Entrevistas
Atílio Boron: Os monopólios midiáticos na América Latina são o substituto funcional dos partidos de direita ante seu fracasso
Publicado
em 25.10.12 – Por Fernando
Arellano Ortíz, do Cronicon.net
- Observatorio Latinoamericano / Tradução: Adital
"Os
monopólios midiáticos na América Latina são o substituto funcional dos partidos
de direita ante seu fracasso”
"Não
há erro: os meios de comunicação simplesmente são grandes conglomerados
empresariais que têm interesses econômicos e políticos. Na América Latina, os
monopólios midiáticos têm um poder fenomenal que vêm cumprindo na função de
substituir os partidos políticos de direita que caíram em descrédito e que não
têm capacidade de chamar a atenção nem a vontade dos setores conservadores da
sociedade”. Assim o politólogo e cientista social argentino Atilio Boron
caracteriza a denominada canalha midiática.
Nesse
sentido, explica, "cumpre-se o que muito bem profetizou Gramsci há quase
um século, quando disse que diante da ausência de organizações da direita
política, os meios de comunicação, os grandes diários, assumem a representação
de seus interesses; e isso está acontecendo na América Latina”. Em praticamente
todos os países da região, os conglomerados midiáticos converteram-se em
"operadores políticos”.
A Crise
do Capitalismo e o triunfo de Chávez
Boron,
que dispensa apresentação por ser um importante referente da teoria política e
das ciências sociais em Iberoamérica, foi um dos expositores principais do VI
Encontro Internacional de Economia Política e Direitos Humanos, organizado pela
Universidad Popular Madres de la Plaza de Mayo, que aconteceu em Buenos Aires,
entre os dias 4 e 6 de outubro.
Tópicos
como a crise estrutural do capitalismo, o fenômeno da manipulação dos
monopólios midiáticos e o que significa para a América Latina o triunfo de Hugo
Chávez foram tratados com profundidade por esse destacado politólogo, sociólogo
e investigador social, doutorado em Ciências políticas pela Universidade de
Harvard e, atualmente, diretor do Programa Latino-americano de Educação a
Distância em Ciências Sociais do Centro Cultural da Cooperação Floreal Gorini,
na capital argentina.
Para
aprofundar sobre alguns desses temas, o Observatorio Sociopolítico
Latinoamericano (www.cronico.net) teve a oportunidade de
entrevistá-lo no final de sua participação em dito fórum acadêmico
internacional.
RUMO A UM
PROJETO PÓS-CAPITALISTA
No
desenvolvimento de sua exposição no encontro da Universidad Popular de Madres
de la Plaza de Mayo, Boron analisou o contexto da crise capitalista.
"Hoje
em dia é impossível referir-se à crise e à saída da mesma sem falar do
petróleo, da água e das questões meio ambientais. Essa é uma crise estrutural e
não produto de uma má administração dos bancos das hipotecas subprime”.
Recordou
que, recentemente, foram apresentadas propostas por parte dos Prêmios Nobel de
Economia para tornar mais suave a débâcle capitalista. Uma, a esboçada por Paul
Krugman, que propõe revitalizar o gasto público. O problema é que os Estados
Unidos estão quebrados e o nível de endividamento das famílias nos Estados
Unidos equivale a 150% dos ingressos anuais. "Krugman propõe dar crédito
ao Estado para que estimule a economia. Porém, os Estados Unidos não têm
dinheiro porque decidiram salvar os bancos”.
A outra
proposta é de Amartya Sem, que analisa a situação do capitalismo como uma crise
de confiança e é muito difícil restabelecê-la entre os poupadores e os banqueiros
devido aos antecedentes desses últimos. Por isso, essas não deixam de ser
"pseudo explicações que não levam à questão de fundo. Não explicam porque
caem os índices do PIB e sobem as bolsas. Ambos índices estariam desvinculados
e as bolsas crescem porque os governos injetaram moeda ao sistema financeiro”.
A crise
capitalista serviu para acumular riqueza em poucas mãos, uma vez que "o
que os democratas capitalistas fizeram no mundo desenvolvido foi salvar os
banqueiros, não os endividados, ou seja, as vítimas”.
Exemplificou
com as seguintes cifras: enquanto o ingresso médio de uma família nos Estados
Unidos é de 50.000 dólares ao ano, o daqueles de origem latina é de 37.000 e o
de uma família negra é de 32.000, o diretor executivo do Bank of America, resgatado,
cobrou um salário de 29 milhões de dólares.
