Pol�tica
Estados Unidos, Venezuela e Paraguai
A política externa norte-americana na América do Sul
sofreu as consequências totalmente inesperadas da pressa dos
neogolpistas paraguaios em assumir o poder, com tamanha voracidade que
não podiam aguardar até abril de 2013, quando serão realizadas as
eleições, e agora articula todos os seus aliados para fazer reverter a
decisão de ingresso da Venezuela. A questão do Paraguai é a questão da
Venezuela, da disputa por influência econômica e política na América do
Sul. [12.7.12]
Por Samuel Pinheiro Guimarães - Especial para a Carta Maior
1. Não há como entender as peripécias da
política sul-americana sem levar em conta a política dos Estados Unidos
para a América do Sul. Os Estados Unidos ainda são o principal ator
político na América do Sul e pela descrição de seus objetivos devemos
começar.
2. Na América do Sul, o objetivo estratégico central dos
Estados Unidos, que apesar do seu enfraquecimento continuam sendo a
maior potência política, militar, econômica e cultural do mundo, é
incorporar todos os países da região à sua economia. Esta incorporação
econômica leva, necessariamente, a um alinhamento político dos países
mais fracos com os Estados Unidos nas negociações e nas crises
internacionais.
3. O instrumento tático norte-americano para
atingir este objetivo consiste em promover a adoção legal pelos países
da América do Sul de normas de liberalização a mais ampla do comércio,
das finanças e investimentos, dos serviços e de “proteção” à propriedade
intelectual através da negociação de acordos em nível regional e
bilateral.
4. Este é um objetivo estratégico histórico e
permanente. Uma de suas primeiras manifestações ocorreu em 1889 na I
Conferência Internacional Americana, que se realizou em Washington,
quando os EUA, já então a primeira potência industrial do mundo,
propuseram a negociação de um acordo de livre comércio nas Américas e a
adoção, por todos os países da região, de uma mesma moeda, o dólar.
5.
Outros momentos desta estratégia foram o acordo de livre comércio
EUA-Canadá; o NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte,
incluindo além do Canadá, o México); a proposta de criação de uma Área
de Livre Comércio das Américas - ALCA e, finalmente, os acordos
bilaterais com o Chile, Peru, Colômbia e com os países da América
Central.
6. Neste contexto hemisférico, o principal objetivo
norte-americano é incorporar o Brasil e a Argentina, que são as duas
principais economias industriais da América do Sul, a este grande
“conjunto” de áreas de livre comércio bilaterais, onde as regras
relativas ao movimento de capitais, aos investimentos estrangeiros, aos
serviços, às compras governamentais, à propriedade intelectual, à defesa
comercial, às relações entre investidores estrangeiros e Estados seriam
não somente as mesmas como permitiriam a plena liberdade de ação para
as megaempresas multinacionais e reduziria ao mínimo a capacidade dos
Estados nacionais para promover o desenvolvimento, ainda que
capitalista, de suas sociedades e de proteger e desenvolver suas
empresas (e capitais nacionais) e sua força de trabalho.
7. A
existência do Mercosul, cuja premissa é a preferência em seus mercados
às empresas (nacionais ou estrangeiras) instaladas nos territórios da
Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai em relação às empresas
que se encontram fora desse território e que procura se expandir na
tentativa de construir uma área econômica comum, é incompatível com
objetivo norte-americano de liberalização geral do comércio de bens, de
serviços, de capitais etc que beneficia as suas megaempresas,
naturalmente muitíssimo mais poderosas do que as empresas
sul-americanas.
8. De outro lado, um objetivo (político e
econômico) vital para os Estados Unidos é assegurar o suprimento de
energia para sua economia, pois importam 11 milhões de barris diários de
petróleo sendo que 20% provêm do Golfo Pérsico, área de extraordinária
instabilidade, turbulência e conflito.
9. As empresas americanas
foram responsáveis pelo desenvolvimento do setor petrolífero na
Venezuela a partir da década de 1920. De um lado, a Venezuela
tradicionalmente fornecia petróleo aos Estados Unidos e, de outro lado,
importava os equipamentos para a indústria de petróleo e os bens de
consumo para sua população, inclusive alimentos.
