Entrevistas
Operação Condor: Entrevista especial com Jair Krischke
Os
novos documentos adquiridos pela Comissão da Verdade,
ao investigar a Operação
Condor, tendem a confirmar a hipótese de Jair Krischke: a
Operação foi criada pelo Brasil e operava desde dezembro de 1970. Há mais de 40
anos dedicando-se à historiografia da ditadura militar, Krischke participou da
audiência pública realizada pela Comissão
da Verdade na última segunda-feira, 18-3-2013, em Porto Alegre,
e apresentou novas provas da ação militar durante a ditadura brasileira. Entre
elas, relata à IHU
On-Line a entrevista que realizou com o único sobrevivente da
Primeira Operação Condor.
“A conversa com ele foi impressionante, porque eu tenho documentos que
confirmam o que ele disse. Isso aconteceu em 1970 e ele tinha apenas 18 anos”.
Na entrevista a seguir,
concedida por telefone, ele diz que novos documentos confirmam a atuação da Operação Condor
depois da Anistia, e a hegemonia dos militares brasileiros na América Latina.
“Os militares brasileiros, com essa postura hegemônica na região, nunca
quiseram estabelecer ações coletivas com os militares de outros países; eles
sempre preferiram a forma bilateral, tratando cada caso com cada país em sua
particularidade. Outra característica brasileira era agir de forma a não deixar
impressões digitais. Os militares agiam sempre com uma cautela extrema, nunca
permitindo que se vislumbrasse a possibilidade de deixar marcas para depois
acusar o Brasil”, assinala.
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Jair Krischke
(foto abaixo) é ativista dos direitos humanos no Brasil, Argentina, Uruguai,
Chile e Paraguai. Em 1979, fundou o Movimento
de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, a principal
organização não governamental ligada aos direitos humanos da região sul do
Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são
as novidades apontadas pela Comissão da Verdade em relação à Operação Condor? Jair
Krischke – Nós avançamos no sentido de obter uma
documentação nova. Em meu primeiro depoimento à Comissão da Verdade, em novembro do ano
passado, sinalizava que o criador da Operação
Condor foi o Brasil. Venho insistindo nessa posição há algum
tempo e até fui insistente naquela intervenção, dizendo que não tenho vocação
para colonizado.
Digo isso porque o belíssimo livro escrito por um jornalista norte-americano
aponta que a Operação
Condor foi criada em Santiago do Chile, numa reunião onde
participaram os países do Cone Sul, em novembro de 1975. E eu digo que não. Já
em dezembro de 1970, a Operação
Condor agia no Brasil, com o nome de “Busca no exterior”.
Quer dizer, de 1970 a 1975 ocorreu o que chamo de fase Condor “pagão”, porque o
batismo aconteceu só em 1975. Temos documentos que provam perfeitamente o que
eu estou afirmando. São documentos da repressão brasileira.
A segunda operação documentada é de 1971. Então, nos cabe também examinar o
pensamento militar brasileiro, que sempre se impôs na América Latina, e só
competia com a Argentina. Os militares brasileiros tratavam a Argentina de
igual para igual, mas tinham uma postura de superioridade com os militares
uruguaios, chilenos, paraguaios, bolivianos e peruanos, que vinham ao Brasil
fazer os cursos de aperfeiçoamento.
Os militares brasileiros, com essa postura hegemônica na região, nunca quiseram
estabelecer ações coletivas com os militares de outros países; eles sempre preferiram
a forma bilateral, tratando cada caso com cada país em sua particularidade.
Outra característica brasileira era agir de forma a não deixar impressões
digitais. Os militares agiam sempre com uma cautela extrema, nunca permitindo
que se vislumbrasse a possibilidade de deixar marcas para depois acusar o
Brasil.
Mostrei que mesmo o Brasil tendo comparecido à reunião em Santiago do Chile,
com dois representantes, os quais se disseram apenas observadores e não
assinaram a ata, isso não significa que depois desse momento o país deixou de
operar. Pelo contrário, continuou com parcerias muito claras.
