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Uma luz no fim do túnel na luta pela regulação da mídia
Por Dênis de Moraes * - no IHU Online
Uma luz no fim do túnel surge para a causa da democratização da
comunicação no Brasil. O jurista Fábio Konder Comparato acaba de obter
vitória parcial, porém significativa, na ação direta de
inconstitucionalidade que move no Supremo Tribunal Federal,
representando o PSOL, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a
Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e
Televisão (Fitert), contra a omissão do Congresso Nacional ao não
regulamentar o capítulo da Constituição de 1988 que trata da comunicação
social. A Procuradoria Geral da República emitiu parecer favorável à
ação, o que abre caminho ao pronunciamento do STF sobre matéria
fundamental à reestruturação do sistema de comunicação do país.
No
entendimento da Procuradoria, o poder público deve atuar no sentido de
reequilibrar os interesses em disputa e resguardar a diversidade
informativa e cultural: “Revela-se legítima a intervenção do Estado na
estruturação e no funcionamento do mercado. Principalmente quando se
trata de coibir os excessos da concentração de poderes em determinados
grupos econômicos, de modo a se garantir a diversidade de pontos de
vista e a prevalência da autonomia individual na livre formação da
convicção de cada um”.
De fato, regular democraticamente a mídia constitui providência
decisiva para coibir a concentração monopólica e, sobretudo,
diversificar os meios sob concessão pública (rádio e televisão). Cabe à
Suprema Corte determinar ao letárgico Congresso que cumpra o seu dever
de regulamentar artigos capazes de assegurar a plena liberdade de
expressão e o pluralismo.
Inércia governamental e silêncio das corporações midiáticas
Por mais meritórios que sejam congressos, seminários e manifestos, a
verdade é que essas formas cidadãs de intervenção no debate sobre a
regulação da mídia têm se revelado insuficientes, em decorrência de dois
fatores adversos: a inércia ou o desinteresse governamental na questão,
por mais absurdo que pareça; e a fortaleza de silêncio erguida por
corporações midiáticas em torno do tema, sonegando ao conjunto da
sociedade informações e elementos de esclarecimento. Os grupos privados
assim procedem no intuito de bloquear qualquer iniciativa que possa
afetar suas obsessivas ambições de poder e rentabilidade. O resultado é
que a opinião pública não consegue avaliar na devida conta a relevância
da democratização da comunicação para a evolução civilizatória e o
aprofundamento dos direitos da cidadania. Está prisioneira do círculo de
ocultamento e interdição imposto pelos aparatos hegemônicos de difusão.
E, como se não bastasse, os sucessivos governos parecem estar de acordo
ou se omitem frente a uma situação alarmante de prevalência de
conveniências empresariais sobre os interesses coletivos.
Daí a importância de se apoiar a ação direta de
inconstitucionalidade, em tramitação no STF desde 10 de dezembro de
2010, em nome do PSOL. Ficou paralisada quase um ano e meio pela demora
do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em divulgar seu
parecer. Fábio Comparato, em 2012, recorreu ao STF contra a protelação e
agora veio a público o parecer favorável do procurador-geral. A ação
tem teor e objetivos semelhantes à que havia sido protocolada por
Comparato em 18 de outubro de 2010, representando a Fenaj e Fitert. A
petição requer ao STF que determine ao Congresso proceder à
regulamentação de três artigos da Constituição (220, 221 e 223). Entre
as normas pendentes, estão a criação de uma legislação específica sobre o
direito de resposta, a proibição de monopólio ou oligopólio dos meios
de comunicação e a definição de critérios sociais para produção e
programação exibida pelos veículos.1
Em sua argumentação, detalhada no prefácio do livro de Venício de
Lima, Liberdade de expressão vs. liberdade de imprensa: direito à
comunicação e democracia (Publisher Brasil, 2010), Fábio Comparato
argumenta que as liberdades públicas e privadas não podem ser afetadas
pela ausência de regulamentação da comunicação. A Constituição de 1988
declarou livre a manifestação do pensamento (artigo 5º, inciso IV), mas
deixou a regulamentação do princípio para a legislação ordinária – o que
jamais foi feito, inclusive porque, como assinala Comparato, o
“Congresso Nacional é sistematicamente paralisado pela pressão dominante
das empresas de comunicação”. O jurista ressalta que “se, numa
sociedade de massas, as opiniões, ideias, protestos ou propostas só
podem ser manifestados publicamente através dos meios institucionais de
comunicação social, é evidente que esse espaço, por natureza pública,
não pode ser apropriado por particulares, atuando em ambiente não
regulamentado”. Ele salienta que liberdade de expressão está
indissociavelmente vinculada aos direitos públicos e às aspirações
coletivas, sem qualquer subordinação a interesses privados ou ambições
particulares. E acrescenta:
“Nunca é demais repetir que público opõe-se a próprio. Público é o
que pertence a todos. Próprio, o que pertence exclusivamente a um ou
alguns. A comunhão ou comunidade é o exato contrário da propriedade.
Nesse sentido, pode-se dizer que a liberdade de expressão, enquanto
direito fundamental, não pode ser objeto de propriedade de ninguém, pois
ela é um atributo essencial da pessoa humana, um direito comum a todos.
Ora, se a liberdade de expressão se exerce atualmente pela mediação
necessária dos meios de comunicação de massa, estes últimos não podem,
em estrita lógica, ser objeto de propriedade empresarial no interesse
privado”.
De fato, as políticas de regulação não se confundem com censura,
desrespeito a liberdades individuais e coletivas, como querem fazer crer
editoriais falaciosos publicados por grupos midiáticos. Ao contrário,
quando formuladas em sintonia com o pluralismo, resguardam a variedade
informativa, incentivam a livre expressão e apoiam a produção cultural
nacional, regional e independente.
O aval da PGR à ação direta de inconstitucionalidade movida por Fábio
Comparato constitui significativo estímulo à intensificação da pressão
social para que o STF obrigue o Congresso a regulamentar matéria
decisiva no árduo processo para se reverter a tendência histórica de
concentração da mídia nas mãos de poucas corporações, a maioria delas
controlada por dinastias familiares. ***
* Dênis de Moraes é professor do Departamento de Estudos Culturais e
Mídia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do CNPq e da
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro Faperj. Dênis de Moraes colabora regularmente com as atividades
do Grupo Cepos.
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