Cidades
UPP é discutida por jovens comunicadores, especialistas e moradores de favelas
[Publicado em 16.04.2013 - Por Marina Schneider-NPC] As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e o controle da população favelada que está por trás desta estratégia foram os temas da aula-debate do Curso Avançado de Comunicação Popular promovida pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) no último sábado, dia 13 de abril. Orlando Zaccone, delegado da Polícia
Civil do Rio de Janeiro jogou luz sobre o que está embutido no projeto da
Secretaria de Segurança Pública do Rio com a instalação das UPPs nas favelas da
cidade. Junto com a professora da Fundação Getúlio Vargas, Sônia Fleury,
estudiosa o tema democracia, debateram questões de fundo que a questão da
segurança envolve. Apresentaram fatos sobre a militarização das políticas
públicas e o retrocesso democrático pelo qual o país parece estar passando. A aula contou também com a exposição
de dois moradores de regiões que convivem com a UPP. Deize Carvalho, do morro
Cantagalo teve o filho Andrew Luís Silva de Carvalho, torturado e assassinado no
Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), em 1º de janeiro de 2008. O segundo a contar suas experiências foi o jovem Diego Santos, morador do
Borel. Ambos deram depoimentos de quem vive o dia-a-dia de favelas com UPP. As
indicações dos participantes do debate foram feitas pelos próprios alunos do
curso.No encontro foi ressaltado o papel
que a mídia vem cumprindo. Ela divulga sempre como bem-sucedida e eficiente a atuação da política
estadual das UPPs..
UPP atende a interesses políticos e
empresariais Orlando Zaccone ressaltou que, mais
do que força, o projeto das UPPs exerce controle sobre a população favelada.
“Este é um projeto avançado de militarização da força pública”, apontou. “A UPP
não é uma criação carioca, é um modelo transnacional de imposição da paz”,
explicou. Para ele, os desvios de conduta dos policiais militares que trabalham
nas áreas de UPPs não são o principal problema desta política. “Está na hora de
ficarmos mais atentos às funções da UPP e menos atentos aos desvios de função”,
alertou Zaccone. Ele lembrou que o controle exercido pelo poder público nestas
áreas recai inclusive sobre a manifestação do pensamento. “Até que ponto é
necessário o cerceamento das liberdades para chegarmos à segurança?”,
questionou. Para a professora e pesquisadora da
GV, Sônia Fleury, a UPP é mera expressão do que está acontecendo de forma geral
com a democracia brasileira. “Há um estreitamento enorme da democracia no
sentido de se ter hoje um pensamento único”, afirmou, destacando a subordinação
da mídia - setor empresarial poderoso –
a este pensamento. Ela retomou o que havia sido dito por
Zaccone, quando apontou que há uma militarização da política pública em gerallém
disso, está havendo um alinhamento do processo decisório entre interesses
políticos e empresariais sem participação da população. Isto configura uma
ordem econômica muito menos democrática do que já houve. “Há um projeto sólido
de desmontagem do Estado de Direito e de subordinação da política pública aos
interesses empresariais”, disse.
A vida real na fala dos moradores
“Sou jovem, negro e favelado e pra
mim é um orgulho ser jovem, negro e morador de favela”, se apresentou Diego,
para quem os jovens são os mais perseguidos até pela polícia dita pacificadora.
Ele foi um dos organizadores da mobilização Ocupa
Borel, que reuniu centenas de pessoas na comunidade da zona norte do Rio no
dia 5 de dezembro do ano passado, em protesto contra o toque de recolher
imposto pela UPP do local. Diego relatou alguns exemplos de abordagens
violentas que tem presenciado e vivido mesmo após a chegada da UPP no Borel.
Ele falou da importância da mobilização para agregar jovens que muitas vezes
não se manifestam, mesmo sofrendo com ação policial que viola seus direitos
cotidianamente. A respeito de seu posicionamento
sobre as UPPs desabafou: “a polícia sempre entrou na minha casa sem bater na
porta, matou o meu vizinho, é muito complicado manter uma relação”. De acordo com Deize Carvalho - que já
foi chamada de “negrinha abusada” e de “indigente” por policiais – a UPP
chegou, mas a violência continua no Cantagalo. Deize contou que seu filho foi
assassinado por policiais em 2008 e que os outros dois filhos já foram
abordados de forma violenta. “A UPP nada mais é do que uma opressora do Estado
dentro das comunidades”, resumiu, afirmando que não é contra as UPPs. “Sou
contra as arbitrariedades cometidas por policiais”, concluiu. Turma visita Acari Como não poderia faltar em um curso
de comunicação popular, na parte da tarde, os alunos deixaram a sala de aula e
seguiram para a favela de Acari, na zona norte do Rio. Foi um banho de
realidade, para ver de perto a vida de uma das regiões com o menor Índice de
Desenvolvimento Humano da cidade. Gentilmente recepcionados e guiados por Wanderley
da Cunha, conhecido como Deley de Acari, liderança comunitária histórica desta
região que não possui UPP, a turma visitou a favela e pôde conhecer de perto a
realidade e parte da história daquela comunidade. Ao final da visita, Deley
destacou a importância do trabalho de jornalistas comprometidos com os fatos e
que tratem dos acontecimentos nas favelas de forma respeitosa, não ouvindo apenas
as fontes oficiais, como geralmente acontece. De acordo com Alan Tygel, aluno do
NPC, “passar o dia em Acari foi mais ou menos como sair do Rio de Janeiro. Mas
aí você pergunta: ué, Acari não fica no Rio? Bom, se for o Rio de Janeiro que o
jornal, o rádio, o cinema e a TV nos mostram, definitivamente não. Longe da
Zona Sul, longe da praia, habitado por gente humilde e trabalhadora, a favela
de Acari é o oposto da cidade da ordem que a prefeitura se orgulha em mostrar.
E por estar fora da rota turística-futebolística-olímpica, jamais vai ser
"revitalizada" ou "pacificada": não há interesse econômico,
nestas zonas. O problema, a única coisa que se esqueceu, é que a maioria das
pessoas da real cidade do Rio de Janeiro mora em lugares como esse”.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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