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Trabalhadores
Terceiro maior produtor de amianto, o Brasil ignora os malefícios do mineral

Publicado em 18.9.12 - por Rodrigo Martins / Carta Capital

Uma grande marcha em Paris será realizada no dia 13 de outubro para lem­brar as vítimas do amian­to e pressionar os gover­nos que ainda não proibi­ram a exploração e o uso do produto a tomar uma atitude. Um dos principais alvos da campanha será o Brasil, terceiro maior produtor mundial do miné­rio, classificado pela Organização Mun­dial da Saúde (OMS) no principal grupo de substâncias cancerígenas. Mais de 125 milhões de operários estão expostos ao amianto em todo o mundo, e cerca de 107 mil morrem anualmente em decorrência de doenças associadas às suas nocivas fibras. A França, que abrigará a manifesta­ção, baniu o minério há 16 anos. Outros 65 pkíses seguiram o mesmo caminho. Na lis­ta estão os Estados Unidos, todas as nações da União Europeia, mas também muitas do Hemisfério Sul, inclusive os nossos vi­zinhos Argentina, Chile e Uruguai.

0 amianto (ou asbesto) constitui um grupo de minerais fibrosos amplamente utilizados pela indústria graças às suas notáveis propriedades. O material é um exce­lente isolante térmico e elétrico, além de resistente à fricção. Não por acaso, é em­pregado em mais de 3 mil produtos, de material de construção a peças automoti­vas (freios e juntas de cabeçote). No Brasil, 96,7% do amianto é usado pela indústria de fibrocimento, na fabricação de telhas e caixas d’água. Um lucrativo negócio que movimenta 2,5 bilhões de reais por ano.


A discussão sobre o banimento da subs­tância no Brasil arrasta-se há mais de duas décadas. Atualmente, o
Supremo Tribunal Federal analisa quatro ações diretas de inconstitucionalidade (Adin), patrocinadas • pela indústria, que visam derrubar as legislações de quatro estados que proibiram a utilização do asbesto. Como observado pelo colunista Cláudio Bemabucci na edi­ção 714 de CartaCapital, um estrondoso si­lêncio acompanhou as duas audiências pú­blicas realizadas na Corte para debater o tema, em 24 e 31 de agosto. “A mídia dedi­cou pouca ou nenhuma atenção à explosiva questão que, em outros países, tem mo­bilizado profundamente a sociedade”, pontuou o cientista político formado pela Universidade La Sapienza, de Roma.

Em fevereiro deste ano, os dois proprie­tários da multinacional Eternit foram con­denados pelo Tribunal de Turim, na Itá­lia, a 16 anos de prisão, além do pagamen­to de 95 milhões de euros em indenizações. Os autores da ação representam 1.830 mor­tos e 1.027 operários com moléstias causa­das pelo amianto. No processo, restou pro­vado que o magnata suíço Stephan Schmidheiny e o barão belga Louis de Cartier de Marchienne, fundadores da Eternit, sa­biam há décadas dos malefícios do mineral e os esconderam para preservar o negócio.


O problema é tão grave que a OMS e a Organização Internacional do Traba­lho (OIT), ligada às Nações Unidas, reco­mendam o banimento de qualquer tipo de amianto e apoiam campanhas pelo fim da chamada “catástrofe sanitária do século XX”. De acordo com a Associação Interna­cional da Seguridade Social, ao menos 3,5 mil britânicos morrem por ano em decor­rência da exposição ao amianto. Nos EUA estimam-se mais de 10 mil óbitos ao ano.


O cenário brasileiro ainda é nebulo­so, em virtude do “apagão epidemiológi- co” causado pela subnotificação de casos de doenças e mortes. “Temos como con­tar apenas o que é incluído no sistema na­cional de informações sobre mortalidade. Mas sabemos que boa parte das mortes re­lacionadas ao amianto não é registrada nos atestados de óbito ou relatadas pelos hospi­tais”, afirma Guilherme Franco Netto, di­retor do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde. Ainda assim, entre 2000 e 2010, os funcionários da Pasta iden­tificaram ao menos 2,4 mil brasileiros mor­tos por doenças associadas ao minério.


Ao todo, foram 1.298 óbitos por neo- plasias malignas da pleura (a membra­na que reveste o pulmão), 109 por placas pleurais, 156 por pneumoconiose e 827 óbitos por mesotelioma. Esse último é um tumor maligno raro e incurável, que costuma levar à morte do paciente menos de um ano após o diagnóstico. Na litera­tura médica, quase a totalidade dos casos de mesotelioma ocorre com trabalhado­res que tiveram contato com amianto.


