Entrevistas
Nilton Viana: o Brasil de Fato quer dialogar com os trabalhadores
Por Cecília Luedemann, Débora Prado, Hamilton Octavio de Souza e Tatiana Merlino - Caros Amigos
Editor-chefe do semanário Brasil de Fato, o jornalista Nilton Viana fala de sua trajetória como militante social e dos vários momentos do jornal, que acaba de completar 9 anos de circulação. Ele analisa o problema da sustentação financeira na imprensa popular e de esquerda, a questão da base social de apoio e sobre as dificuldades de se conseguir publicidade de órgãos públicos, no Brasil, os quais costumam gastar fortunas em veículos de comunicação da imprensa neoliberal e de direita. Nilton Viana fala também sobre a posição do jornal em relação aos governos Lula e Dilma, nesses 9 anos de vida do Brasil de Fato. Leia a entrevista.
Foto: Jesus Carlos
Hamilton Octavio de Souza - Você poderia falar sobre a sua trajetória como jornalista e como você chegou ao Brasil de Fato? Nilton Viana - Eu, na verdade, antes de ser jornalista sou militante. Esse é o diferencial na minha vida profissional até hoje. Eu tive o privilégio de iniciar a militância política muito cedo, principalmente no movimento estudantil, no começo dos anos 1980, e, depois, no movimento sindical.
Hamilton Octavio de Souza - Onde? Principalmente em Osasco, onde era a minha base de atuação. Eu fui bancário durante muito tempo e me tornei militante do sindicato dos bancários. Fui o primeiro cipeiro eleito na história do Bradesco, na Cidade de Deus. O banco sempre fraudava as eleições da Cipa. Eu fui sindicalista bancário, militei no sindicato dos bancários até 1989. E tive o privilégio, sim, apesar de hoje com várias questões políticas que implicaram no decorrer desses anos, de construir o PT e a CUT. E nesse período convivi com várias figuras importantes da vida política que me ajudaram no meu processo de formação. Depois disso, eu cursei os quatro anos de Engenharia Elétrica, percebi que eu não tinha nada a ver com engenheiro, e fui fazer Jornalismo. Ao mesmo tempo em que era militante, escrevia muito para o jornal do sindicato dos bancários, cuidava junto com alguns jornalistas e militantes de um jornal dos funcionários do Bradesco chamado Bradejo, e também ajudava na Folha Bancária, que chegou a ter tiragem diária de 120 mil exemplares. Esse processo de formação me ajudou bastante, terminei a faculdade, continuei ajudando principalmente o movimento sindical, contribuindo na área de comunicação.
Tatiana Merlino - Você teve uma convivência com o Florestan Fernandes e ele te apoiou como candidato a vereador. Você poderia falar um pouco sobre isso? Foi nesse processo de construção. Nós saímos como candidato a vereador em Osasco, primeiro pelo processo de projeção que tinha, na época, na militância sindical no sindicato dos bancários e como cipeiro na Cidade Deus, representante de 17 mil funcionários. Um dado interessante: quando eu fui eleito para a Cipa, eu tive mais voto que o Sarney pelo Amapá para o senado. O grupo que a gente militava discutia o processo de construção do PT em Osasco e a importância de lançar vários companheiros para atrair votos para o partido. E aí me lançaram nessa aventura de ser candidato a vereador em Osasco e com o apoio de várias figuras políticas, dentre as quais o Florestan Fernandes, que deu uma contribuição importantíssima tanto para a história do país, como intelectual, como militante do PT, militante das causas do povo brasileiro. Em 1995, comecei a atuar no MST, ajudando a construir o coletivo nacional de comunicação do MST, com os formadores populares que nos ajudavam a fazer o jornal Sem Terra. Durante vários anos eu fui editor do jornal Sem Terra e assessor de imprensa até 2003, quando eu fui deslocado para assumir o Brasil de Fato. Essa foi, a grosso modo, a minha trajetória.
