Por NPC
Luiz Momesso fala do relançamento do livro José Duarte – Um maquinista da história
[Publicado em 22.05.13 - Por Marina Schneider - NPC]
O jornalista e professor Luiz
Momesso acaba de relançar José Duarte –
Um maquinista da história. O
livro traça o percurso de lutas deste ferroviário comunista e militante do
movimento operário que teve 36 prisões políticas, passando quase 17 dos seus 83
anos de vida encarcerado. A atuação de José Duarte se destacou tanto na
organização sindical, nas primeiras décadas de militância, como também na luta
contra a repressão, já no período da ditadura civil-militar. Organizou
sindicatos em São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Ceará, liderando.
Nesta entrevista exclusiva ao
Boletim NPC, Luiz Momesso nos conta sobre a vida de José Duarte, sobre o
processo de construção e os objetivos deste livro. O autor explica as razões e
o contexto das lutas das quais José Duarte participou para que se possa ter uma
visão mais geral das lutas dos trabalhadores no século XX. “A ótica que eu
tinha era fazer um livro não para exaltar uma figura, mas fazer um trabalho
político”, explica. “Escrevi o livro em
torno de uma vida que precisava ser preservada, mas é um trabalho com um
objetivo político, uma tarefa política. Na minha ótica, a gente vai construindo
a história e cada geração tem que assumir o que recebeu e colocar a coisa para
frente. Estamos na nossa vez, construindo a história. José Duarte também
construiu, foi um dirigente, um condutor. O conhecimento dessa história é
importante para que as novas gerações continuem construindo a história. Temos
que estar sempre recuperando a história das lutas”, afirma.
Luiz Momesso fala também sobre
seu livro Comunicação Sindical: limites,
contradições, perspectivas, lançado em 1997 e que está no prelo e deve sair
em breve. “O jornalista tem que estar sintonizado com os diretores e entendendo
que o trabalho dele não ser realiza sem a militância e o trabalho de “pé de
ouvido”, como se chama na fábrica”, destaca.
Lançado pela primeira vez em
1988, esta segunda edição traz o depoimento de Henrique Francé, médico que
cuidou de José Duarte no final de sua vida. Já aconteceram lançamentos em Goiânia,
São Paulo e Rio de Janeiro. Nesta sexta-feira, 24, José Duarte – Um maquinista da história será lançado na Escola
Popular Orocílio Martins Gonçalves, em Belo Horizonte, às 18h30. O livro está à
venda na Livraria Antonio Gramsci, no Rio de Janeiro, por R$ 20. Informações
pelo e-mail livraria@piratininga.org.br
ou telefone (21) 2220 4623.
Marina e Vito - NPC - Quem foi José Duarte? Por que narrar sua história e relançar este livro
neste momento, 25 anos depois da primeira edição?
Luiz Momesso - José Duarte era filho de
portugueses e seu pai era vinculado aos anarquistas. Primeiro trabalharam em
ferrovia em Santos e, depois, foram para a [Estrada de Ferro] Noroeste do
Brasil, em Bauru, no interior de São Paulo. É um lugar onde se juntou uma
classe operária e uma pequena burguesia ligadas à ferrovia muito cedo. José
Duarte começou a trabalhar na ferrovia bem jovem e, a partir do contato com os
anarquistas, com o jornal A Lanterna, entre
outros, ele vai se integrando à luta dos trabalhadores. É no período antes da
Segunda Guerra que ele começa a militar no movimento sindical. Torna-se um
líder na fundação de sindicatos - não só de ferroviários -, mas de muitos
sindicatos de outras categorias naquela região e é preso inúmeras vezes. Se
liga ao Partido Comunista em 1924, ainda bem jovem, aos 17 anos. Era uma pessoa
muito disposta, alegre, de luta, de enfrentamento e muito inteligente. A forma
como ele combatia uma série de coisas era muito interessante, sempre muito
ligado à vida e à prática e com o tempo foi se destacando. Quando houve o golpe
de Getúlio Vargas ele foi chamado várias vezes pelo próprio Getúlio, que queria
corrompê-lo, mas nunca conseguiu.