Então, é
evidente que cada vez mais há uma tendência mais regressiva de acumular riqueza
em poucas mãos. Em trinta anos, o ingresso dos assalariados foi incrementado em
18% e o dos mais ricos cresceu 238%.
"No
capitalismo desenvolvido houve uma mutação e os governos democráticos
transformaram-se em plutocracias, governos ricos”. Porém, além disso, "o
capitalismo se baseia na apropriação seletiva dos recursos”.
Por isso,
citando o economista egípcio Samir Amin, Boron afirma sem medo que "não há
saída dentro do capitalismo”.
Como
alternativa, Boron sustenta que "hoje, pode-se pensar em um salto para o
modelo pós-capitalista. Há algo que pode ser feito até que apareçam os sujeitos
sociais que darão o ‘tiro de misericórdia’ no capitalismo. O que se pode fazer
é desmercantilizar tudo o que o capitalismo mercantilizou: a saúde, a economia,
a educação. Assim, estaremos em condições de ver o amanhecer de um mundo mais
justo e mais humano”.
A
REELEIÇÃO NA VENEZUELA
Sobre a
matriz de opinião que os monopólios midiáticos da direita têm tentado impor no
sentido de que a reeleição do presidente Chávez é um sintoma de que ele quer se
perpetuar no poder, a análise de Boron foi contundente:
"Há
um grau de hipocrisia enorme nesse tema, porque os mesmos que se preocupam com
o fato de Chávez estar por 20 anos no governo, aplaudiam fervorosamente a
Helmut Kohl, que permaneceu no poder por 18 anos, na Alemanha; ou Felipe
González, por 14 anos, na Espanha; ou Margaret Thatcher, por 12 anos, na
Inglaterra”.
"Há
um argumento racista que diz que somos uma raça de corruptos e imbecis; que não
podemos deixar que as pessoas mantenham-se muito tempo no poder; ou há uma
conveniência política, que é o que acontece ao tentarem limar as perspectivas
de poder de líderes políticos que não são de seu agrado. Agora, se Chávez
instaurasse uma dinastia onde seu filho e seu neto herdassem o poder, eu
estaria em desacordo. Porém, o que Chávez faz é dizer ao povo que eleja; e, em
âmbito nacional, por um período de 13 anos, convocou o povo venezuelano para 15
eleições, das quais ganhou 14 e perdeu uma por menos de um ponto; e,
rapidamente, reconheceu sua derrota. Então, não está dito em nenhum lugar serio
da teoria democrática que tem que haver alternância de lideranças, na medida
que essa liderança seja ratificada em eleições limpas e pela soberania
popular”.
Confira a
entrevista:
A CANALHA
MIDIÁTICA ASSUME A REPRESENTAÇÃO DE INTERESSES DA DIREITA
- Hoje,
no debate da teoria política, fala-se de "pósdemocracia”, para significar
o esgotamento dos partidos políticos, a irrupção dos movimentos sociais e a
incidência dos meios de comunicação na opinião pública. Que alcance você dá a
esse novo conceito?
- Eu
analiso como uma expressão da capitulação do pensamento burguês que, em uma
determinada fase do desenvolvimento histórico do capitalismo, fundamentalmente
a partir do final da I Guerra Mundial, apropriou-se de uma bandeira -que era a
da democracia- e a assumiu. De alguma maneira, alguns setores da esquerda
consentiram nisso. Por quê? Bom, porque estávamos um pouco na defensiva e, além
disso, o capitalismo havia feito uma série de mudanças muito importantes. Por
isso, a ideia de democracia ficou como se fosse uma ideia própria da tradição
liberal burguesa, apesar de que nunca houve um pensador dessa corrente política
que fizesse uma apologia do regime democrático. Estudavam sobre isso,
possivelmente, a partir de Thorbecke ou de John Stuart Mill; porém, nunca
propunham um regime democrático; isso vem da tradição socialista e marxista. No
entanto, apropriaram-se dessa ideia; passaram todo o século XX atualizando-a.
Agora, dadas as novas contradições do capitalismo e ao fato de que as grandes
empresas assumiram a concepção democrática, a corromperam e a desvirtuaram até
o ponto de torná-la irreconhecível, perceberam que não tem sentido continuar
falando de democracia. Então, utilizam o discurso resignado que diz que o
melhor da vida democrática já passou; um pouco a análise de Colin Crouch: o que
resta agora é o aborrecimento, a resignação, o domínio a cargo das grandes
transnacionais; os mercados sequestraram a democracia e, portanto, temos que
nos acostumar a viver em um mundo pós-democrático. Nós, como socialistas, e,
mais, como marxistas jamais podemos aceitar essa ideia. Creio que a democracia
é a culminação de um projeto socialista, da socialização da riqueza, da cultura
e do poder. Porém, para o pensamento burguês, a democracia é uma conveniência
ocasional que durou uns 80 ou 90 anos; depois, decidiram livrar-se dela.