Tatiana Merlino - O Brasil de Fato completa 9 anos em 25 de janeiro. Como o projeto foi gestado? O Brasil de Fato nasce em 25 de janeiro de 2003, durante o Fórum Social Mundial, como lançamento oficial em Porto Alegre. A ideia, o embrião do jornal, nasce na segunda metade da década de 1990, marcada pela ofensiva neoliberal, quando Fernando Henrique Cardoso assume em 1995 e aprofunda as medidas neoliberais, com a retirada de direitos e, principalmente, a criminalização dos movimentos sociais. Eu cito como exemplo a greve dos petroleiros, em 1995, que durou 32 dias e marcou esse período e fez com que os movimentos sociais fossem sempre cobrados, em especial o MST, para criarem um instrumento que rompesse o cerco midiático que até então foi colocado. Os dirigentes petroleiros foram demitidos arbritariamente, presos, os sindicatos foram submetidos a multas altíssimas. A partir desse momento, fica claro o caráter do governo FHC. Na sequência nós tivemos o massacre de Corumbiara, em 1996, e também o massacre de Eldorado dos Carajás. E, junto a essa ofensiva do governo FHC, também houve a ofensiva dos governos nos estados, matando os sem terra.
Nessa ofensiva, a grande mídia teve o papel de destruir o “inimigo” moralmente, porque não conseguiam destruir fisicamente. A mídia passou a sujar a imagem do MST, acusar de cobrar pedágio dos militantes, ao invés de contribuição, estamparam a imagem do João Pedro Stedile na capa de uma revista como diabo. Toda essa ofensiva fez com que várias organizações populares cobrassem do MST a criação de um instrumento de comunicação que rompesse com o cerco midiático que até então era imposto às organizações populares. Então, a ideia de criação do jornal nasce dessa necessidade e a direção do MST assimila a ideia. Então, nós passamos em 1997, 1998, assimilando essa ideia, e tivemos as primeiras experiências com 10 a 12 edições especiais do jornal Sem Terra. As edições especiais tinham quatro páginas, com uma linguagem mais simples, tiragem de 2 milhões de exemplares, distribuídos nos centros urbanos pelo MST e os movimentos sociais em jornadas para divulgar a luta dos trabalhadores e a versão dos trabalhadores contada pelos trabalhadores. Na sequência, nós fizemos várias edições especiais sobre as lutas específicas, como a do Plebiscito contra a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), a da dívida externa, pela reestatização da Vale, entre outros.
E isso foi dando fôlego para que assumíssemos o compromisso necessário para que a classe trabalhadora tivesse um veículo de comunicação que pudesse ser de amplitude nacional, ser um instrumento de comunicação, que desse visibilidade ao país, sistematicamente omitido e deturpado pelos meios de comunicação. A partir de 2002, nós iniciamos um processo de construção efetiva. O MST foi o propulsor da ideia, aglutinou intelectuais, artistas, estudantes, profissionais da área de comunicação, os mais variados setores da classe trabalhadora para discutir o que seria e como seria esse instrumento. E culminou em comissões de projeto gráfico e editorial, finanças e com o lançamento no Fórum Social Mundial, em 2003.
Tatiana Merlino - Quais eram as forças sociais que apoiavam o projeto do Brasil de Fato e participaram da gestação? Desde o começo, as principais forças sociais foram as pastorais sociais, o movimento Consulta Popular e depois se somou a Via Campesina. No decorrer desses anos, o Brasil de Fato ampliou as forças sociais de apoio como o mundo sindical, entre outras. Não queríamos construir um veículo que fosse “república de tendência”. As forças sociais estavam representadas, não como forças, mas como pessoas. Nós tínhamos no conselho político do jornal, figuras políticas desde o PSTU ao PMDB, porque nós convidamos as pessoas que estavam dispostas a construir um instrumento para a classe trabalhadora. Nós não queríamos construir um jornal com tendências de partidos.
Hamilton Octavio de Souza - Não queriam um jornal de representação específica. Isso. Então, a composição, desde o início do jornal, tanto no conselho político quanto no conselho editorial, era feita por militantes e representantes da classe trabalhadora com base social que pudesse contribuir nesse processo de construção do jornal.
Débora Prado - Quais eram as dificuldades de se lançar um jornal como instrumento da classe trabalhadora naquele momento? Primeiro, o grande desafio continua sendo a questão financeira. É óbvio que nós temos outras dificuldades, mas a principal continua sendo a financeira. Na época, nós arrecadamos, com a campanha do ano de 2000, uma doação em torno de 400 mil reais. Imagine, para se construir um instrumento de amplitude nacional como o Brasil de Fato, com a responsabilidade política de um conjunto de movimentos populares e com representação de setores importantíssimos, tanto do Brasil quanto de outros países do exterior, é muito caro. E esses 400 mil reais deu para dois meses e o restante nós tivemos que ajustar, porque o custo é muito alto. A questão financeira vale para qualquer mídia independente, popular, alternativa. Nós avançamos muito, mas continua sendo a principal dificuldade.