Então ele teve essa fase do
trabalho, era uma pessoa que valorizava muito o trabalho, se orgulhava de ser
um bom maquinista. Depois, com o golpe de 1964, ele passa à luta política mais
geral e se torna um quadro do partido de extrema confiança e capacidade na área
sindical. Orientou a formação de uma infinidade de sindicatos e nós nem temos
ainda informações sobre a real dimensão desse trabalho. O Sindicato dos
Metroviários de São Pulo, por exemplo, foi ele quem orientou a criação. Organizou
também a fundação de sindicatos na Bahia, Minas, Ceará. Há muitos relatos
concretos da atividade dele. Quando chegava em um lugar que não conhecia, por
exemplo, ia ao bar conhecer as pessoas...
Com as 36 prisões são quase 17
anos passados em cadeias José Duarte se destaca muito como organizador da
classe trabalhadora e na luta contra a repressão. Os torturadores nunca
conseguiram uma informação dele. E ele sempre via a prisão como uma trincheira
onde tinha que derrotar o inimigo. Ao invés de ser desmoralizado era ele quem
desmoralizava os torturadores. A vida dele é impressionante. Amelinha [Maria
Amélia de Almeida Teles, militante do PCdoB que foi presa e torturada durante e
ditadura] conheceu José Duarte dentro da Operação Bandeirantes e disse que a
liderança dele parecia “coisa de cinema”. O título do livro – José Duarte, um maquinista da história -
foi dado pelo César [Teles, marido de Maria Amélia, que também foi preso
durante a repressão].
Tentei trazer nesse percurso as
lutas das quais ele participou, mas não só as lutas. Procurei explicar também o
que eram essas lutas e por que estavam acontecendo, de forma que saísse uma
visão geral das lutas dos trabalhadores no século XX. A ótica que eu tinha era
fazer um livro não para exaltar uma figura, mas fazer um trabalho político.
NPC - Como você chegou a todas essas informações?
Luiz Momesso - Primeiro a partir de uma série de
entrevistas com ele. Depois, fui entrevistar pessoas que conviveram com ele
praticamente desde a infância. Nessa nova edição eu coloquei o depoimento do
médico que o atendeu até o momento em que morreu. Peguei muito o lado humano,
emocional e como as pessoas viam José Duarte. A partir daí eu confrontava com a
visão dele, perguntava para ele mesmo. Esse era o jogo para construir a figura de
José Duarte. Eu morava perto dele, em São Paulo, e quando ia a casa dele com
mais pessoas ficava quieto, observando.
Fui a Bauru, onde ele começou a
vida de trabalho. Para um marxista o trabalho é central, então eu valorizei
muito o trabalho neste livro. Ficava na Vila dos Ferroviários, onde entrevistei
várias pessoas. Lá encontrei um foguista que trabalhou com ele, o médico que
cuidou dele... Fui lá entender a vida dos ferroviários. Depois, vários deles leram
e se emocionaram, dizendo que o livro retratou um pouco da vida e do clima em
que eles viviam. Os ferroviários em geral eram muito orgulhosos da profissão. A
pesquisa, a escrita e a publicação foram feitas no ano de 1988.
NPC - Qual a importância de registrar esta e outras histórias das lutas de
trabalhadores e de outros movimentos sociais?
Luiz Momesso - As classes dominantes trabalham o
tempo inteiro para apagar a memória dos trabalhadores e uma pessoa sem memória
não sabe quem ela é. O conhecimento da história é fundamental para a formação
da consciência, da identidade de classe. Então uma coisa é levantar a história
e outra é o próprio conhecimento dos acontecimentos e das lutas do povo
brasileiro. Na questão da ditadura eu faço muitas descrições, às vezes
detalhadas, sobre como era a tortura. Nós vamos, inclusive, passar as
informações para a Comissão da Verdade porque ele citava muitos nomes quando dizia
que foi torturado. Tentei passar também a subjetividade da pessoa que foi
torturada, passar um pouco esse ambiente da tortura. O que é tortura? Lendo
este livro dá para se ter uma noção.
