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MPF move ação para Globo não exibir no BBB cenas de crime ou que lembrem crimes
Publicado em 26.4.12 - por Luis Nassif Online
Na mesma ação, MPF requer que o
Ministério das Comunicações fiscalize o programa e que Globo seja
condenada a produzir e exibir campanha sobre Direitos da Mulher e contra
a violência de gênero
O Ministério Público Federal em São Paulo, por meio da Procuradoria
Regional dos Direitos do Cidadão, ajuizou ação civil pública contra a TV
Globo e a União, com pedido de liminar, para que a emissora deixe de
transmitir durante o “Big Brother Brasil”, seja em TV aberta ou em TV a
cabo ou por qualquer outro meio, cenas que possam estar relacionadas,
mesmo que em tese, à prática de crimes. À União, o MPF requer que a
Justiça Federal determine a obrigação de fiscalizar o reality show por
meio da Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério das
Comunicações.
No final do processo, o MPF requer, além da manutenção
das eventuais liminares concedidas, que a Rede Globo seja condenada a
elaborar e divulgar campanha de conscientização à população acerca dos
direitos das mulheres, visando a erradicação da violência de gênero,
além de adotar as medidas necessárias para monitorar as condutas
praticadas pelos participantes do reality show com o intuito de impedir a
exibição de imagens atentatórias aos valores éticos e sociais ou a
imediata reparação dos danos causados pela eventual exibição dessas
imagens.
Em 17 de janeiro deste ano, o Ministério Público Federal em São
Paulo, após milhares de manifestações de telespectadores nas redes
sociais e reportagens de jornalistas especializados, abriu procedimento
visando apurar a violação de direitos da mulher no BBB 12.
O fato que causou essa comoção social foi a exibição, na madrugada de
15 de janeiro deste ano, de imagens de um suposto estupro de vulnerável
ocorrido no programa, constatado por telespectadores da atração em
sistema pay-per-view, que desconfiaram da prática do abuso pelo fato de
que enquanto ambos estavam na mesma cama ocorreram movimentos
característicos de sexo entre os participantes Daniel e Monique, sendo
que ela aparentemente dormia em razão de excesso de consumo de álcool.
NOVE MINUTOS NO AR - As imagens do suposto abuso
sexual foram exibidas durante 9 minutos e 29 segundos da versão
pay-per-view do BBB12. Um pequeno trecho da cena foi exibido na versão
do programa, em TV aberta, no mesmo dia 15, na edição que trouxe um
resumo da festa na véspera.
Pela análise das cenas exibidas no pay-per-view, pode-se interpretar a
possível ocorrência de abuso sexual, uma vez que Monique aparece parada
na mesma posição todo o tempo em contraste com a intensa movimentação
de Daniel, com conotação sexual. Ainda, pela análise da cena, pode-se
observar que a movimentação do rapaz só termina após a intervenção de
Monique, que o afasta com a mão, no que pareceu ser um ato de defesa.
O MPF, é bom deixar claro, não está acusando Daniel de abuso sexual. A
ação civil visa tão somente a adequação do programa para impedir que
cenas, que dêem margem a interpretações do gênero, aconteçam novamente,
e, pior, sejam exibidas em qualquer modo de transmissão. O caso foi
investigado na esfera penal pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, mas
que foi trancado em virtude de, em depoimento, Monique ter declarado que
os atos foram consensuais.
Entretanto, as cenas exibidas, independentemente do alegado por
Daniel e Monique à polícia, deram margem a esse tipo de interpretação de
sexo não consensual e, no mesmo dia, o assunto tomou proporções
gigantescas no Twitter, sendo um dos assuntos mais comentados da rede
social e em sites jornalísticos ou não, naquele dia e nos seguintes.
OMISSÃO - Entretanto, na avaliação do MPF, mesmo
após a advertência do público, a direção do programa nada fez para
remediar os danos do suposto crime e da veiculação das imagens. Pior,
“de forma imprudente, realizou a exibição de trecho destas imagens no
programa transmitido na noite do mesmo dia 15 de janeiro”. A cena
aparece aos 09 minutos e 40 segundos da gravação enviada à Justiça
Federal pelo MPF como prova. Logo em seguida, o apresentador Pedro Bial
comenta: “O amor é lindo”.
Para o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo,
Jefferson Aparecido Dias, autor da ação, a direção do BBB e a Rede Globo
só adotaram providências após a instauração do inquérito policial (que
abriu a investigação após uma representação externa), quando decidiu
expulsar Daniel do programa, por infração ao regulamento do reality
show, conforme informado por Bial na edição de 16 de janeiro.
“A expulsão de D.E. demonstra que os diretores do programa e a Rede
Globo também reconheceram, mesmo que tardiamente, a potencialidade
abusiva da conduta deste participante em detrimento de M.A.”, afirma
Dias na ação.