10. Com a
eleição de Hugo Chávez, em 1998, suas decisões de reorientar a política
externa (econômica e política) da Venezuela em direção à América do Sul
(i.e. principal, mas não exclusivamente ao Brasil), assim como de
construir a infraestrutura e diversificar a economia agrícola e
industrial do país viriam a romper a profunda dependência da Venezuela
em relação aos Estados Unidos.
11. Esta decisão venezuelana, que
atingiu frontalmente o objetivo estratégico da política exterior
americana de garantir o acesso a fontes de energia, próximas e seguras,
se tornou ainda mais importante no momento em que a Venezuela passou a
ser o maior país do mundo em reservas de petróleo e em que a situação do
Oriente Próximo é cada vez mais volátil.
12. Desde então
desencadeou-se uma campanha mundial e regional de mídia contra o
Presidente Chávez e a Venezuela, procurando demonizá-lo e caracterizá-lo
como ditador, autoritário, inimigo da liberdade de imprensa, populista,
demagogo etc. A Venezuela, segundo a mídia, não seria uma democracia e
para isto criaram uma “teoria” segundo a qual ainda que um presidente
tenha sido eleito democraticamente, ele, ao não “governar
democraticamente”, seria um ditador e, portanto, poderia ser derrubado.
Aliás, o golpe já havia sido tentado em 2002 e os primeiros lideres a
reconhecer o “governo” que emergiu desse golpe na Venezuela foram George
Walker Bush e José María Aznar.
13. À medida que o Presidente
Chávez começou a diversificar suas exportações de petróleo, notadamente
para a China, substituiu a Rússia no suprimento energético de Cuba e
passou a apoiar governos progressistas eleitos democraticamente, como os
da Bolívia e do Equador, empenhados em enfrentar as oligarquias da
riqueza e do poder, os ataques redobraram orquestrados em toda a mídia
da região (e do mundo).
14. Isto apesar de não haver dúvida sobre
a legitimidade democrática do Presidente Chávez que, desde 1998,
disputou doze eleições, que foram todas consideradas livres e legítimas
por observadores internacionais, inclusive o Centro Carter, a ONU e a
OEA.
15. Em 2001, a Venezuela apresentou, pela primeira vez,
sua candidatura ao Mercosul. Em 2006, após o término das negociações
técnicas, o Protocolo de adesão da Venezuela foi assinado pelos
Presidentes Chávez, Lula, Kirchner, Tabaré e Nicanor Duarte, do
Paraguai, membro do Partido Colorado. Começou então o processo de
aprovação do ingresso da Venezuela pelos Congressos dos quatro países,
sob cerrada campanha da imprensa conservadora, agora preocupada com o
“futuro” do Mercosul que, sob a influência de Chávez, poderia, segundo
ela, “prejudicar” as negociações internacionais do bloco etc. Aquela
mesma imprensa que rotineiramente criticava o Mercosul e que advogava a
celebração de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, com a
União Européia etc, se possível até de forma bilateral, e que
considerava a existência do Mercosul um entrave à plena inserção dos
países do bloco na economia mundial, passou a se preocupar com a
“sobrevivência” do bloco.
16. Aprovado pelos Congressos da
Argentina, do Brasil, do Uruguai e da Venezuela, o ingresso da Venezuela
passou a depender da aprovação do Senado paraguaio, dominado pelos
partidos conservadores representantes das oligarquias rurais e do
“comércio informal”, que passou a exercer um poder de veto, influenciado
em parte pela sua oposição permanente ao Presidente Fernando Lugo,
contra quem tentou 23 processos de “impeachment” desde a sua posse em
2008.
17. O ingresso da Venezuela no Mercosul teria quatro
consequências: dificultar a “remoção” do Presidente Chávez através de um
golpe de Estado; impedir a eventual reincorporação da Venezuela e de
seu enorme potencial econômico e energético à economia americana;
fortalecer o Mercosul e torná-lo ainda mais atraente à adesão dos demais
países da América do Sul; dificultar o projeto americano permanente de
criação de uma área de livre comércio na América Latina, agora pela
eventual “fusão” dos acordos bilaterais de comércio, de que o acordo da
Aliança do Pacifico é um exemplo.
