Entrevistas
As implicações sociais da Copa do Mundo. Entrevista com Roberto Morales
Os megaeventos e megaempreendimentos que estão em curso no Brasil “têm uma raiz mais profunda, quer dizer, tem a ver com o modelo de desenvolvimento econômico predador que reina no Brasil e, especialmente, no Rio de Janeiro”, afirma o integrante do Comitê Popular da Copa.
Os empreendimentos que garantirão a realização da Copa do Mundo no Brasil em 2014 também estão gerando impactos sociais nas cidades-sedes do evento. Roberto Morales, do Comitê Popular da Copa,
desenvolve um levantamento para precisar quantas famílias serão
removidas e estima que mais de 3 mil pessoas apenas no Rio de Janeiro
estão sob ameaça. “Somente na comunidade que vive na Vila Autódromo, na
Barra da Tijuca, mais de 350 famílias estão sob ameaça de remoção”,
informa.
Segundo ele, ainda não existe um planejamento para a
realocação das famílias que serão removidas do local. “O único
planejamento que o governo faz é com base nos recursos que irão entrar a
partir da construção dessas obras. (...) Inclusive o programa Minha Casa, Minha Vida,
que no Rio de Janeiro já é conhecido como Minha Casa, Minha Remoção, é
uma feira para tentar iludir os moradores com uma residência à qual
dificilmente eles terão acesso. Talvez 5% das famílias sejam
beneficiadas com essas moradias”, enfatiza em entrevista concedida por
telefone à IHU On-Line.
Morales também
destaca que os contratos assinados entre o governo brasileiro e a FIFA
limitarão o trabalho informal em torno dos estádios, pois os vendedores
ambulantes serão proibidos de comercializar produtos num raio de dois
quilômetros dos estádios. “A população tem uma ilusão
de que vai lucrar com os eventos da Copa, mas na verdade será
brutalmente reprimida. A Copa será um grande negócio para os empresários
do esporte e para os representantes de bebida e comida”, lamenta.
Roberto Morales é assessor do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) e organizador da plenária dos movimentos sociais.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como surgiu o Comitê Popular da Copa e quais são suas principais ações?
Roberto Morales – O Comitê Popular
foi criado durante a realização do Panamericano, no Rio de Janeiro,
quando, em função das obras do evento, surgiram problemas de remoção de
diversas comunidades para a construção da Vila Olímpica e das obras
referentes ao evento. As comunidades começaram a resistir às remoções e
nós conseguimos reuni-las, dando origem ao Comitê Popular. Começamos a
perceber que as remoções não eram o único problema dos megaeventos.
Vimos que havia outros fatores, como a corrupção. As obras do
Panamericano estavam orçadas em 300 milhões de reais, mas custaram 3,5
bilhões. Este superfaturamento está se repetindo novamente numa escala muito maior no Brasil e, especialmente, no Rio de Janeiro, que também sediará as Olimpíadas.
Percebemos
que tais eventos têm uma raiz mais profunda, quer dizer, têm a ver com o
modelo de desenvolvimento econômico predador que reina no Brasil e,
especialmente, no Rio de Janeiro. Os grandes empreendimentos econômicos
também afetam populações e comunidades. Um caso conhecido no Rio de
Janeiro é o do Thyssenkrupp, uma indústria siderúrgica que está afetando no mínimo oito mil pescadores que residem na região onde ela está instalada. O Superporto do Açu, onde Eike Batista está construindo um complexo siderúrgico, também ameaça destruir assentamentos históricos do Movimento dos Sem Terra – MST.
IHU
On-Line – Em função da Copa do Mundo de 2014, quantas famílias serão
removidas de suas casas? Como estão sendo feitas essas remoções e como
os moradores têm reagido?
Roberto Morales – Estamos
ainda fazendo um levantamento para saber quantas famílias serão
removidas, mas posso dizer desde já que são muitas. Somente na
comunidade que vive na Vila Autódromo, na Barra da Tijuca, mais de 350
famílias estão sob ameaça de remoção. Ainda não temos um número preciso,
mas certamente serão mais de 3 mil pessoas apenas no Rio de Janeiro.