SUBMISSÃO DA MULHER - Entretanto, para o MPF, mesmo
após reconhecer o abuso e o potencial crime na conduta de Daniel e a
consequente expulsão dele, “a Rede Globo deixou de adotar medidas em
prol da reparação dos danos causados pela exibição das imagens em
questão, atentando, desta forma, contra os propósitos do Poder Público e
da sociedade no sentido da afirmação dos direitos humanos da mulher, da
desconstrução do estigma de submissão do sexo feminino ao sexo
masculino e de combate à violência de gênero no Brasil”, afirma Dias.
Somente no Estado de São Paulo, segundo dados da Secretaria de
Segurança Pública, ocorreram 80 casos de violência contra a liberdade e a
dignidade sexual da mulher no mês de janeiro, o que demonstra o quanto é
incompatível a exibição pela TV de cenas que possam sugerir um estupro,
pois apesar de todas as iniciativas do poder público e da sociedade,
como a Lei Maria da Penha e a existência de uma Secretaria de Políticas
para as Mulheres da Presidência da República, a violência de gênero
persiste.
A Rede Globo foi questionada pelo Ministério Público Federal do Rio
de Janeiro, que também instaurou procedimento para apurar os fatos
ocorridos no reality show. Em síntese, a emissora afirmou que o BBB “não
se trata de uma obra de ficção, mas de um reality que, sem roteiro
previamente aprovado - promove convivência entre pessoas de diferentes
origens, provocando reações espontâneas entre os participantes”. Disse
ainda que as cenas entre Daniel e Monique não foram ao ar na TV aberta, o
que não corresponde à gravação obtida pelo MPF da edição do dia 15, que
contém um trecho da cena.
Para o MPF, isso só aumenta a lesão ocasionada pelas imagens exibidas
na versão pay-per-view do programa. Na ação, Dias recorda que essa não é
a primeira ação do MPF-SP contra o BBB. Em 2010, a emissora foi
condenada a prestar esclarecimentos ao público sobre as formas de
contágio do vírus HIV por conta da exibição de um comentário do futuro
vencedor do BBB 10, Marcelo Dourado, que disse que “hétero não pega
Aids”.
ERROS EM SEQUÊNCIA - Para o MPF, a Globo errou ao
não ter tentado intervir na cena entre Daniel e Monique e errou
novamente ao manter a cena no ar por tanto tempo e errou uma terceira
vez por não ter acionado a polícia. Na ação, é citada entrevista da BBC
Brasil com o especialista em mídia da BBC britânica Torin Douglas, que
ressaltou a necessidade de monitoramento constante sobre todos os
participantes para evitar que crimes sejam consumados, como ocorreu na
edição britânica do programa, que, em 2004, exibiu uma briga entre dois
participantes que resultou em ameaça de morte de um contra o outro e uma
sanção ao Channel 4, que exibia a atração.
Na entrevista, Douglas cita o livro “Dead Famous”, de Ben Elton, que
gira em torno de um homicídio ocorrido em um reality show. “A obra é de
ficção, mas infelizmente a realidade do BBB não é longínqua de tal
hipótese, considerando a diversidade das pessoas confinadas, e as
inúmeras artimanhas da direção do programa para gerar conflitos entre
estes, tais como o “Monstro” e a separação dos participantes em grupos
rivais, e o ineficiente aparato de monitoramento das condutas dos
participantes, demonstrado pelo episódio do BBB 12”, afirma Dias, que
ressalta ainda que o número de camas menor que o número de participantes
contribui para abusos contra as mulheres.
Para o MPF, a falta de ação da Globo para evitar a exibição da cena e
a ocorrência dela, não importando se na TV aberta ou fechada, são
graves violações aos princípios do artigo 221 da Constituição, à
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra Mulher (Convenção de Belém do Pará), de 1995, ao art. 28 do
Regulamento dos Serviços de Radiofusão, de 1963, e à Lei Maria da Penha,
que prevê no inciso III de seu artigo 8º “o respeito, nos meios de
comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família,
de forma a coibir os papeis estereotipados que legitimem ou exacerbem a
violência doméstica e familiar”.
“O MPF optou por ajuizar a ação após o fim do programa para termos
oito meses para debater o desrespeito aos direitos da mulher na TV e,
também, como as emissoras podem intervir nos reality shows de modo a
impedir que crimes ou cenas sugerindo crimes ocorram e, caso ocorram,
deixem de ir ao ar. Evitamos ainda gerar uma publicidade gratuita ao
programa caso fosse discutida a questão com o programa no ar”, afirma
Dias.
Leia aqui a íntegra da ação nº 0007265-47.2012.4.03.6100, distribuída à 24ª Vara Federal Cível
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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