Por NPC
Poder dos Estados Unidos na comunicação padroniza produtos culturais e estilos de vida
[Boletim NPC] Hoje a mídia é formada por grandes
conglomerados de alcance mundial, como Time Warner, Disney, Sony... Qual o peso
dos Estados Unidos nessa atividade e que consequências isso tem para a
diversidade informativa no mundo?
Os Estados Unidos hoje são os maiores vendedores de serviços do mundo e
de serviços de comunicação também. Eles praticamente controlam a distribuição
de internet no planeta e vendem mais filmes do que qualquer outro país. Mas
além de eles controlarem a internet e a difusão de informação, eles praticamente
modelam o formato da mídia dos outros países. Se pensarmos na televisão
brasileira, por exemplo, ela importa os tipos de programa. Os jornais
brasileiros copiam os formatos dos americanos, suas fontes de informação são as
publicações americanas. Além disso, os americanos estão comprando jornais em
outros países. O El País não é mais espanhol,
é americano porque o Grupo Prisa, ao qual o jornal pertence, é de capital
aberto e de propriedade dos americanos. Este grupo possui a editora Santillana,
que comprou a editora Moderna e hoje é uma grande vendedora de livros
paradidáticos no Brasil. Tudo isso vai construindo uma espécie de rede mundial em
que os americanos têm maior peso. Esses grupos como Time Warner etc. produzem a
imagem, o conteúdo, compram jornais e jornalistas no mundo inteiro.
[Boletim NPC] E como são conglomerados eles
controlam toda a cadeia, produção, distribuição...
E depois acabam criando padrões que são copiados. Essa discussão sobre
a diversidade não é deve ser só a respeito da diversidade de conteúdos. É uma
diversidade de formatos e o resto vai junto. É mais ou menos como o que TV Globo faz com os sotaques locais. Ela
vai padronizando, padronizando... até criar um “padrão Globo” que se sobrepõe
ao resto do país. Os Estados Unidos fazem isso no mundo. O que eles fazem na
comunicação não é diferente do que eles fazem na indústria do automóvel ou na
indústria das roupas, por exemplo. A indústria de comunicação é apenas mais uma
das indústrias americanas.
[Boletim NPC] Mas o produto vendido por estes
grupos – a informação – não é diferente de outros como roupas e automóveis?
Essa é uma questão delicada, porque quando se vende um automóvel, na
verdade você vende um jeito de viver. Vamos comparar, por exemplo, quantos automóveis
há nos países europeus, no Japão e nos Estados Unidos. A diferença é brutal. O
modo de viver numa cidade europeia é diferente do modo de viver em São Paulo ou
numa cidade americana, pois numa grande cidade dos Estados Unidos o automóvel é
essencial. Isso não existe numa cidade europeia. Ter automóvel em Paris é uma
grande idiotice. Já os japoneses produzem muitos automóveis, mas não compram tanto
assim. Então não é só a venda do automóvel, é de um modo de vida. O mesmo
acontece com a roupa, a alimentação... Quando se espalha McDonald’s pelo mundo
inteiro você não está vendendo só hambúrguer, está vendendo uma filosofia de
vida.
No caso dos bens culturais isso é elevado à milésima potência. É
diretamente a venda de costumes, de hábitos. Usar calça comprida, nos anos 1950
ou 60, para uma mulher, não era bem visto, assim como fumar em público. Mas o
cinema transformou isso numa coisa comum. O hábito de fumar também foi
difundido pelo cinema. E todo rapaz queria fumar como os rapazes do cinema
fumavam. Com os bens culturais você vende mais que um jeito de viver, vende
valores e ideias.
E os americanos foram comprando tudo: radiodifusão, telefonia,
editoras... Então, a maior parte dos países tem muita dificuldade em ter
resistência à expansão da cultura americana. Além da compra de pacotes de programação prontos, por exemplo, os programas
aqui também copiam muito o padrão americano. A Globo talvez um pouco menos, por ser mais antiga e ter muita
produção, mas as outras redes fazem uma cópia caricata das TVs de Miami e dos programas
americanos em geral.
[Boletim NPC] Como você avalia o papel da
mídia estadunidense no caso dos atentados na Maratona de Boston, no mês
passado?
É um caso que repete todos os outros anteriores. Toda vez que acontece
algo do tipo há uma repercussão na mídia que é muito maior do que o próprio
caso. Não sei exatamente o que aconteceu ali, mas se sabe exatamente como atuou
a mídia. A cidade inteira foi transformada em um campo militar e a mídia se
unificou em torno disso. Parece um pouco com o que aconteceu com a mídia na
Guerra do Golfo, um patriotismo cego. A mídia à frente dos tanques. E,
curiosamente, em uma ocasião em que estava em discussão o controle da venda de
armas, a exigência de documentação para registro de armas de fogo. De repente
isso foi atropelado pelo espetáculo da mídia. Não sei se vai ter este efeito
mais adiante, mas pode ser que aconteça uma nova onda de xenofobia e de
vigilância em cima de “terroristas suspeitos usuais”. Porque a mídia reflete o
fato, amplia e cria outro clima. Esse
clima reforça a mídia e, dali a pouco você cria um círculo no qual a mídia
reforça o público e o público reforça a mídia. Mas nesse caso isso ocorre para
dentro do país. Na Guerra do Golfo era para pegar os “Estados bandidos”. No
caso de Boston era para ver os bandidos dentro do Estado. E a mídia virou um
uníssono.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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