Hamilton Octavio de Souza - Você falou da dificuldade de sustentação econômica, que é geral para todo veículo fora do sistema. A que você atribui o fato de o jornal ter sobrevivido nesses 9 anos? Como o jornal conseguiu essa proeza? Eu acredito que o grande diferencial do Brasil de Fato em comparação com outras publicações é justamente ser um veículo popular, não porque chega à maioria da população como um todo, mas porque está intrinsecamente ligado aos movimentos populares e a sua causa, bem como o projeto político, é popular. Isso diferencia o Brasil de Fato como um projeto político e por isso ele sobreviveu: aglutinou um conjunto de forças sociais e políticas que o sustentam tanto economicamente quanto politicamente. Nos momentos mais difíceis que passamos, principalmente no terceiro e quarto ano de vida do jornal, foi um momento muito delicado que nós tivemos que redirecionar o projeto Brasil de Fato. Ele nasceu grandioso, com tiragem de 100 mil exemplares, distribuindo em bancas de todo o Brasil, pelas forças que o apoiavam, mas foi preciso redirecioná-lo, adequá-lo, fizemos cortes drásticos e o conjunto das forças sociais entendeu que era o momento de fazer isso, e nos ajudaram a seguir com o projeto. Fizemos cortes nas contribuições, ajudas de custo de nossos profissionais que atuam internamente, intensificamos o trabalho junto à militância do Brasil de Fato, para assumir e ampliar o jornal, e, ao mesmo tempo, as forças políticas intensificaram um trabalho de pressão junto ao governo que vem do campo da esquerda, mas que é um governo de direita, neoliberal. A natureza do governo, desde o Lula até a Dilma, é um governo neoliberal.
Hamilton Octavio de Souza - Segue o mesmo modelo? Segue o mesmo modelo. O governo Lula não mexeu em estrutura nenhuma, não fez nenhuma reforma estrutural, continua no modelo neoliberal. E a natureza do governo, sua composição e sua base de sustenção é aliada com o que há de mais reacionário no país, com forças retrógradas. Então, a pressão política das forças políticas que sustentam o jornal no sentido de brigar por verbas públicas de publicidade tem surtido efeito, inclusive com algumas prefeituras progressistas, que são cobradas para dar contribuição para as mídias independentes. É legítimo brigar por verbas públicas e não apenas o Brasil de Fato, mas a mídia alternativa, popular e independente deve brigar para que sejam democratizadas as verbas públicas de publicidade. Além disso, intensificamos a campanha de assinaturas, doações, entre a militância e conseguimos nesses 9 anos um salto importante: a autossustentação do jornal. Nós recuamos no terceiro e quarto ano do jornal, adequamos o projeto gráfico, editorial e político, a linha editorial e, de lá para cá, demos um salto importante: sanar as dívidas e se autossustentar.
Tatiana Merlino - Então, houve uma evolução na sustentação financeira. Claro, não há a menor dúvida. O jornal era sustentado 100%, no início, pelos movimentos sociais. MST deu contribuição financeira nos primeiros anos de vida do jornal, além do respaldo político. Hoje, o jornal não depende mais exclusivamente da contribuição dos movimentos sociais, embora essa contribuição continue existindo em menor valor. O salto de qualidade foi conseguir aglutinar e espalhar militantes políticos e sociais pelo Brasil inteiro e nós comemoraremos os 10 anos do Brasil de Fato em 2013.
Débora Prado - Qual é a base social do Brasil de Fato, hoje? Nós temos um leque muito grande de militantes, desde a Via Campesina, o Consulta Popular até o movimento estudantil, movimento de jovens da periferia, artistas, grupos de teatro que têm assumido, ultimamente o Brasil de Fato, no sentido de divulgar, fazer trabalho, o movimento sindical, inclusive com algumas centrais sindicais que ficavam apáticas ao nosso projeto, começaram a assumir o projeto, seja fazendo pacotes de assinaturas para a sua base, seja contribuindo ou comprando edições especiais.
