Pol�tica
Quem fraudou a eleição mexicana
Em 2006, houve até sumiço generalizado de cédulas. Agora, os fatores decisivos foram mídia e manipulação do medo
Por Mark Weisbrot* | Tradução: Hugo Albuquerque | Publicado pelo Outras Palavras em 13.7.12
A mídia reescreve a história a cada dia e, ao fazê-lo, muitas vezes
impede a compreensão do presente. A eleição presidencial do México, uma
semana atrás, é um desses casos. Relatos da imprensa dizem que Felipe
Calderón, o presidente do PAN (Partido da Ação Nacional), que agora
deixa o poder, “ganhou a eleição de 2006 por uma margem estreita”.
Mas isso não é exatamente verdade, e sem saber o que realmente
aconteceu em 2006, talvez seja mais difícil entender o ceticismo
generalizado do povo mexicano em relação aos resultados da atual
eleição. Os resultados oficiais mostram o candidato Enrique Peña Nieto,
do Partido Revolucionário Institucional (PRI), ganhando com 38,2% dos
votos contra 31,6% de Andrés Manuel López Obrador, do Partido da
Revolução Democrática (PRD) e 25,4% de Josefina Vázquez Mota do PAN.
Vale saber que a atual eleição foi marcada por relatos generalizados de
compra de votos. Do Washington Post:
“Não foi uma eleição limpa, nem
justa”, disse Eduardo Huchim da Aliança Cívica, um grupo de vigilância
mexicano financiado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas.
“Foi um suborno em grande escala”,
disse Huchim, um ex-integrante do Instituto Federal Eleitoral. “Foi
talvez a maior operação de compra de votos e coação na história do
país.”
Isso pode não ter sido suficiente para alterar o
resultado da corrida presidencial, mas, para aqueles que sabem o que
realmente aconteceu em 2006, a falta de fé dos eleitores nos resultados é
completamente compreensível. Naquele ano, a diferença oficial da
votação entre o eleito Calderón e López Obrador, do PRD (candidato pelo
mesmo partido, nas eleições de então), foi de 0,58%. Mas houve
irregularidades em massa.
O mais importante – e largamente ignorado pela imprensa
internacional, foram os chamados problema adicionais, na maioria dos
locais de votação. De acordo com os procedimentos eleitorais do México,
cada seção eleitoral recebe um número fixo de cédulas eleitorais.
Obviamente, ele deve ser idêntico, após a votação, à soma dos votos
depositados em urna mais as cédulas que não foram usadas. Na maioria dos
locais de votação, isso não aconteceu…
Pior: por pressão da opinião pública, as autoridades eleitorais
mexicanas fizeram duas recontagens parciais de votos. A segunda envolveu
uma amostra enorme: foram revistos 9% dos votos. Mas, sem oferecer
qualquer explicação, as autoridades eleitorais recusaram-se a divulgar
para o público os resultados gerais da recontagem.
De 9 a 13 agosto de 2006, foram publicadas milhares de páginas de
resultados na web, que incluíam os totais parciais de votos recontados.
Após centenas de horas de trabalho, foi possível computar os resultados
da recontagem com os anteriores. No Centro de Pesquisa Política e
Econômica [CEPR na sigla em inglês], fizemos isso com uma amostra aleatória enorme (14,4% dos votos recontados). Neste universo, a margem de vitória de Calderón desapareceu.
Isso pode explicar por que as autoridades eleitorais nunca disseram
ao público o que a recontagem mostrou, e por que se recusaram a fazer um
recômputo total – que teria sido apropriado, para uma eleição marcada
por tantas irregularidades. A recontagem geral poderia facilmente ter
revertido o resultado, ou ter definido que ele era completamente
indeterminado.
Naquela época, fiquei impressionado com a falta de interesse dos
meios de comunicação pelos problemas “adicionais”, ou pelos resultados
da recontagem. Os dados estavam disponíveis na web. Apesar de ter sido
trabalhosa a recontagem de dados, qualquer organização de notícias, com
um mínimo de recursos, poderia tê-la feito. Nenhuma se interessou.
