, que só começou a ganhar
ênfase nos anos 1980 e 1990. Mario Pedrosa é vanguarda, sua obra é muito
grande, muito rica e pouco estudada.
Todo o trabalho de Mario Pedrosa era
muito antidogmático. Na segunda metade da década de 1920, então membro do
Partido Comunista Brasileiro, ele ia para a União Soviética fazer um curso de
lideranças, mas ficou doente. Acabou indo estudar na Universidade de Berlim. Na
Alemanha lutou contra os nazistas. De volta ao Brasil, foi um dos organizadores
da passeata que fez frente à marcha dos integralistas, em 1933, em São Paulo.
Foi a única vez em que stalinistas, trotskistas, anarquistas e democratas se
juntaram para fazer frente a algo. Na década de 1980 ele defendeu a criação do
PT e foi um dos que deu suporte intelectual para que o partido fosse criado.
Assinou a ficha número 1.
Fico impressionado em ver como ele fazia
várias coisas ao mesmo tempo: era crítico de arte, dava aula, participava dos
movimentos culturais, do grupo concretista no Brasil. Com o avanço do
neoliberalismo o pensamento de esquerda no Brasil e no mundo está meio em
baixa. Mas quando você começa a ler Mario Pedrosa parece um bálsamo, serve para
você se reorientar. Ele é um exemplo que acalma e faz com que você não se
desvie.
Ele sempre teve uma coerência e sempre
acertou nas suas análises. Não estou dizendo que ele é um vidente (risos), mas
ele conseguia vislumbrar o que estava para acontecer. A sensibilidade que ele
tem, não só na arte, mas na percepção da realidade, é tremenda. Pouca gente
tem.
BoletimNPC
- Sobre o que é sua pesquisa?
Lucas
Nunes - Trabalho com Mario Pedrosa
como historiador da arte. Nos trabalhos que já existem sobre ele, geralmente a
ênfase é como crítico de arte, militante político, jornalista e até como
agitador cultural. Mas um trabalho sobre Mario Pedrosa como historiador da arte
ainda não existe, o que faz com que minha pesquisa, de certa forma, seja pioneira.
O objetivo do meu trabalho é fazer uma análise imanente da tese que ele
escreveu em 1955, com o título “Da missão francesa – seus obstáculos políticos”.
Ele era professor interino do colégio Pedro II e a tese é fruto de um trabalho
que fez para participar do concurso para professor contratado de História Geral
e História do Brasil. Ele fez inscrição para o concurso, mas não participou. Essa
tese ficou perdida e só em 1998 a professora da USP, Otília Arantes, publicou
uma coletânea de quatro livros com artigos do Mario Pedrosa. No terceiro livro,
chamado Acadêmicos e Modernos, foi
publicada esta tese sobre a missão artística francesa de 1816, na qual Debret e
outros artistas vieram ao Brasil.
A historiografia tradicional diz que
eles foram convidados por Dom João VI para vir ao Brasil formar a Academia
Nacional de Belas Artes. Mario Pedrosa afirma que eles não foram convidados,
mas vieram fugidos por serem bonapartistas e naquela época Napoleão ter sido
derrubado. Ou seja, vieram para o Brasil por terem uma chance de emprego,
vieram para sobreviver. Isso Mario Pedrosa apontou em 1955. Só hoje a
historiografia está voltando a isso. Ele era um crítico de arte, mas esse
trabalho como historiador foi muito acurado em termos de documentação e
análise. Ele não tem formação de historiador, mas é um intelectual. E o
trabalho dele como historiador é maravilhoso. Mario Pedrosa era um grande
pensador. Eu o comparo a outros intelectuais que pensaram o Brasil, como Sérgio
Buarque de Hollanda. Mario Pedrosa fez isso também, mas na parte da estética.
Ele quis entender o Brasil nessa linha de pensamento de esquerda.
BoletimNPC
- Como ele conjugou tudo isso com a militância política?
Lucas
Nunes - Mario Pedrosa sempre aliou
arte com política. Quem quiser estudar Mario Pedrosa tem que ter isso em mente.
No pensamento de Mario Pedrosa arte e política sempre andam juntas, mas nunca estão
sobrepostas. O trabalho de crítica de arte dele mudou, mas de acordo com as
circunstâncias da época. Em 1933 ele faz a análise da obra de Käthe Kollwitz
sob uma ótica marxista e afirma que os meios sociais se sobrepõem à arte. Em
1935, quando foi exilado, conhece a arte concreta nos Estados Unidos e isso
muda um pouco sua visão e ele passa a avaliar que o artista precisa ter
liberdade. Ele sai um pouco do marxismo ortodoxo, o que não quer dizer que ele o
negue. Ele passa a analisar a obra em si, o que amplia a visão. Na época em que
viveu em Nova York conheceu a obra do Alexander Calder, um artista americano,
famoso por ter feito muitos móbiles, e se encantou. Quando [Leon] Trotsky
escreveu o Manifesto por uma Arte
Revolucionária Independente, Mario Pedrosa também pegou muito disso.
Recomendo a leitura de Mario Pedrosa. Um
livro legal é o livro Mario
Pedrosa e o Brasil, coletânea organizada por José Castilho. Outro livro
interessante é O Itinerário Crítico,
da professora Otília Arantes.
Núcleo
Piratininga
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