Entrevistas
A autonomia zapatista é um exemplo para toda a humanidade, diz pesquisador mexicano Peter Rosset
Publicado por José Francisco Neto / Brasil de Fato
“Nós jamais fugimos, por mais que os veículos de todo o espectro das
comunicações tenham tentado enganar todos vocês.” A frase faz parte do comunicado divulgado no dia 30 de dezembro de 2012 pelo Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN),
uma semana após os seus membros ocuparem as principais cidades do
México, no dia 21. Elas já haviam sido tomadas pelo EZLN em 1994 no
levante armado que declarou guerra ao governo do então presidente Carlos
Salinas de Gortari. No “dia em que o mundo ia acabar”, 12 mil
mulheres, homens, jovens, idosos e crianças marcharam em silêncio pelas
ruas e praças do México. “O dia 21 de dezembro de 2012 marca o fim de um
ciclo longo do calendário maia e o início de um novo ciclo, com a
profecia de que trará importantes mudanças para a humanidade”, esclarece
Peter Rosset, pesquisador do Centro de Estudios para el Cambio en el
Campo Mexicano (CECCAM) e integrante da Via Campesina do México. Rosset
acompanhou a marcha dos zapatistas e destaca a importância da
participação da juventude no movimento. “É uma juventude forte,
presente, que já não olha para baixo, que cada vez mais ocupa cargos de
direção. A juventude foi muito forte e também muito presente no dia da
marcha”, disse. Em entrevista ao Brasil de Fato,
Rosset fala sobre a atuação política do EZLN, as principais conquistas
do movimento e a relação entre a cultura maia e os zapatistas.
Brasil de Fato: Desde que foi fundado, quais as conquistas mais importantes do EZLN? Peter Rosset -
O EZLN foi fundado uns dez anos antes do levante de 1994, como um braço
armado das Forças de Libertação Nacional (FLN). Sua explosão no cenário
nacional e internacional em 1º de janeiro de 1994 restaurou a esperança
da esquerda mundial desmoralizada pela queda do muro de Berlim e o
aparente fim da era das guerrilhas latino-americanas. Inverteu a
política mexicana, abrindo o espaço da disputa política mais além do
PRI. Mas talvez suas conquistas mais importantes residam na
construção e na consolidação da autonomia em seus territórios sob o
autogoverno, sobre os eixos da educação autônoma, da saúde autônoma, da
administração autônoma da justiça e da organização autônoma da produção
através de sociedades e cooperativas de produção e agroecologia, as
cooperativas de transporte de pessoas e bens, os Municípios Autônomos
Rebeldes Zapatistas e as Juntas de Bom Governo, que se baseiam na
direção coletiva e rotativa. A autonomia zapatista é um exemplo para
toda a humanidade. Brasil de Fato: Desde maio do ano passado, os zapatistas não iam às ruas das cidades de Chiapas. A
"volta" (já que muitos diziam que o EZLN não existia mais) dos
zapatistas tem a ver com a data do dia 21? O dia 21 de
dezembro de 2012 marca o fim do ciclo longo do calendário maia e o
início de um novo ciclo, com a profecia de que trará importantes
mudanças para a humanidade. Os zapatistas escolheram esse dia para fazer
tomadas simbólicas – em silêncio total – das cidades chiapanecas de San
Cristóbal de las Casas, Ocosingo, Palenque, las Margaritas e
Altamirano. A mensagem é: “os povos maias e os zapatistas ainda existem e
aqui estão, e com força”. Brasil de Fato: Qual a relação entre a cultura maia e os zapatistas? As
bases do EZLN são, em sua grande maioria, povos maias. E o pensamento
zapatista é uma mistura entre a visão de mundo dos maias, o pensamento
marxista e o pensamento revolucionário latino-americano. Brasil de Fato: Como o senhor vê a participação dos jovens no movimento? Uma
das grandes conquistas do zapatismo tem sido a formação de uma
juventude rebelde nascida depois do levante de 1994, uma juventude
produto das escolas autônomas zapatistas. É uma juventude forte,
presente, que já não olha para baixo, que cada vez mais ocupa cargos de
direção. A juventude foi muito forte e também muito presente no dia da
marcha.
Brasil de Fato: Houve inúmeras fraudes na eleição de Peña Nieto,
que não foi reconhecido pelo povo mexicano. Por outro lado, o candidato
de "esquerda", Andrés Manuel López Obrador, que chegou a tentar uma
reconciliação com o EZLN, não foi apoiado pelos zapatistas. Qual opinião
os zapatistas têm em relação ao Obrador? Ele ainda seria uma opção ou o
EZLN defende a bandeira da "Outra Campanha"? Para
entender que opinião os zapatistas têm do PRD e de López Obrador,
primeiro é necessário enxergá-los desde uma perspectiva chiapaneca. O
governador atual foi eleito a partir de dois partidos, o velho PRI e o
Verde Ecológico, que não tem nada de verde nem de ecológico. O
governador anterior era militante do PRI, mas quando não lhe deram a
candidatura desse partido pulou ao PRD, a suposta esquerda institucional
e trouxe consigo 60% do PRI do estado. Ou seja, quem governava era o
PRD, mas eram PRlistas. E o governador anterior a esse ganhou com uma
coalizão entre o PRD (esquerda) e o PAN (direita troglodita). E todos
teriam administrado a guerra de contrainsurgência e os paramilitares
contra as comunidades zapatistas. Um dos autores intelectuais do
massacre de Acteal é o assessor de López Obrador e outro está no novo
governo nacional de Peña Nieto. Assim, há de ficar bem claro porque os
zapatistas dizem que todos os partidos e todos os políticos são iguais. Brasil de Fato: O movimento conta com o apoio da população mexicana? O
movimento zapatista conta com muita simpatia entre a população
mexicana, mas nos últimos anos de “silêncio zapatista”, dedicados à
consolidação da retaguarda das comunidades autônomas e sua consequente
ausência dos meios de comunicação, tem-se generalizado uma ideia errada
de que os zapatistas já não existem. Algo que foi rebatido no dia da
marcha com o impactante “aqui estamos”.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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