Foi o que aconteceu com o marido de Gisélia Vicentin, que faleceu há quatro anos, três meses após ser diagnosticado com a doença. Aldo Vicentin trabalhou no de­pósito de materiais da Eternit em Osasco (SP) entre 1964 e 1968. Ajudava a descar­regar os caminhões que traziam amianto para a empresa. Depois disso, formou-se em Direito e trabalhou em outras indús­trias, sem contato com o asbesto. Somente após se aposentar, em 1995, soube que vá­rios colegas da antiga fábrica onde traba­lhou na juventude começaram a adoecer.


“Sensibilizado com a situação, Aldo ajudou a fundar a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), mas costumava dizer que era o único do gru­po que teve sorte e não foi contaminado. Mas a doença demora décadas para se manifestar”, conta Gisélia. Em junho de 2008, no mesmo dia que o colegiado do
STF avaliou uma liminar concedida pe­lo ministro Marco Aurélio Mello para suspender a proibição do amianto em São Paulo, ele se internou no Incor para uma delicada cirurgia. Mal teve tempo de celebrar o resultado do julgamento, que manteve a validade da lei paulista até a análise do mérito. Vicentin teve extir­pados o pulmão esquerdo, o diafragma e a pleura. Com fortes dores e dificuldade de respirar, faleceu um mês depois.

“Aldo sabia que estava marcado para morrer. Antes da internação, preparou todos os detalhes do velório e reuniu do­cumentos para que eu pudesse processar a Eternit”, diz a viúva, voz trêmula. Em 13 de agosto, o juiz do trabalho André Edu­ardo Dorster Araújo condenou a Eternit a pagar uma indenização de 300 mil reais à família Vicentin. A empresa recorreu da sentença. Trata-se de um dos raros casos em que a
Justiçabrasileira condenou uma empresa do setor. Normalmente, a indús­tria tenta alongar ao máximo o andamen­to dos processos e oferece acordos extra­judiciais às vítimas e suas famílias. Mais de 4,5 mil acordos do tipo foram celebra­dos nos últimos 20 anos.

Hoje eilgajada na diretoria da Abrea, Gisélia recebeu um convite para represen­tar as vítimas brasileiras na marcha con­tra o amianto em Paris. “Depois de todo o sofrimento que o Aldo passou, me sinto na obrigação de dar continuidade à luta dele.”


Todas as ações que tramitam no
STF a favor da manutenção do amianto foram ajuizadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), com apoio do Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC), que reúne executivos da indústria do amianto e líderes sindicais, numa es­tranha simbiose entre patronato e opera­riado. Os processos visam derrubar as res­trições ao comércio de produtos com o mi­nério nos estados de São Paulo, Pernam­buco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

“Trata-se de uma defesa dos trabalha­dores. A indústria emprega mais de 170 mil operários de forma direta ou indireta”, diz o representante sindical Emílio Alves Ferreira Júnior, presidente da Comissão Nacional dos Trabalhadores do Amianto na CNTI e um dos diretores do IBC. “Além disso, as empresas operam com rígidos pa­drões de segurança. Enquanto a lei deter­mina que o ambiente de trabalho só pode ter 2 fibras respiráveis por centímetro cúbico (cm3), temos um acordo que estabe­lece o limite de 0,1 fibra por cm3. Temos co­missão de trabalhadores ém cada empresa para fiscalizar isso, com estabilidade de emprego garantida. Não somos suicidas.” Será? Certamente, Ferreira Júnior seria incapaz de medir quantos desses 170 mil trabalhadores vão morrer precocemente por causa do contato com o amianto.


A argumentação jurídica é basicamente a mesma em todos os processos: compete à União legislar sobre mineração e as leis es­taduais não podem se sobrepor à lei fede­ral n° 9.055, de 1995, que autoriza a explo­ração e o uso do amianto crisotila. Atual­mente, o Brasil tem apenas uma mina de amianto em atividade, no município de Minaçu, interior de Goiás. Ela pertence à Sama Minerações Associadas, empresa de capital aberto controlada pelo Grupo Eter­nit. Até meados da década de 1990, as ope­rações na mina eram compartilhadas com a Brasilit, do grupo francês Saint-Gobain.