Essas
pessoas não serão removidas apenas por causa das obras da Copa, mas
também em função da construção e duplicação de novas estradas. Todas as
pessoas que moram em beira de estradas há 40 ou 50 anos serão removidas e
isso irá gerar consequências gravíssimas,
porque não implica apenas na questão da moradia, uma vez que a
construção de novas moradias não acompanha o ritmo das remoções. Também
existe o problema do rompimento dos laços históricos e culturais. Quando
essas pessoas são removidas, elas perdem as relações culturais e de
amizade construídas ao longo dessas décadas.
IHU On-Line – Como são planejadas as reestruturações urbanas e como as remoções impactam no planejamento urbano das cidades?
Roberto Morales –
O único planejamento que o governo faz é com base nos recursos que irão
entrar a partir da construção dessas obras. Portanto, não há
preocupação com as comunidades; elas estão sendo tratadas como
descartáveis e precisam ser retiradas para dar espaço aos turistas que
virão assistir aos jogos.
Inclusive o programa Minha Casa, Minha Vida,
que no Rio de Janeiro já é conhecido como Minha Casa, Minha Remoção, é
uma feira para tentar iludir os moradores com uma residência à qual
dificilmente eles terão acesso. Talvez 5% das famílias sejam
beneficiadas com essas moradias.
IHU On-Line – Quais são os avanços do movimento social em relação à resistência das remoções?
Roberto Morales –
Esse movimento de resistência é legitimo, mas é necessário que as
comunidades comecem a apresentar alternativas de moradia. Na Vila
Autódromo, por exemplo, já houve um avanço importante com a ajuda dos
companheiros do Instituto de Políticas Públicas Urbanas da UFRJ, que
disponibilizou um grupo de professores e estagiários para trabalhar
junto à comunidade e construir com eles, em assembleia, um projeto
alternativo de urbanização da comunidade. Tudo isso a fim de que eles
tenham alternativas e não dependam de uma promessa vaga de remoção.
No
dia 18 de dezembro de 2011, os moradores da Vila Autódromo apresentaram
esse projeto, aprovado em assembleia. Agora, eles vão “brigar” para
implantá-lo e não aceitar as remoções. Essa possibilidade de construir
uma alternativa popular junto com a universidade e com os movimentos
sociais me parece ser um salto de qualidade. Os moradores estão
entendendo esse processo e elaborando várias propostas para levar esse
modelo a outras comunidades.
IHU On-Line – Além dos
problemas de habitação, quais são os principais impactos sociais das
obras da Copa para as cidades que cediarão os jogos?
Roberto Morales – Têm outros problemas que são relativos ao trabalho. Por exemplo, com a Lei da Copa,
fica estabelecido que, por enquanto, num raio de 2 quilômetros de onde
estão sendo feitas as atividades esportivas serão totalmente proibidas a
venda de qualquer produto e a atuação de qualquer comerciante que não
esteja expressamente autorizado pela FIFA. Isso quer dizer que a Federação Internacional de Futebol Associado – FIFA tem mais poder do que a própria Constituição Federal e
as leis trabalhistas do país. Então, a imensa população que é
desempregada, que vive do biscate e do trabalho informal não poderá
trabalhar durante esse período. Isso é terrível porque a lei da FIFA
passa por cima do direito básico do cidadão: o direito ao trabalho.
A população tem uma ilusão de que vai lucrar com os eventos da Copa,
mas na verdade será brutalmente reprimida. A Copa será um grande negócio
para os empresários do esporte e para os representantes de bebida e
comida. Certamente os torcedores não encontrarão aquele tradicional
sanduíche nas proximidades dos estádios.