Confirmou-se a atuação da Operação Condor em 1980, portanto, depois da Anistia. Um
dos casos é de 12 de março de 1980, no Aeroporto Galeão, no Rio de Janeiro,
onde, em parceria com a repressão argentina, dois argentinos foram retirados de
um voo, levados para a Argentina e até hoje estão desaparecidos. Depois, em
junho, quando da visita do Papa a Porto Alegre, duas pessoas foram sequestradas
em Uruguaiana: o padre Jorge
Oscar Artur e um jovem estudante de medicina, Lorenzo Ismael Viñas.
Ainda há registro de um caso que ocorreu em 1989 no Rio de Janeiro. Diante
desses casos, fica muito claro qual foi e qual tem sido a postura dos militares
brasileiros.
IHU On-Line – Dados
compilados pelo colegiado indicam que mais de 300 pessoas foram presas naquele
período, dos quais 70 eram militantes de organizações de oposição ao regime
militar. Como está o processo de identificação dessas pessoas?
Jair Krischke –
Este processo foi encaminhado e está na fase final, de check-up, para que em
seguida se possa tornada pública a lista dessas mais de 300 pessoas
desaparecidas.
IHU On-Line – Como
aconteceu o trabalho de investigação desse período da história? Além dos
documentos que o senhor havia arrecadado, conseguiu mais alguma prova da
operação Condor?
Jair Krischke –
Iniciei a pesquisa da Operação
Condor tratando de arquivos do Serviço Secreto. Como sabemos, os arquivos militares são
fechados, e seguidamente os militares dizem que eles foram queimados. Essa é
uma absoluta mentira, a qual consegui provar ao analisar os arquivos do Departamento de Ordem Política e
Social – DOPS, do Rio Grande do Sul, que foi o único estado a
declarar publicamente que havia queimado os arquivos. Provamos que esses
arquivos foram microfilmados e se encontram hoje no Comando Militar do Sul.
Tenho dito – e não escuto falar sobre isso no Brasil – que seria necessário examinar
os arquivos da Polícia Federal, porque ela também foi um braço da repressão, e
estes arquivos existem e devem ser buscados.
Sobrevivente da Operação
Condor
A novidade em relação à Operação Condor – a qual referi também à Comissão da
Verdade – é uma entrevista que realizei, no dia 16 de janeiro de 2013, com o
único sobrevivente da Primeira Operação Condor. Eu estive no Rio de Janeiro e
tomei um longo depoimento dele. As vítimas da Operação Condor foram o coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório,
seu filho, também de nome
Jefferson, e seu sobrinho. O coronel Jefferson faleceu, o
sobrinho faleceu, mas o filho está vivo e mora no Rio de Janeiro. Eu o
entrevistei longamente. Gravei a entrevista e a entreguei à Comissão Nacional da Verdade. Ele confirma e até amplia
alguns detalhes que não estão no documento, e conta que só se salvaram porque o
avião da Força Aérea Brasileira, que foi buscá-los em Buenos Aires, era um
avião que serviu ao Ministro do Trabalho, Dr. Júlio Barata. Por estas coisas da vida,
o Dr. Júlio Barata
era casado com uma prima do coronel Jefferson,
e salvou a vida deles.
IHU On-Line – O que ele
relatou especificamente?
Jair Krischke
– Ele confirmou a prisão e contou como foram presos: saíram de Montevidéu com a
intenção de ir ao Chile juntar-se a outros brasileiros que lá estavam exilados.
Mas, quando chegam ao porto de Buenos Aires, foram presos, levados pela Polícia
Federal e passaram quatro dias sob tortura. Depois foram levados para o
aeroporto, colocados no avião da Força Aérea Brasileira, onde também estava o
então embaixador do Brasil na Argentina, Azeredo
da Silveira, que depois veio a ser Ministro de Relações
Exteriores. Eles foram entregues na base aérea do Aeroporto Galeão, onde
ficaram presos por alguns meses e foram torturados.
