M�dia
A mídia e o papa
* Por Celso
Vicenzi
Nos
últimos dias o noticiário sobre a eleição do novo papa tomou conta da mídia
brasileira. Entre o ufanismo inicial e o (quase) desapontamento final, seguem
algumas observações.
1. Não se
sabia, até a renúncia de Bento XVI, que o Brasil era um país com tantos
“jornalistas vaticanólogos”. Muitos deles sem nunca terem colocado os pés no
Vaticano. No máximo, como turistas.
2. Os nossos
“jornalistas vaticanólogos”, com raras exceções, divulgaram notícias que
oscilaram entre a obviedade e o triunfalismo. Mais fácil ler direto no Google.
3. Ao tomar
conhecimento de que outros “especialistas” apontavam o arcebispo de São Paulo,
dom Odilo Scherer, como um dos candidatos com boas chances, a cobertura
tupiniquim entrou em campo em clima de jogo de futebol. Brasil zilzil... Um
verdadeiro espetáculo de torcida organizada. Vai que é tua, Odilo!
4. Odilo foi,
viu,votou, mas não venceu. Deu zebra! Nenhum dos candidatos apontados pelos
jornalistas foi eleito. Tomaram um baile dos cardeais. A Argentina venceu de
goleada, pelo que disseram depois.
5. A exemplo
do que acontece com nossos cronistas esportivos, somos especialistas também em
comentar “depois do lance”. E de uma hora para outra – sem fontes – soube-se
que já no conclave anterior Bergoglio teria sido o segundo mais votado. Ora,
então por que não estava entre os favoritos?
6. Em Santa
Catarina, vários jornalistas chegaram a cogitar a hipótese de um papa
catarinense. Rendeu manchete. Sim, tudo era possível. Mas jornalistas não são
pagos para fazer análises fidedignas dos fatos? Para investigar com boas fontes
mais do que fazer torcida? Infelizmente, tudo muda muito rápido. Jornalismo
tornou-se algo bem próximo do entretenimento, e jornalista, não raro, vira
personagem das reportagens. De narrador oculto a estrela dos fatos. Muito
distante das lições do mestre Joel Silveira: “Jornalista é para ver a banda
passar. Não é para fazer parte da banda”.
7. Muito se
falou que a preferência do Vaticano seria por um papa mais jovem. Quem disse
isso deve ter faltado às aulas de comunicação e marketing. Com tantas horas de
mídia gratuita cada vez que morre um papa e se elege outro, é um bom negócio
não escolher um papa muito jovem, não é?
8. E agora que
foi aberta a “porteira” para a renúncia por “motivos de saúde”, salvo se o papa
for muito idolatrado, tudo indica que a fórmula pode vir a ser usada mais
vezes.
9. Impressionante
a quantidade de espaço, em todas as mídias. É bom lembrar que, embora o
cristianismo seja a maior corrente religiosa, a maior parte do planeta não
professa a fé católica, mas o islamismo, o hinduísmo, a religião tradicional
chinesa, o budismo e o sikhismo, entre outras. A cobertura é desproporcional à
real importância global. Por tão generoso espaço, o Vaticano, penhoradamente,
agradece.
10. Por trás de todo o
discurso da fraternidade e solidariedade, há uma Igreja que se autointitula
única, a verdadeira, a do papa infalível, e diz que fora dela não há salvação.
Ao tentar impor um só Deus para todas as culturas, abrem-se as portas para os
conflitos. Embora o discurso seja de paz, as religiões estão na raiz de muitas
guerras. Ontem e hoje.
11. Nessa imensa
centimetragem de jornais e infindáveis horas de televisão e rádio, sem falar
nas redes sociais – quanta overdose! – pouca coisa se viu sobre as intrigas do
Vaticano e a onipresente mistura entre religião e política. O tom foi quase
sempre igrejeiro, tudo divino e maravilhoso. Mas há esperança: eu, por exemplo,
sou um crente. Creio na boa reportagem jornalística. Tenho fé que nem tudo está
perdido.
12. Mesmo com tanto
oba-oba, em tempos de redes sociais, não deu para represar as denúncias de
envolvimento ou omissão do novo papa com a ditadura argentina. Há muito ainda
para explicar.
13. Pelos próximos
anos, a pauta da pedofilia abre espaço para a da tortura nos porões da
ditadura. O Vaticano tenta, mas não consegue exorcizar os seus fantasmas.
14. É quase certo que
teremos um papa populista e conservador. Contra o casamento gay, contra o
aborto, contra a ordenação de mulheres na igreja. Talvez um aliado em alguns
embates contra a vergonhosa acumulação de riqueza no planeta. Mas de leve,
porque o telhado do onipotente Vaticano também é de vidro.
15. A escolha de um
papa não europeu, e especificamente da América Latina, é uma tendência que pode
se repetir no futuro. No último século, o número de católicos europeus caiu
pela metade e hoje representa apenas 25% do total mundial. Na América Latina a
tendência é oposta. Na região já se concentram 42% dos fiéis do planeta, e
estima-se que até 2050 esse número terá crescido mais de 40%.
16. A eleição de um
papa argentino renovou o estoque de piadas dos humoristas brasileiros no mínimo
até a próxima década.
17. As minhas
contribuições, a seguir.
18. Não bastasse o
Messi, agora temos um papa argentino. Não dá mais para dizer que Deus é
brasileiro.
19. A Argentina foi
com Jorge Mario (Bergoglio). O Brasil deveria ter escalado Mario Jorge (Lobo
Zagallo): “Zagallo é o papa” tem 13 letras!
20. São tantos os
escândalos sexuais da Igreja Católica que a fumaça no conclave do Vaticano bem
que poderia ter saído em cinquenta tons de cinza.
Celso Vicenzi é jornalista
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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