Entrevistas
Beto Almeida: Interesses comerciais ameaçam Voz do Brasil
Por Daniele Silveira - Radioagência NP - publicado em 10.7.12
Jornalista Beto Almeida, em palestra no 16º Curso Anual do NPC
O Projeto de Lei (PL) que propõe a flexibilização do horário de veiculação da Voz do Brasil
pode resultar no fim do mais antigo programa de rádio do mundo. A
proposta pretende deixar as emissoras de rádio comercias e comunitárias
livres para escolher entre19h e 22h o horário de transmissão.
O projeto, aprovado em 2006 pelos deputados, foi alterado no Senado e
retornou à Câmara Federal em dezembro de 2010. Na semana passada, o PL
entraria em votação, mas foi retirado da pauta. Há mais de 70 anos no
ar, a Voz do Brasil é transmitida obrigatoriamente às 19h.
Diante do conflito de interesses que envolve a proposta, a Radioagência NP
entrevistou o jornalista e presidente da TV Cidade Livre de Brasília,
Beto Almeida. Ele aponta que houve falta de discussão no plenário da
Câmara e a tramitação no Senado ocorreu durante período esvaziado. Almeida ainda chama atenção para a importância do programa como meio
de acesso a informação para muitos cidadãos do interior do país. Para
ele, existe uma evidente articulação das rádios comerciais para tornar o
programa inviável.
Radioagência NP: Beto, como você avalia o projeto que pretende flexibilizar os horários de transmissão do programa Voz do Brasil? Beto Almeida: A flexibilização da Voz do Brasil é, na verdade, um cavalo de troia que traz dentro de si a ideia de extinção da Voz do Brasil. Tal como a ideia da flexibilização da CLT dos direitos trabalhistas é ruim para os trabalhadores, a flexibilização da Voz do Brasil
é muito ruim para a população em geral porque as 7 mil rádios hoje
existentes no Brasil, a esmagadora maioria delas, não consegue produzir
jornalismo. Então, elas têm programas sofríveis, precários do ponto de
vista jornalístico, e não fazem integração nacional via informação. A
informação se revela como fator de missão social muito importante para
integrar o país como um todo.
A quem interessa o projeto? Flexibilizar é você dar às rádios a
possibilidade de escolherem o horário em que o programa será veiculado.
Mas aí quem é que vai fiscalizar? Hoje, sendo obrigatória a Voz do Brasil,
você já não tem condição de fiscalizar 7 mil rádios. Imagine se você
flexibilizar o horário. É, na verdade, um truque que os oligarcas da
informação estão utilizando para tornar infiscalizável.
Qual a importância da Voz do Brasil? BA: O rádio é o grande fator de informação,
juntamente com a televisão obviamente, mas o rádio pode dar uma
informação, por exemplo, sobre o Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA) do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Agrário que o
jornal da Globo não tem interesse em dar. Ou, por exemplo, medidas do
Ministério da Pesca para as colônias de pescadores e a Voz do Brasil
alcança as embarcações onde elas estiverem, as colônias de pescadores,
os ribeirinhos, o que muitas vezes não vai acontecer pela televisão. O
preço mínimo da borracha, por exemplo, através de um radinho o
seringueiro que fica três, quatro, dias pela floresta trabalhando ele
recebe essa informação pela Voz do Brasil. E os deputados sabendo disso passam a informação do preço da borracha na Tribuna da Câmara porque sabem que a Voz do Brasil vai transmitir essa informação.
Muitos críticos dizem que o programa é um resquício da “ditadura Vargas”. Como você avalia esse posicionamento? BA: Eu colocaria resquício entre aspas, muitas
aspas, porque na era Vargas o povo brasileiro conquistou muitas coisas.
Por exemplo, a empresa de petróleo, a Petrobrás, a Vale do Rio Doce, os
direitos trabalhistas, a licença maternidade, tudo isso é resquício
entre aspas da Era Vargas. E a voz do Brasil veio naquela época, quando o
mundo se preparava para a guerra, havia uma ameaça de guerra, que
depois aconteceu, e havia ideias de fragmentação do país. Essas ideias
de dividir, fragmentar, o país como nós vemos hoje são ameaças que
continuam existindo. Há um intervencionismo crescente do imperialismo
sobre ou contra os países que tem riqueza mineral e o Brasil as tem.
Então, nós devemos manter sempre atentos instrumentos de integração
nacional até como capacidade de defesa. E o povo precisa estar informado
sobre os atos do governo, sobre os atos do legislativo, sobre os atos
do executivo, e isso não acontece hoje se você olhar o rádio comercial
na sua grande maioria ou a TV na sua grande maioria.
A suposição de que o programa não dá audiência tem fundamento? BA: Usam-se argumentos de que ele não tem audiência,
mas as pesquisas que os empresários fizeram e escondem, por que eles
não as divulgam? Porque os resultados são contra eles. Uma delas feita
pelo Ibope dizia que no horário de 19h às 20h dois terços dos rádios nas
cidades permaneciam ligados. Ora, 19h às 20h é Voz do Brasil, então não
existe aquela ideia de que todo mundo desliga o rádio.
Quais os problemas relacionados à tramitação desse projeto? BA: Primeiro, ele passou sem ter grandes audiências
públicas na Câmara, sem ter ido a plenário. Ele não foi colocado a
plenário, porque foi feito um acordo com os empresários da Abert
[Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão] para que o
projeto tivesse rito sumário. Rito sumário significa que ele não vai a
plenário, então, ele não foi aprovado pela maioria. Quando ele chegou no
senado havia esvaziamento eleitoral porque era ano eleitoral, 2010.
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Piratininga
de Comunicação
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