Com a perspectiva de proibição do amian­to em toda a Europa, a Brasilit passou a in­vestir em fibras alternativas e abandonou a exploração em Minaçu, deixando como herança um incalculável passivo de traba­lhadores expostos ao amianto.


De toda forma, desde 2002 a Brasilit abandonou completamente o uso do asbesto. “Quando se consolidou a convic­ção da periculosidade de todos os tipos de amianto no meio científico internacional, o Grupo Saint-Gobain decidiu que todas as suas empresas que utilizavam o amian­to deveriam abandoná-lo”, afirma Carlos William Ferreira, diretor corporativo da Brasilit. “Os fios sintéticos são classifica­dos pela International Agency for Rese­arch on Cancer (Iarc), da OMS, como não cancerígenos e foram oficialmente reco­mendados pela Anvisa. E os custos de pro­dução são apenas 10% mais caros.” Quando a Brasilit abandonou o amianto, houve um racha entre as fabricantes de te­lhas. Até então, todas as empresas do setor estavam reunidas na Associação Brasileira das Indústrias de Fibrocimento (Abifibro), que passou a negociar com o governo um prazo para as fabricantes se adaptarem an­tes de uma proibição completa do asbesto. Com um substituto para o amianto, era dado como certo que o mineral estava com os dias contados. Mas nada foi alterado na legislação e as demais fabricantes opta­ram por sair da Abifibro, criar o IBC e de­fender o “uso seguro” do crisotila, diz João Carlos Duarte Paes, presidente da as­sociação. “A Brasilit se dispôs a transferir, tecnologia para as concorrentes abando­narem o amianto, mas o grupo, liderado pela Eternit, optou por continuar a explo­ração e se uniu no Instituto Brasileiro do Crisotila para fazer lobby pelo amianto.”


A briga comercial é usada até hoje Brasilit tem fábrica”, afirmou Élio Martins, presidente do Grupo Eternit, em 2011.


“Isso é desculpa”, rebate Paes. “A Eter­nit tem uma linha de produtos com fibras alternativas desde 2007. A Isdralit tam­bém anunciou em seu site ter três fábricas que produzem telhas sem amianto.”


O governo federal ainda não criou um consenso sobre o tema. Nas audiências pú­blicas do
STF, representantes dos ministé­rios da Saúde, da Previdência Social e do Meio Ambiente recomendaram categori­camente o banimento do amianto. O diag­nóstico é que não compensa, mesmo em termos financeiros, manter uma atividade tão nociva.

“Somente o custo estimado pa­ra tratar pacientes que desenvolveram cân­cer com amianto é superior a 291,8 milhões de reais em dez anos. E a conta não inclui gastos com atendimento ambulatorial e no tratamento de outras doenças associadas ao asbesto”, comenta Franco Netto.


Além disso, o Brasil gasta mais de 107 milhões de reais em benefícios para os tra­balhadores que adoecem com o amianto, destaca o coordenador-geral de Monitora­mento de Benefícios por Incapacidade do Ministério da Previdência Social, Paulo Rogério de Oliveira. De acordo com ele, os trabalhadores no setor se aposentam após 20 anos de trabalho, que é a aposentadoria mais precoce entre todos os operários sub­metidos a fatores de risco. “Dispêndio nós teremos: ou vamos pagar seguro-desemprego para os trabalhadores ou pagamos como argumento dos defensores do asbesto. As empresas que mantêm a exploração do minério garantem que as normas de seguran­ça impedem a contaminação dos trabalha­dores. E acusam os opositores do amian­to de defender os interesses comerciais da Brasilit, que usa fibras alternativas há mais de uma década. “E muita coincidência que a proibição ao uso do amianto tenha ocor­rido especificamente nos estados em que a para milhões de expostos ao amianto pen­sões, aposentadoria e auxílio-doença.”



Por outro lado, representantes dos mi­nistérios de Minas e Energia e do Desen­volvimento, Indústria e Comércio Exte­rior (MDIC) sustentam que a proibição do amianto traria prejuízos ao País. Antônio José Juliani, analista do MDIC, destaca que o Brasil exporta 140 mil toneladas de amianto por ano e o banimento traria pro­blemas para a balança comercial. “Perde­ríamos cerca de 80 milhões de dólares por ano com as exportações, além de deixar o País dependente de uma matéria-prima que precisa ser importada. Para fabricar os fios sintéticos, usa-se a resina de poli- propileno, derivada de petróleo”, afirmou a CartaCapital. Mas e a saúde do operário? “Fui convidado para falar só sobre os im­pactos econômicos.” A resposta talvez te­nha sido uma piada do integrante do ministério. Entenderemos assim.



