Por NPC
Adriano Belisário: A cultura e o conhecimento são bens comuns
Por Rodrigo Otávio
Adriano Belisário é pesquisador da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ) e organizador, junto com Bruno Tardin, do livro “Copyfight”. O livro reúne 29 artigos sobre propriedade intelectual, circulação de bens e mercadorias, cultura livre e pirataria para além do uso da internet e do download gratuito. Na entrevista abaixo Belisário explica o porquê do livro, a necessidade da circulação de ideias, entretenimento e mercadorias deixarem de ser propriedade privada e o reflexo desses rearranjos do início do século XXI nas cidades. O livro está disponível no site www.copyfight.tk
Em que contexto o livro surge, o que ele apresenta e o que ele propõe ? O livro surgiu a partir de dois encontros, presenciais, que a gente fez no Rio de Janeiro para debater questões ligadas a uma perspectiva crítica à propriedade intelectual, em especial ao direito autoral. E o livro surge depois de uma chamada aberta e colaborativa de trabalhos em que a gente recebeu textos de autores de diversos lugares e organizou uma publicação que tenta trazer perspectivas novas sobre esse debate, que às vezes também é reduzido a uma questão de download gratuito, como se fosse isso o mais importante. A gente acredita que não, que tem outras questões relevantes.
E fazer um debate que não seja um debate somente jurídico, mas trazer outras perspectivas. Então a gente tem texto dos ambulantes que vendem pirataria nas ruas, textos dos funkeiros, textos que tratam da questão da produção de alimentos, das sementes transgênicas. Tentar dar um panorama sobre esses debates de pirataria e cultura livre.
Então não é um livro especificamente sobre a internet ?
Não especificamente a internet. Esses dispositivos de propriedade intelectual estão presentes na nossa vida não só na internet, não são só leis que proíbem a gente de fazer download gratuito.
Essa crítica à propriedade intelectual passa por um entendimento de que a cultura e o conhecimento são bens comuns, eles não são propriedades privadas de empresas nem de pessoas, então você não pode ter uma propriedade privada sobre bens imateriais, como é a cultura, como é o conhecimento, da mesma forma como você tem com o seu carro, com os seus bens físicos. A gente acredita que a cultura, o conhecimento, a arte são frutos de processos comuns, coletivos, portanto não podem ser apropriados de maneira privada.
Ainda que não seja a principal questão, em algum momento essas propostas e práticas deparam-se com regras. Como abrir esse debate sobre propriedade intelectual e legislação ?
O que aconteceu com a legislação nessa área é que ela se distanciou muito das práticas. Ou seja, existem práticas que são socialmente aceitas, que dizem respeito ao compartilhamento de arquivos, por exemplo, e a legislação ainda está em cima de uma realidade ultrapassada, que visa atender justamente esses interesses econômicos de grandes empresas.
Por mais que se tenha um discurso de que a defesa de não flexibilizar o direito autoral, por exemplo, é para defender o autor, o criador; na prática, o que a gente percebe é que justamente essa democratização e essa possibilidade de compartilhamento beneficiam o autor mais do que prejudicam, porque dá oportunidade para que outras pessoas possam apresentar seus trabalhos sem depender de grandes concentradores, como a indústria musical do século passado, por exemplo, que definiu o que vai ser tocado e o que não vai.
Hoje não, nós temos uma liberdade de compartilhamento de acesso e a lei precisa trabalhar a partir dessa lógica, e não tentar voltar atrás no que já se desenvolveu.
No livro é citado o “copyfarleft”, o que é ? O “copyfarleft” é um tipo de licenciamento de trabalhos que reconhece que existe uma divisão de classes econômica e social. Ao invés de ele criar princípios gerais para todo e qualquer tipo de uso, ele diferencia tipos de uso. Por exemplo, se forem usos que trabalhem com essa lógica do bem comum, da cooperação, ele permite que se faça o uso comercial e a reprodução. Mas se for para o uso de uma empresa que está buscando somente o seu lucro, ou um tipo de uso dessa obra que se insira em uma lógica privada, não do compartilhamento, ele nega esse acesso.
O “copyfarleft” trabalha diferenciando os tipos de uso e aplicando diferentes regras, ao invés de um mesmo conjunto de regras para todo tipo de uso, como é o padrão da licença que diz “todos os direitos reservados”, o “copyright”, que é uma única regra não importa qual o tipo de uso.
Esse ele aí é o autor da obra ? A pessoa que está licenciando o trabalho.
Com a globalização e internet como você vê as cidades e os países nesse debate sobre produção, produto, meio de divulgação e receptação? Não existem mais contextos locais, é tudo uma única realidade ? Também. Mas por outro lado a gente tem questões bem sensíveis nas cidades. A gente trabalha no livro muito com essa idéia da pirataria, discutindo não a pirataria online, mas a pirataria de rua, a pirataria dos ambulantes.
Aqui no Rio a gente tem uma lógica de limpeza social, executada pela prefeitura, que visa justamente enquadrar esse trabalhador informal de acordo com regras estabelecidas pela prefeitura e controlar esse tipo de trabalho. Por exemplo, você tem o Choque de Ordem fazendo um processo de supostamente uma limpeza social que implica muitas vezes em remover esses ambulantes de seu local de trabalho, ou prendê-los por estarem vendendo pirataria.
E aí você vê como essas questões gerais, globais, também têm reflexos nos bens locais e particulares.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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