Tatiana Merlino - Nilton, qual é o desafio de fazer o jornalismo popular de esquerda, um projeto como o Brasil de Fato, em um contexto político cujo governo tem uma origem de esquerda? Seria mais fácil fazer jornalismo se fosse um governo de origem de direita? Essa discussão nós fazíamos no início do Brasil de Fato, em 2002, e não se tinha em mente, ainda, que o Lula ganharia a eleição. Tanto é que quando lançamos o Brasil de Fato, o Lula havia tomado posse há 25 dias e alguns companheiros nos perguntavam se estávamos lançando o jornal só porque o PT havia ganhado a eleição. E, na verdade, quando nós discutíamos o projeto e partimos para a criação do jornal levantamos a primeira questão: qual seria o nosso público-alvo? Debatemos durante várias reuniões e chegamos a seguinte conclusão: não temos um públicoalvo específico, mas queremos atingir as pessoas progressistas que querem mudanças no país. Até então nós pegamos uma média das três eleições do PT, antes do Lula ganhar as eleições em 2002, era um voto consciente, de pessoas que queriam mudanças, uma média de 18 milhões de eleitores, pessoas progressistas, politizadas. Depois, quando já estávamos vislumbrando a eleição do Lula, no segundo semestre de 2002, a grande questão era: é melhor ter um governo de direita ou ter um governo de esquerda?
Esse debate se arrastou, inclusive, no início do Brasil de Fato, porque era o momento de uma conjuntura muito difícil, a primeira vez na história desse país em que um operário, de origem do povo brasileiro, chega ao cargo máximo do país, e, ao mesmo tempo viver a contradição, de um governo que nos seis primeiros meses foi difícil, com um dilema muito grande. Não podíamos ser corrente transmissora do governo, até mesmo porque o Lula ganhou a eleição porque havia feito composição com o que havia de mais reacionário e com as elites. Como disse muito bem o Chico de Oliveira e eu me lembro muito bem: “O Lula foi aceito no clube para gerenciar.” No entanto, no conjunto da esquerda, a militância não tinha essa clareza. E praticamente no primeiro ano do governo Lula, nós vivemos um grande dilema.
Eu penso que o grande desafio de qualquer mídia independente, hoje já passados alguns anos, independente de governo ou não, é conseguir chegar com nossos instrumentos de comunicação, os comunicadores populares, os jornalistas, chegar ao povo que é vítima do monopólio da comunicação. É óbvio que quanto pior, é pior, sim. E nós temos feito a opção política no Brasil de Fato com esse entendimento, inclusive na reeleição do Lula, e agora com a eleição entre Dilma e Serra. É claro que quanto pior é pior, sim, em todos os aspectos, na criminalização dos movimentos sociais, como foi o governo FHC. Nós já sabíamos, tínhamos experiência do que era um governo de direita e tucano no país. O nosso desafio é chegar nessas pessoas, elevar o nível de consciência para estimular as lutas, porque apenas mobilização popular vai transformar o governo, seja de direita ou de esquerda. Nós tivemos dificuldade de reagir com governo de direita, como nós tivemos governo de esquerda e a esquerda não soube agir com o governo do campo da esquerda, como está sendo com o governo do PT, a esquerda está sendo apática, conivente.
Olha a briga que estamos fazendo para o marco regulatório para democratizar as verbas públicas de publicidade e a esquerda não soube até hoje como agir. Eu penso que em determinados momentos do governo Lula, por exemplo, a esquerda é culpada. Eu digo o conjunto da esquerda, as pessoas que mobilizam a classe trabalhadora, desde os mais até os menos radicais, das pessoas progressistas que organizam a classe trabalhadora são responsáveis pelo governo Lula não ter feito reformas estruturais no país, como a reforma agrária. Se a sociedade como um todo e a classe trabalhadora organizada tivesse feito pressão mais forte, nós teríamos avançado mais na questão da reforma agrária. O Lula assentou menos que o FHC, por vários fatores, entre os quais a falta de pressão. Não só do MST, que faz a luta específica da reforma agrária, mas ela não é uma luta só do MST, é da sociedade brasileira. Mas, isso não entrou em pauta, o Lula foi incapaz de fazer e eu acho, na minha avaliação pessoal, que a esquerda não soube lidar.
A direita vai plantando escândalo, um atrás do outro, inclusive, para manter o governo que, como o governo Lula, não fez nenhum enfrentamento com as elites. Nenhum. O banqueiro ganhou muito mais do que sempre ganhou nesse país. O Lula fez com algum louvor alguns benefícios sociais, como o Bolsa Família, que ajuda, mas não resolve o problema estrutural, só ameniza o problema da fome e da miséria no país, e não pode ser algo permanente, tem que criar uma série de mecanismos. Só para sintetizar, o grande desafio, independente de governo, para nós comunicadores progressistas da imprensa é encontrarmos formas de chegarmos à maioria da população brasileira e dialogar, porque até hoje nós fomos incapazes. A esquerda brasileira, até hoje, é a grande responsável por não se intensificar, porque no processo de transformação do país, o processo de democratização da comunicação é fundamental, ou seja, se nós não rompermos com o latifúndio da comunicação, nós seremos reféns permanentes, independentes de governo. As mudanças só serão feitas com a pressão social e nós somos incapazes.