López Obrador cometeu o erro de denunciar que a eleição de 2006 foi
roubada sem exigir que os resultados da recontagem fossem divulgados –
provavelmente, porque não acreditava que eles seriam mais precisos do
que a contagem original. Ele chamou a atenção para os problemas
adicionais, mas a mídia ignorou isso e, principalmente, caracterizou-o
como um mau perdedor.
A eleição de 2012 também foi fraudulenta
As eleições de 2006 e 2012 foram, ambas, manipuladas de outras
maneiras. Um estudo da Universidade do Texas mostra que a mídia tomou
claro partido contra López Obrador, em 2006, e que tal postura foi mais
que suficiente para balançar uma eleição apertada. Cerca de 95% de
transmissão de TV é controlada por apenas duas empresas, a Televisa e
Azteca, e sua hostilidade diante d o PRD é notória.
Na atual campanha presidencial, o duopólio da mídia foi alvo de
críticas por não transmitir nacionalmente o primeiro debate
presidencial, em 6 de maio. Depois de manifestantes estudantis [que
protestavam contra a cobertura da TV] terem sido difamados pela mídia,
que os tratou como agitadores externos, um movimento de protesto foi
lançado. Chamou-se “Yosoy # 132″ (“Eu Sou # 132″), porque 131 dos que
protestaram inicialmente produziram um vídeo viral mostrando suas
identidades estudantis (para desmentir as alegações da mídia).
John Ackerman criticou
com razão o presidente Obama por felicitar Peña Nieto como vencedor das
eleições antes dos resultados oficiais. Foi uma jogada semelhante à do
governo Bush para ajudar Calderón em 2006, imediatamente após a
votação. A campanha de Calderón para estabelecer sua “vitória” como fato
consumado foi desenhada com base no que a equipe de Bush fez na Flórida
em 2000, aproveitando-se de sua “vantagem de jogar em casa”. Esta
história está relatada no excelente livro de Jeffrey Toobin, Too Close to Call.
Como já observei,
o fato de o México ter um eleitorado de direita não fez com que
contrariasse a tendência da América Latina nos últimos 14 anos. Um país
após o outro da região (Brasil, Venezuela, Argentina, Equador, Bolívia,
Uruguai, Paraguai, Honduras, El Salvador, Nicarágua e outros) elegeu e
reelegeu governos de esquerda, em resposta ao pior fracasso econômico de
longo prazo (1980-2000) da América Latina em mais de um século. Na
última década, o resto da região saiu-se melhor; mas o México, não.
Alguns analistas apontaram
os outros presidentes de esquerda das Américas também enfrentaram
mídias hostis e tendenciosas e, mesmo assim, venceram. Isso foi
certamente verdade em todos os países mencionados – sendo que alguns,
como a Bolívia, têm uma mídia mais tendenciosa que a do México. Mas o
México está, como diz o ditado, “tão longe de Deus e tão perto dos
Estados Unidos”.
Uma coisa é retratar um líder do Equador ou Bolívia como “outro Hugo
Chávez”, algo efetivamente feito pelas campanhas de mídia daqueles
países e de outros. Os candidatos riem disso. Mas, quando a mídia
mexicana faz o mesmo com López Obrador – como vem fazendo desde 2006 –, o
significado é outro. O México compartilha uma fronteira de 3,2 mil
quilômetros com os Estados Unidos e envia 80% de suas exportações
não-petrolíferas para o norte. Sem mencionar que 12 milhões de mexicanos
vivem nos Estados Unidos.
A mídia de direita do México está em uma posição mais forte para
impulsionar uma campanha eficaz de medo. Da Grécia à Irlanda, passando
pelo México, é assim que a elite mantém seu controle e poder sobre as
economias em crise. Não oferece esperança de um futuro melhor, por mais
tênue que seja. Prefere espalhar o medo, afirmando que qualquer
alternativa trará o Armagedom.
Enquanto não houver mecanismos de controle corretos para a mídia
televisiva – que possibilitem, conforme necessário, alguma segurança
contra manipulações eleitorais – o México terá uma forma muito limitada
de democracia e, também, ficará muito aquém de seu potencial econômico.
–
* Mike Weisbrot é co-diretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas [CEPR, em inglês], em Londres, e colunista do The Guardian.
Núcleo
Piratininga
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