Escrevi o livro em torno de uma
vida que precisava ser preservada, mas é um trabalho com um objetivo político,
uma tarefa política. Na minha ótica, a gente vai construindo a história e cada
geração tem que assumir o que recebeu e colocar a coisa para frente. Estamos na
nossa vez, construindo a história. José Duarte também construiu, foi um
dirigente, um condutor. O conhecimento dessa história é importante para que as
novas gerações continuem construindo a história. Temos que estar sempre
recuperando a história das lutas.
NPC - Você escreveu também o livro Comunicação
Sindical: limites, contradições, perspectivas, lançado em 1997. Em linhas
gerais, o que você aponta neste livro? Pretende relança-lo ou atualizá-lo?
Luiz Momesso - O
livro está no prelo e vai ser relançado. Eu comecei a trabalhar em comunicação
sindical em 1966, quando era metalúrgico. E estudava também, para entender a
realidade. Vários livros que li na fábrica voltei a ler na pós-graduação. Quando
a ditadura estava implantando todos os meios de comunicação, de “conquista das
mentes” e eu fiz uma análise política de que a comunicação seria uma das coisas
mais importantes das décadas seguintes. Eu já tinha uma ligação com a
comunicação dos trabalhadores e resolvi estudar a comunicação. Primeiro fui
estudar a propaganda, mas vi que não tinha nada a ver. Depois estudei
jornalismo em São Paulo, trabalhei dois anos na grande imprensa, fui para o
movimento popular e, então, para o sindicato dos professores da rede pública em
São Paulo (Apeoesp), onde trabalhei como assessor de imprensa, já no final da
década de 1980. Nessa época eu já tinha mestrado e, depois fui apresentado a
Nazaré Ferreira, professora da USP que estudava comunicação sindical e fui
fazer o doutorado lá. Não tinha nenhuma pretensão de ser professor, queria
aprender. E lá havia um grupo bom de alunos estudando a comunicação sindical.
NPC - Da sua tese de doutorado saiu o livro?
Luiz Momesso - Isso.
Em 1978, 79 começou a profissionalização da comunicação sindical, que antes era
feita pelos próprios trabalhadores. Fui estudar esse processo e suas
implicações. Por exemplo, como um jornalista formado para a imprensa comercial
se encaixa em um sindicato? Usei a
dialética para entender essas contradições e daí surgiu o livro. Para a edição
que sai em breve não foi possível fazer uma atualização porque seria uma nova
pesquisa. Mas as coisas que escrevi lá não deixaram de ser atuais. Discuto a
relação da comunicação com o trabalho de organização da militância tentando
entender de um ponto de vista dialético. Analisei a relação da prática, da
luta, da militância, da organização [da obra] do Lênin.
NPC - Quais as principais dificuldades do
dia-a-dia da imprensa sindical que você diagnosticou naquela época e que se
mantém?
Luiz Momesso - Tentei
ver possibilidades e elementos que dessem uma visão mais materialista: não se
separa comunicação da luta. Essa é uma tendência muito forte do jornalista. Uma
preocupação minha era mostrar que é possível o jornalista influenciar os
diretores do sindicato. O jornalista tem que estar sintonizado com os diretores
e entendendo que o trabalho dele não ser realiza sem a militância e o trabalho
de “pé de ouvido”, como se chama na fábrica.
Quando
a dinâmica do movimento cai você pode manter uma publicação em grande
quantidade, mas ela vai se distanciar da prática. Vai haver uma distonia com a
vida sindical. Isso é uma das coisas que ficou muito clara na pesquisa. Outra
coisa foi que os partidos de esquerda sempre criaram jornais como polos de
aglutinação. O PT e a CUT nunca conseguiram criar porque a forma de organização
deles é diferente... Por causa da disputa entre as correntes nunca conseguiram
fazer um jornal.
Núcleo
Piratininga
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