18. Assim, a recusa do Senado
paraguaio em aprovar o ingresso da Venezuela no Mercosul tornou-se
questão estratégica fundamental para a política norte americana na
América do Sul.
19. Os líderes políticos do Partido Colorado, que
esteve no poder no Paraguai durante sessenta anos, até a eleição de
Lugo, e os do Partido Liberal, que participava do governo Lugo,
certamente avaliaram que as sanções contra o Paraguai em decorrência do
impedimento de Lugo, seriam principalmente políticas, e não econômicas,
limitando-se a não poder o Paraguai participar de reuniões de
Presidentes e de Ministros do bloco.
Feita esta avaliação,
desfecharam o golpe. Primeiro, o Partido Liberal deixou o governo e
aliou-se aos Colorados e à União Nacional dos Cidadãos Éticos - UNACE e
aprovaram, a toque de caixa, em uma sessão, uma resolução que consagrou
um rito super-sumário de “impeachment”.
Assim, ignoraram o
Artigo 17 da Constituição paraguaia que determina que “no processo
penal, ou em qualquer outro do qual possa derivar pena ou sanção, toda
pessoa tem direito a dispor das cópias, meios e prazos indispensáveis
para apresentação de sua defesa, e a poder oferecer, praticar, controlar
e impugnar provas”, e o artigo 16 que afirma que o direito de defesa
das pessoas é inviolável.
20. Em 2003, o processo de
impedimento contra o Presidente Macchi, que não foi aprovado, levou
cerca de 3 meses enquanto o processo contra Fernando Lugo foi iniciado e
encerrado em cerca de 36 horas. O pedido de revisão de
constitucionalidade apresentado pelo Presidente Lugo junto à Corte
Suprema de Justiça do Paraguai sequer foi examinado, tendo sido
rejeitado in limine.
21. O processo de impedimento do Presidente
Fernando Lugo foi considerado golpe por todos os Estados da América do
Sul e de acordo com o Compromisso Democrático do Mercosul o Paraguai foi
suspenso da Unasur e do Mercosul, sem que os neogolpistas manifestassem
qualquer consideração pelas gestões dos Chanceleres da UNASUR, que
receberam, aliás, com arrogância.
22. Em consequência da
suspensão paraguaia, foi possível e legal para os governos da Argentina,
do Brasil e do Uruguai aprovarem o ingresso da Venezuela no Mercosul a
partir de 31 de julho próximo. Acontecimento que nem os neogolpistas nem
seus admiradores mais fervorosos - EUA, Espanha, Vaticano, Alemanha, os
primeiros a reconhecer o governo ilegal de Franco - parecem ter
previsto.
23. Diante desta evolução inesperada, toda a imprensa
conservadora dos três países, e a do Paraguai, e os líderes e partidos
conservadores da região, partiram em socorro dos neogolpistas com toda
sorte de argumentos, proclamando a ilegalidade da suspensão do Paraguai
(e, portanto, afirmando a legalidade do golpe) e a inclusão da
Venezuela, já que a suspensão do Paraguai teria sido ilegal.
24.
Agora, o Paraguai procura obter uma decisão do Tribunal Permanente de
Revisão do Mercosul sobre a legalidade de sua suspensão do Mercosul
enquanto, no Brasil, o líder do PSDB anuncia que recorrerá à justiça
brasileira sobre a legalidade da suspensão do Paraguai e do ingresso da
Venezuela.
25. A política externa norte-americana na América do
Sul sofreu as consequências totalmente inesperadas da pressa dos
neogolpistas paraguaios em assumir o poder, com tamanha voracidade que
não podiam aguardar até abril de 2013, quando serão realizadas as
eleições, e agora articula todos os seus aliados para fazer reverter a
decisão de ingresso da Venezuela.
26. Na realidade, a questão do
Paraguai é a questão da Venezuela, da disputa por influência econômica e
política na América do Sul e de seu futuro como região soberana e
desenvolvida.
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