Entrevistas
Silvio Mieli: concentração da mídia é um espelho da concentração fundiária
Publicado
em 25.10.12 – Por Brasil de Fato
*Título
original: Reforma agrária no ar
Para Silvio Mieli, jornalista e professor da
faculdade de Comunicação e Filosofia da Pontifícia Universidade Católica
(PUC-SP), a concentração de poder nos meios de comunicação é um espelho da
concentração fundiária. Em entrevista, ele analisa a atual conjuntura de luta
pela democratização da comunicação no país.
“Os primeiros grilaram terras públicas ou compraram terras de grileiros. Os
últimos se apossaram do espectro eletromagnético por favorecimentos políticos e
pelo poder econômico, ou ambos os casos”, argumenta o professor.
A opinião
do jornalista soma-se às recentes manifestações pela democratização na
comunicação no Brasil, como a que ocorreu no dia 15 de outubro, em frente ao
hotel Renassaince, onde estava ocorrendo um encontro da SIP (Sociedade
Interamericana de Imprensa). Na ocasião, representantes do Coletivo Intervozes
e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), entre outras organizações,
levantaram cartazes denunciando abusos praticados por emissoras de rádio e
televisão, jornais e revistas.
Aliás, uma das conclusões do recente estudo do pesquisador Tiago Cubas, do
Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera/Unesp), “São
Paulo Agrário: representações da disputa territorial entre camponeses e
ruralistas de 1988 a 2009”, vai justamente nessa direção. A de que a mídia
corporativa totaliza a visão das relações capitalistas no campo; daí
estereotipa e não aceita sujeitos e modos de produção alternativos.
Brasil de Fato: Há tempos existe a violência física cometida pelo
poder público ou privado sobre os sem-terras, por meio de policiais e
seguranças. A cobertura mídia tradicional aborda tais ocorrências de forma
tendenciosa. Por que a violência contra o pobre é tão naturalizada e até ignorada
pela mídia corporativa até hoje?
Silvio Mieli:
Em primeiro lugar é preciso lembrar que a mídia é
ultraconservadora. O conservador acha natural que 1 bilhão de pessoas passem
fome no mundo. Também passa a ser natural — e típico dos conservadores — que se
use de violência contra aqueles que querem sair dessa situação. Como diz o
filósofo Giorgio Agamben, a mídia gosta de pessoas indignadas, porém passivas.
Os grandes jornais não terão nenhum prurido em mostrar crianças famintas num
lixão qualquer da vida, mas reprovarão veementemente qualquer ação direta para
corrigir essa injustiça. Ora, o mesmo modelo de concentração fundiária se
espelhou para os meios de comunicação no Brasil. Os primeiros grilaram terras
públicas ou compraram terras de grileiros. Os últimos se apossaram do espectro
eletromagnético por favorecimentos políticos e pelo poder econômico, ou ambos
os casos. É por essas e outras que o sistema é capaz de tudo quando se trata de
discutir a propriedade da terra ou de um meio de comunicação. Não por acaso o
slogan da democratização dos meios de comunicação nos anos 1980 era: Reforma
Agrária no Ar. Na terra como na mídia estamos lidando com os mesmos problemas:
a questão da propriedade, o seu uso social e quais modelos de desenvolvimento
devem ser colocados em prática.
Brasil de Fato: Em termos práticos, que tipo de relação existe entre
os jornais locais (e os nacionais) e o agronegócio para tratar os camponeses
pobres sempre de forma criminosa?
SM:
Todas as famílias que monopolizam os meios de comunicação no
Brasil são (direta ou indiretamente) grandes proprietários de terra. A família
Saad (grupo Bandeirantes), que recentemente também entrou no ramo da mídia
impressa, é de grandes pecuaristas, Octávio Frias (pai) era um dos maiores
granjeiros do país.Portanto, além do servilismo ao poder, existem interesses
diretos no setor. Muitos políticos, mesmo os que se acham muito poderosos,
viraram office-boys das grandes corporações. Quanto aos grandes veículos de
comunicação, transformaram-se em promoters de eventos dessas grandes empresas.
Brasil de Fato: Após a chamada “redemocratização” (pós-ditadura),
qual tem sido o peso das mídias (locais e nacionais) no processo de
naturalização da violência aos pobres e sem-terras e no entrave à reforma
agrária?
SM:
Costumo dizer que a mídia não é o 4o. poder, mas o 5o elemento.
Temos a água, terra, fogo, ar e… os meios de comunicação. Vivemos imersos
neles. Daí a importância da qualidade do que se produz nesse meio. Mas no nosso
caso brasileiro, será que podemos falar realmente de “redemocratizacão” se,
dentre tantos problemas herdados da ditadura, o acesso aos meios é tão limitado
? Eis uma outra dimensão da vida nacional que vive num estado de exceção
permanente. A ditadura configurou um modelo comunicacional que, mesmo findo o
regime militar, continua de pé. É só pesquisar o papel da mídia corporativa nos
últimos grandes embates relativos às questões ambientais e agrárias para
verificar como se comportam (Raposa Serra do Sol, MP 458, Código Florestal,
Belo Monte…).
Brasil de Fato: O que um governo progressista ou a própria sociedade
maios esclarecida poderiam fazer para pressionar esses veículos por uma
comunicação mais equilibrada?
SM:
Vejamos o exemplo da pentecostalização da mídia no Brasil.
Considero a invasão dos meios de comunicação por corporações que se
autodenominam igrejas um dos maiores problemas contemporâneos na comunicação de
massa no Brasil. Já convivíamos com uma série de outros problemas, agora temos
mais essa. O que o Estado fez? Ampliou o espaço e o poder desses grupos,
inclusive através de alianças político-partidárias. Entregou redes de televisão
para grupos que não representam nenhuma força cultural local, agridem as
tradições religiosas de matrizes africanas e fazem proselitismo do capitalismo como
religião.É claro que é preciso lutar pelo controle social da mídia, mas acho
que o caminho não é o de reformar o que está aí, nem de cortar as propagandas
estatais. A mesma tática do MST deve ser usada na luta pela democratização da
comunicação: a ocupação do espectro improdutivo (seja no âmbito social,
cultural ou pedagógico, que inclusive tem respaldo constitucional). Não me
refiro a ocupar os estúdios da Globo, mas, para além do espaço que o movimento
social vem conquistando na internet, lutar por canais de comunicação para os
movimentos. Por que não uma MSTV, uma TV do MST? Chegou a hora de os movimentos
sociais falarem ao povo diretamente, sem intermediários e não só pela internet,
mas também através das ondas eletromagnéticas, ou do que restou delas.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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