Memria - Golpe de 64
Colaboração com a ditadura preocupa igrejas cristãs
Por Dermi Azevedo*
As Igrejas Cristãs que atuam no Brasil de forma ecumênica deverão dispor
ainda este ano de informações sobre a colaboração de padres, bispos, pastores e
leigos com a repressão política durante a ditadura de 1964. Um grupo de
pesquisa, integrado por cientistas sociais e políticos, além de líderes
eclesiásticos, já está dando os primeiros para realizar essa tarefa.
Antes mesmo de serem iniciados os trabalhos, já foram identificados vários
colaboradores, entre os quais três arcebispos já falecidos. São eles o
ex-arcebispo de Belém (PA), d. Alberto Gaudêncio Ramos e seus colegas, da
corrente tradicionalista da Igreja, d. Geraldo Sigaud, de Diamantina (MG), e d.
Antônio de Castro Meyer de Campos (RJ), um dos fundadores, ao lado de Plinio
Corrêa de Oliveira, da organização de extrema-direita Tradição, Família e
Propriedade, a TFP.
D. Alberto era uma das principais fontes de denúncias contra os seus colegas
e subordinados, na Igreja Católica da Amazônia. Já d. Sigaud liderou uma
campanha contra seu colega d. Pedro Casaldáliga, de São Félix do Araguaia e
contra d. Tomás Balduíno, da ordem dominicana, de Goiás Velho/GO. Com base em
dossiês preparados por Sigaud e Meyer, o governo militar decidiu expulsar
Casaldáliga do Brasil. Para a ditadura, d. Pedro, por ser catalão, estava
proibido de denunciar problemas brasileiros, como o fez em uma carta em que
denunciava o caráter escravocrata do latifúndio na região amazônica.
A ameaça de expulsar Casaldáliga provocou uma discreta, mas objetiva e
imediata reação do papa Paulo VI. Em reunião com seu staff, declarou que pela
primeira vez na história da diplomacia do Vaticano, a Igreja poderia romper as
suas relações com o Brasil. À ameaça abortou, de acordo com o relato do
ex-cardeal arcebispo de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns.
D. Eugênio
Entre as personalidades da Igreja permanentemente vigiadas por colaboradores
da repressão está também incluído o ex-cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, d.
Eugênio de Araújo Sales. Investigações oficiosas em andamento, feitas por
organizações de Direitos Humanos, indicam que d. Eugênio era espionado por
assessores do seu próprio staff. A mesma espionagem atingiu um outro arcebispo
de Natal/RN, d. Nivaldo Monte.
Ele promoveu, nos anos 70, uma reunião reservada com o governador do Rio
Grande do Norte José Cortez Pereira e o clero arquidiocesano. No dia seguinte,
foi convidado a comparecer ao comando do então IV Exército (atual Comando
Militar do Nordeste), em Recife, onde foi questionado sobre vários itens de sua
palestra para o clero sobre a situação socioeconômica do seu Estado.
Deops
Outro ponto a ser levado ao grupo de trabalho das igrejas é o funcionamento
informal e ilegal, durante a ditadura de uma "delegacia" no Deops
paulista, no centro paulistano, dedicada especialmente às denúncias de clérigos
e de pastores contra seus colegas.
Entre os colaboradores dessa "delegacia" – chefiada pelo delegado
Alcides Cintra Bueno – estava o jornalista Lenildo Tabosa Pessoa, do jornal
"O Estado de S. Paulo". Formado em Filosofia e em Teologia na
Universidade Gregoriana de Roma, Lenildo dispunha da formação adequada para
participar, até mesmo, no interrogatório de integrantes das pastorais
católicas, presos pela repressão...
*Dermi Azevedo é jornalista e cientista político
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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