- Mesmo
em uma situação anômala mundial e levando-se em conta que a propriedade dos
grandes meios de comunicação está concentrada em uns poucos monopólios do
grande capital, como você analisa o fenômeno da canalha midiática na América
Latina? Parece que, paulatinamente, vão perdendo a credibilidade...?
- O que
bem qualificas como canalha midiática tem um poder fenomenal, que vem
substituindo os partidos políticos da direita que caíram no descrédito e que
não têm capacidade de prender a atenção nem a vontade dos setores conservadores
da sociedade. Nesse sentido, cumpre-se o que, Gramsci muito bem profetizou há
quase um século, quando disse que diante da ausência de organizações da direita
política, os meios de comunicação, os grandes diários, assumem a representação
de seus interesses e isso está acontecendo na América Latina. Em alguns países,
a direita conserva certa capacidade de expressão orgânica, creio que é o caso
da Colômbia; porém, na Argentina, não, porque nesse país não existem dois
partidos, como o Liberal e o Conservador colombianos; e o mesmo acontece no
Uruguai e no Brasil. O caso colombiano revela a sobrevivência de organizações
clássicas do século XIX da direita que se mantiveram incólumes ao longo de 150
anos. É parte do anacronismo da vida política colombiana que se expressa
através de duas formações políticas decimonônicas [do século XIX], quando a
sociedade colombiana está muito mais evoluída. É uma sociedade que tem uma
capacidade de expressão através de diferentes organizações, mobilizações e
iniciativas populares que não encontram eco no caráter absolutamente arcaico do
sistema de partidos legais na Colômbia.
- Com
essa descrição que encaixa perfeitamente na realidade política colombiana, o
que poderíamos falar, então de seus meios de comunicação...
- Os
meios de comunicação naqueles países em que os partidos desapareceram ou
debilitaram-se são o substituto funcional dos setores de direita.
- O que
significa para a América Latina o triunfo do presidente venezuelano Hugo
Chávez?
-
Significa continuar em uma senda que se iniciou há 13 anos, um caminho que,
progressivamente, ocasionado algumas derrotas muito significativas ao
imperialismo norte-americano na região, entre elas, a mais importante, a
derrota do projeto da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que era a
atualização da Doutrina Monroe para o século XXI e isso foi varrido basicamente
pela enorme capacidade de Chávez de formar uma coalizão com presidentes que,
não sendo propriamente de esquerda, eram sensíveis a um projeto progressista,
como poderia ser o caso de Lula, no Brasil e de Néstor Kirchner, na Argentina.
Ou seja, de alguma maneira, Chávez foi o marechal de campo na batalha contra o
imperialismo; é um homem que tem a visão geopolítica estratégica continental
que ninguém mais tem na América do Sul. O outro que tem essa mesma visão é
Fidel Castro; porém, ele já não é chefe de Estado, apesar de que eu sempre digo
que o líder cubano é o grande estrategista da luta pela segunda e definitiva
independência, enquanto que Hugo Chávez é o que leva as grandes ideias aos
campos de batalha, e, com isso, avançamos muito. Inclusive, agora, com a
entrada da Venezuela ao Mercosul, conseguiu-se criar uma espécie de blindagem contra
tentativas de golpe de Estado. Caso a Venezuela permanecesse isolada,
considerado um Estado paria, teria sido presa muito mais fácil da direita desse
país e do império norte-americano. Agora, não será tão fácil.
- Você vê
algumas nuvens cinzentas no horizonte do processo revolucionário da Venezuela?
- Creio
que sim, porque a direita é muito poderosa na América Latina e tem capacidade
de enganar as pessoas. E os grandes meios de comunicação têm a capacidade de
manipular, enganar, deformar a opinião pública; vemos isso muito claramente na
Colômbia. Boa parte dos colombianos compraram o bilhete da Segurança
Democrática com uma ingenuidade, como aqui na Argentina compramos o bilhete de
ganhar a Guerra das Malvinas. Portanto, temos que levar em consideração que,
sim, existem nuvens no horizonte porque o imperialismo não ficará de braços
cruzados e tentará fazer algo como, por exemplo, impulsionar uma tentativa de
sublevação popular, tentar desestabilizar o governo de Chávez e derrubá-lo.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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