Um parecer elaborado pelo economis­ta Luiz Gonzaga Belluzzo, consultor edi­torial de CartaCapital, e outro desenvol­vido pela Unicamp garantem, porém, que os impactos econômicos são insignifican­tes. Primeiro, por já existirem vários subs­titutos ao amianto. Segundo, pelo fato de o custo médio de uma telha com fibras al­ternativas ser apenas 12% superior à do amianto, valor que tende a se diluir quan­do analisado o custo total da obra. Por fim, os postos de trabalho perdidos ten- , dem a ser compensados com a geração de empregos em outros segmentos. “Não há dúvidas quanto à imperiosidade do bani­mento do uso do amianto para garantir di­reitos fundamentais às populações expos­tas a essas fibras”, registrou Belluzzo.



Além disso, especialistas contestam a tese de “uso seguro” do amianto. “Precisa­mos desmitificar essa falácia. Não existe ‘amianto light’, que não faz mal à saúde”, ataca o pneumologista Eduardo Algranti, pesquisador da Fundacentro e consultor em saúde ocupacional da OMS. “Sim, o crisotila tem menor potencial cancerígeno que o amianto anfibólico, mas também é cancerígeno e não há níveis seguros de ex­posição a essa substância. Ainda que fosse possível evitar a contaminação dentro da . mina ou das fábricas de fibrocimento, não há como garantir isso no transporte, na construção civil ou mesmo no descarte desses produtos”, afirma. O médico cita ainda um estudo realizado com pacientes do ambulatório da Fundacentro, que aten­de funcionários de uma antiga indústria de fibrocimento em Osasco. “Dos 1.333 pa­cientes expostos ao asbesto, 356 (26,7%) apresentaram doenças relacionadas ao amianto, como asbestose e mesotelioma.”


A despeito dos alertas de especialistas e da própria Organização Mundial da Saúde, o Grupo Eternit insiste em vender a ideia de que é possível trabalhar com o amian­to de forma segura. Em resposta a pergun­tas enviadas por CartaCapital, a assessoria de imprensa da empresa diz que os rígi­dos controles dos processos, desde a extra­ção até a fabricação de produtos utilizados pela população, “não permitem a liberação de fibras em concentração maior que a en­contrada normalmente na atmosfera. Sem concentração de fibras, não há alterações”. Além disso, a companhia destaca que não foram encontradas doenças respiratórias, relacionadas ao amianto, em trabalhado­res que iniciaram a mineração do crisotila nos últimos 30 anos. “Eventual substi­tuição abrupta e desnecessária do amianto crisotila no Brasil provocará o fechamen­to de indústrias, com consequente desem­prego e o desabastecimento do mercado.”


Auditora do Ministério do Trabalho e fundadora da Abrea, Fernanda Gianassi refuta o argumento da ausência de casos recentes de doenças relacionadas ao amianto. “Numerosos especialistas aler­tam que essas moléstias podem demorar décadas para se manifestar, como ocorreu com Aldo Vicentin”, afirma. Recentemen­te, a associação que ela preside ingressou com uma ação no Supremo para questio­nar a constitucionalidade da lei que autori­za o uso do amianto crisotila. “Trata-se de uma questão de saúde pública, e não de quem tem ou não competência para legis­lar sobre um minério. Se os ministros jul­garem a ação procedente, não precisare­mos mais de leis estaduais de proteção.” Difícil será vencer o lobby do setor. A in­dústria investe pesado em publicidade próamianto nos principais veículos de comunicação. Carta Capital chegou a recusar um desses anúncios, embora outras publicações tenham convenientemente aceitado a oferta. Durante as audiências públicas no
STF, um outdoor em frente ao aeroporto de Brasília tentava sensibilizar os visitantes da capital pela manutenção da atividade. A peça ostentava o logotipo de duas destaca­das revistas, Epoca e Exame, que concede­ram prêmios à mineradora Sama. Além disso, apenas nas eleições de 2010, a com­panhia doou 1,9 milhão de reais aos mais variados partidos. A Eternit, que domina um terço do mercado de fibrocimento, contribuiu com mais de 1,8 milhão de reais.


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