A conversa com ele foi impressionante, porque eu tenho documentos que confirmam
o que ele disse. Isso aconteceu em 1970 e ele tinha apenas 18 anos. Falei com
ele 42 anos depois desse acontecimento. Ele mostrou documentos e chorou, porque
quem passou as informações de onde eles estavam foi um espião infiltrado. Ele
disse: “Esse cara vivia na nossa casa”. A informação que tenho é de que esse
espião ainda está vivo, mas não posso te dar detalhes sobre o caso, porque
ainda estou investigando e quero entrevistá-lo. Acertei com a Dra. Rosa Cardoso, que é
encarregada da Operação Condor na Comissão Nacional da Verdade, que nós vamos procurá-lo, mas
não quero agora alertá-lo.
IHU On-Line – A
audiência que aconteceu na segunda-feira, 18-3-2013, além de tratar da Operação
Condor, também retomou os debates sobre a morte do ex-presidente João Goulart,
ainda hoje motivo de controvérsias. Quais os principais pontos dessa discussão?
Jair Krischke –
Já em 2007 foi pedido ao Ministério Público Federal que investigasse a morte de
João Goulart.
De lá para cá, o pedido de investigação já foi arquivado duas vezes sob
alegação de que é impossível investigar o caso. Mas agora ele foi reaberto com
a novidade de que foi entregue, assinado e formalizado em documento à Comissão
da Verdade, expressando o desejo da família de que seja feita a exumação do
cadáver. Esse pedido faz algumas exigências, como a de que a equipe que fará os
exames seja altamente qualificada, reconhecida nacional e internacionalmente,
que disponha de equipamentos capazes de, transcorridos tantos anos, fazer uma
pesquisa ampla. Segunda-feira nós falamos que a morte de Jango é suspeita,
como a morte de Juscelino
Kubitschek, como a morte de Carlos Lacerda. Eram três políticos
brasileiros capazes de, num processo de transição, candidatarem-se e ganharem
as eleições num processo de transição.
O acidente automobilístico que matou Juscelino
nunca foi investigado seriamente. Carlos Lacerda estava
gripado, foi a uma clínica tomar uma injeção para gripe e morreu. Portanto, são
mortes suspeitas. Nesse período, houve vários assassinatos de políticos
latino-americanos importantes, como no caso do Uruguai, de Zelmar Michelini, Héctor Gutiérrez Ruiz,
na Bolívia, de Juan José
Torres, no Chile, do general Carlos Prats e, na Argentina, de Orlando Letelier,
assassinado em Washington. Por que houve esses assassinatos de políticos na
região do Cone Sul? Havia um receio de todas as ditaduras da região de que, se
os norte-americanos provocassem um processo de abertura, estes políticos seriam
eleitos e os militares teriam de prestar contas, o que eles não estavam
dispostos a fazer. Então, essas mortes são suspeitas como a morte de João Goulart. O
certificado de óbito de João
Goulart dizia “Causa mortis: enfermedad”. O médico que assinou
o atestado de óbito era pediatra, e as autoridades militares impediram que
fosse feita uma necropsia para determinar a causa da morte. E por que
impediram?
IHU On-Line – Como será
realizado esse processo de investigação? Será feito em tempo hábil pela
Comissão da Verdade?
Jair Krischke
– O prazo de exigência do trabalho da Comissão da Verdade termina em maio do
ano que vem. Portanto, todo o processo de investigação da morte de João Goulart, com
exumação, exames laboratoriais, só será concluído depois. Certamente a Comissão
já terá entregado o seu relatório e não terá mais poderes para nada, porque
terminou aquilo que lhe foi atribuído por lei. A Dra. Rosa Cardoso se
comprometeu em investigar o caso, mas também quer compartilhar essa
investigação com o Ministério Público Federal, porque encerrados os trabalhos
da Comissão, se for necessário, a investigação vai seguir.
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