Cecília Luedemann - Sobre a relação do Brasil de Fato com a classe trabalhadora, quais exemplos você destacaria sobre lutas que foram estimuladas pelo jornal? Nós tivemos uma experiência muito interessante, no início do ano passado, como único jornal que deu manchete contra a rede fast food McDonald’s sobre a questão da exploração dos trabalhadores num trabalho deplorável. E a entidade desses trabalhadores, que não é combativa, comprou quase 50 mil exemplares do Brasil de Fato, fez trabalho de base, estimulou e fez o ministério público ir para cima da empresa e reverter esse processo de exploração. Essa entidade comprou os exemplares e distribuiu não só para os trabalhadores, mas também para os clientes do McDonald’s e criou um vídeo que pode ser assistido em várias línguas, com denúncias mundiais contra a empresa. Esse é um exemplo concreto de como um instrumento da classe trabalhadora pode ajudar, desde que as organizações que a dirijam queiram estimular essas lutas.
Outro exemplo, estive em Londrina, em junho do ano passado, e uma companheira de uma comunidade quilombola lembrou de uma matéria do Brasil de Fato, logo no início da criação do jornal, que denunciou a violação dos direitos de propriedade,tomou amplitude nacional e o ministério público foi para cima. Ela fez questão de agradecer, emocionada: “É a primeira vez que eu vejo um representante do Brasil de Fato.” São exemplos que provam que, se o jornal faz um trabalho em defesa da luta dos povos, da luta da classe trabalhadora, isso vai estimular outras lutas, que as pessoas lutem por seus direitos e é papel e obrigação de qualquer imprensa independente, que não tem o rabo preso com as transnacionais, com os interesses das elites, é cobrir, divulgar, as lutas dos povos. Essas são as coisas mais gratificantes, que justificam o meu papel como jornalista e como militante, que justifica a existência do Brasil de Fato.
Cecília Luedemann - Sobre essa relação do Brasil de Fato com a classe trabalhadora, foi possível, nesses 9 anos, formar fontes ou repórteres populares nos vários locais isolados do Brasil, ampliando a rede de comunicação popular, com mais informações e reportagens sobre as lutas da classe trabalhadora? Nós temos militantes e comunicadores populares que têm nos ajudado muito. Nós ainda temos muita fragilidade nisso, no sentido de lidar com essas pessoas no país inteiro, de manter essa rede permanentemente ativa. Mas, nós temos, no país inteiro, militantes e colaboradores, inclusive profissionais que estão na grande mídia, que escrevem para nós com pseudônimo, que escrevem para o Brasil de Fato. A gente mantém essa rede de comunicação, principalmente com os comunicadores populares formados pelos próprios movimentos sociais.
Hamilton Octavio de Souza - Quem põe a mão na massa e faz o jornal? Fazer jornalismo de esquerda, com a visão da classe trabalhadora, não é fácil num país em que desde pequenininho todo mundo é influenciado pelo pensamento dominante da sociedade de mercado. Como o Brasil de Fato lida com a equipe que trabalha no jornal, que faz as matérias todo dia? A equipe fixa que atua aqui, praticamente, se não for militante não atua. Por uma razão muito simples. Aqui, a equipe recebe uma ajuda de custo, ou seja, muito abaixo do mercado. Portanto, tem que ter consciência de que é um projeto político e é um projeto de militância, ou seja, tem que dar a sua contribuição, a sua cota de sacrifício, como acontece com os militantes que atuam nas organizações. E nós só conseguimos fazer o Brasil de Fato com essa equipe pequena, por causa dessa dedicação, é a contribuição da militância, inclusive nos momentos mais difíceis, de não se ter dinheiro, inclusive, de se ter que cortar pela metade a ajuda de custo, que já era baixa, pela metade.