Outro problema é o
encarecimento do custo de vida. O Rio de Janeiro é a cidade que
apresentou maior elevação no preço dos aluguéis. Há uma especulação
imobiliária brutal em marcha, em função da entrada de muitos turistas no
estado, que compram em dólar e euro, com um padrão aquisitivo muito
maior do que o da população brasileira empobrecida. Essa especulação
imobiliária vai expulsar muitos moradores de determinadas zonas da
região por causa da impossibilidade econômica.
IHU
On-Line – De modo geral, qual a situação dos trabalhadores que estão
envolvidos com as obras da copa? Você visitou algum canteiro de obra?
Roberto Morales –
Alguns trabalhadores já organizaram greves e a mais notória delas foi a
do Maracanã. Eu estive nos canteiros de obra, conversei com os
operários. As reivindicações deles são pertinentes porque desenvolvem
trabalhos temporários. Além disso, as condições de alojamento são
precárias, a assistência médica é descontada do salário deles, há
defasagem salarial e falta de segurança. Eles relatam que as rotinas de
trabalho são exaustivas, porque a construção dessas obras é uma corrida
contra o tempo. Eles também enfrentam problemas com as representações
sindicais, que não são muito confiáveis. Mas a força do movimento é
tanta que, muitas vezes, eles conseguem vitórias parciais. Essa mesma
situação se repete nos demais empreendimentos econômicos.
IHU
On-Line – Qual foi a repercussão do dossiê que demonstra os impactos e
as violações de direitos, organizado pelo Comitê Popular da Copa?
Roberto Morales – Entregamos o relatório e fizemos um ato público no dia 12 de dezembro. O prefeito Eduardo Paes,
obviamente, não nos recebeu, mas conseguimos entregar o documento para a
secretária. Não temos nenhuma ilusão de que ele irá tomar alguma atitude,
porque ele tem uma posição muito cínica em relação a essa questão. De
todo modo, encaminhamos o dossiê para outros organismos, como a
Assembleia Legislativa. Mas, no caso, os parlamentares estão em recesso
até fevereiro. Certamente o presidente da Comissão dos Direitos Humanos,
Marcelo Freixo, irá levantar essa questão no plenário.
IHU On-Line – O que há de interessante e de equivocado na Lei Geral da Copa?
Roberto Morales –
A questão geral dessa lei é que ela se sobrepõe à Carta Magna e isso é
um disparate. Esta lei cria uma área para ser governada pela FIFA e não
pelo governo brasileiro. As leis existentes, como a do meio ingresso,
que garante meio entrada para idosos acima de 60 anos, para menores,
estudantes, deficientes, será ignorada. Além do mais, a FIFA irá
estabelecer os preços dos ingressos de acordo com os padrões do
"primeiríssimo mundo" deles, o que vai inviabilizar completamente a
participação do povo nos jogos.
IHU On-Line – Quais as implicações do uso de dinheiro público para a realização desses megaeventos?
Roberto Morales – O Comitê da Copa não é contra a realização deste evento,
nem das Olimpíadas. No entanto, eles não podem ser conduzidos da forma
como estão sendo feitos, pois o país tem outras prioridades. O Brasil
está em uma das piores posições relativas à educação em nível mundial,
por exemplo, e gastou 30 milhões de reais, somente no sorteio das chaves
eliminatórias para a Copa do Mundo, realizado no Rio de Janeiro em 30
de junho. Enquanto isso o salário do professor é 700 reais mensais.
Além
de tudo, o país tem um déficit de moradia, por um lado, mas investe na
construção de estádios, por outro. Estádios que depois serão
abandonados. O transporte público é uma desgraça; há engarrafamentos
quilométricos e não se investe em transporte público de massa. Em lugar
disso, investe-se em duplicação de estradas já existentes.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Roberto Morales –
O Comitê Popular da Copa não está desanimado. Estamos aprendendo com a
própria experiência a construir propostas alternativas de cunho popular.
Estamos pretendendo construir uma grande mobilização para junho deste
ano, quando será realizada a Rio+20. Enfim, o movimento
está começando a entender que unidade é fundamental e que só dessa
forma vamos poder fazer frente a este projeto econômico capitalista.
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