Cecília Luedemann - Quantos trabalham, hoje, no Brasil de Fato? Para a edição impressa, nós temos dois editores e dois repórteres, fixos na redação. Para a agência na internet, nós temos um editor e três repórteres. E, fora da equipe, temos três correspondentes fixos do Brasil de Fato, em Curitiba, Rio de Janeiro, Brasília, e um colaborador em Sergipe. No exterior, estávamos até o final do ano em Honduras, uma colaboradora na Venezuela e nesse ano, estamos enviando um correspondente para o Peru.
Débora Prado - Quem é o leitor, hoje, do Brasil de Fato? O jornal serve como subsídio para a militância, mas nós não fazemos um jornal para a militância. Os nossos leitores são, na maioria, profissionais liberais ou intelectuais, depois professores, estudantes, além de vários profissionais, sindicalistas, dirigentes ou participantes de organizações populares. Infelizmente, por vários fatores, nós não conseguimos chegar a um número enorme da classe trabalhadora como leitores, como o custo alto para comprar ou assinar jornal, falta a educação para o hábito da leitura. Mas, o objetivo do jornal é chegar a um número enorme da classe trabalhadora para que ela leia, assine e quem sabe um dia influenciar a opinião pública. Quem sabe, assim, a gente tenha um papel mais importante como protagonista junto com a classe trabalhadora de fazer o processo de transformação.
Cecília Luedemann – Na atual conjuntura, não seria importante o Brasil de Fato mostrar que a contradição não se dá apenas entre o nacional e o imperialismo? Essa ideia, no governo Lula e agora com a Dilma, de todas as classes unidas, na construção do Brasil Grande, não deveria ser mais questionada? A crítica à esquerda é muito complicada, porque nós, como um todo, erramos e vivemos momentos equivocados. O Brasil, hoje, é o grande polo. O Lula conseguiu vender um país lá fora muito bem e administrar muito bem. A grande verdade é o seguinte: o Lula foi um excelente gerente do capital. Usando a expressão dele: “Talvez nunca antes na história desse país houve um gerente do capital tão competente.” Essa é que é a verdade.
Hamilton Octavio de Souza - Ele fez o que os caras querem: cresce, concentra e ele controla a classe trabalhadora... E o Lula chegou com aquela origem conciliadora do sindicato, que sempre foi. O Lula era um sindicalista conciliador. Agora, quando você chega na presidência da República, no Estado, não tem que ficar fazendo conciliação, negociação. O Estado determina, você toma medidas. Então, o Lula quis ser um conciliador de classes, juntar todos e administrou. E conseguiu. Ele enganou bem a classe trabalhadora como um todo, que de certa forma você administra dando umas migalhinhas. É o paizão cuidando bem dos filhos daqui e os outros filhos sendo muito bem cuidados, como sempre foram. Então, ele disse: “Vou dar essas migalhinhas para a classe trabalhadora e seguro, inclusive as organizações das classes trabalhadoras.” Elas foram muito bem domesticadas nesse processo todo.
E tudo isso tem um pacote de elementos: ele foi um excelente gerente, o Brasil foi vendido lá fora, o capital internacional vê isso aqui como algo bem administrado e controlado, injetou muito dinheiro e está injetando muita grana. Por que trouxe a Copa e as Olimpíadas para cá? Foi muito bem vendida e administrada, porque se fosse um país onde estivessem as lutas das classes trabalhadoras efervescendo, nós não teríamos nem Copa do Mundo nem nada. O capital diria: “Está louco colocar Copa no Brasil?” Está aí os megaeventos, a construção das grandes hidrelétricas, a qualquer custo com impactos ambientais, sociais, culturais. E tudo isso nos foi vendido ao preço do Brasil Potência.
Cecília Luedemann - Seria preciso desconstruir essa fantasia, esse imaginário? É claro, é preciso. Existem medidas sociais que deveriam ter sido feitas, mas há um conjunto de elementos, como um todo, que a esquerda como um todo não soube lidar com um governo que veio do campo da esquerda para administrar para a direita. Essa é que é a verdade. E nós havíamos tido essa experiência e foram oito anos e não conseguimos aprender com isso e estamos seguindo para mais quatro com a Dilma que, também, segue para o mesmo rumo, embora não seja tão competente quanto o Lula, porque ela não tem esse diálogo direto.
Tatiana Merlino - Não tem o carisma, o simbolismo. Não tem esse imaginário. Nós construímos o Lula durante 20 anos no imaginário, no inconsciente coletivo. Nós criamos esse mito, o Lula, como esse homem que iria governar o país bem. Ele governou muito bem, mas governou para as elites. Infelizmente, nenhuma mudança estrutural foi feita. Nenhuma.
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