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Pinheirinho: “A Justiça trabalhou como Justiça de classe”, afirma deputado Ivan Valente. Confira entrevista.
Publicado em 24.01.12 – Por Michelle Amaral, do Brasil de Fato
A violenta ação da Polícia Militar e da Guarda Civil de São José dos
Campos (SP) contra os moradores da ocupação Pinheirinho na reintegração
de posse realizada neste domingo (22), na avaliação do deputado federal
Ivan Valente (Psol-SP), foi absolutamente ilegítima.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Valente, que participou do processo de
negociação para permanência das famílias na área, afirma que, com a
efetivação da reintegração de posse, os governos estadual e municipal e a
Justiça estadual, além de descumprirem acordos para uma solução
pacífica ao conflito, desacataram a Justiça federal, que havia
determinado a suspensão da reintegração de posse por 15 dias. “Fomos
surpreendidos no domingo de manhã com essa ação policial atropelando a
decisão federal”, explica.
Na opinião do deputado, a expulsão das 1,6 mil famílias que ocupavam o
terreno da massa falida da empresa Selecta, pertencente ao grupo Naji
Nahas, atendeu aos interesses da especulação imobiliária que exerce
forte pressão na região. “O PSDB, tanto na prefeitura de São José dos
Campos como no governo estadual, com uma área de 1 milhão e duzentos mil
metros quadrados com forte pressão do setor empresarial e imobiliário,
certamente deixou predominar o poder econômico”, defende.
O senhor participou das negociações para permanência dos moradores. Poderia falar um pouco sobre o processo?
Desde o começo da semana, nós tentamos suspender a reintegração
de posse do Pinheirinho que havia sido autorizada pela juíza na
segunda-feira passada (dia 09). Conseguimos uma liminar federal que,
teoricamente, cassou a decisão [de reintegração de posse], mas isso foi
resolvido na madrugada de segunda (16) para terça-feira (17), quando a
tropa de choque já estava lá [no Pinheirinho]. Falamos com o
desembargador presidente do TJ (Tribunal de Justiça de São Paulo), Ivan
Sartori, que aquela era uma questão social e não policial, que deveria
ter uma solução política e social. Na quarta-feira (18) o senador
[Eduardo] Suplicy , dois deputados estaduais e eu conseguimos uma
audiência com o presidente do Tribunal e pedimos que, de alguma forma,
ele fizesse a juíza suspender, mesmo que momentaneamente, a reintegração
de posse. Ele nos indicou o juiz titular de falências, Luiz Bethoven
[Giffoni Ferreira]. Nós tivemos uma reunião longa com ele junto com o
sindico da massa falida da Selecta, Jorge Uwada, e o advogado da
empresa, Waldir Helu. O juiz Bethoven, a nosso pedido - eu pedi 60 dias,
o Suplicy falou 30 - acabou dando 15 dias de suspensão da reintegração
para que as negociações avançassem, ou seja, surgissem propostas
concretas dos governos federal, municipal e estadual. Nós conseguimos um
despacho do juiz que, no mesmo momento, conversou com a juíza Márcia
Loureiro. Ela certamente não gostou da decisão do juiz, mas se propôs a
pensar.
Enquanto isso, os advogados do movimento também entraram com uma nova
ação na Justiça Federal, que novamente suspendeu a reintegração. Isso
foi o que aconteceu até sexta-feira (20). A partir daí houve muita
movimentação junto ao governo federal, em Brasília, com propostas de
utilização de recursos do plano habitacional para o Pinheirinho. O
prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury (PSDB), fez uma reunião
com o senador Suplicy se propondo a ter algum grau de negociação. O
governo estadual tinha se comprometido a encontrar uma solução política
com o governo federal, também através do senador Suplicy, para dar
infraestrutura para a área do Pinheirinho. Ou seja, haviam negociações
em marcha.
Mas, então, fomos surpreendidos no domingo de manhã com essa ação
policial, atropelando a decisão federal, e também com a juíza não
acatando o próprio acordo que, de alguma forma, havia sido proposto pelo
juiz da massa falida. Quando chegamos na ocupação, com a polícia já
intervindo, descobrimos que esse juiz, o Luiz Bethoven, a partir da
convocação do Ministério Público, tinha revogado a sua própria decisão
[de suspender a reintegração de posse por 15 dias] e que havia
prevalecido a decisão da juíza Márcia Loureiro, com o aval do Tribunal
de Justiça de São Paulo. Eu quero denunciar que a presidência do
Tribunal de Justiça avalizou a desocupação. Nós entendemos que a Justiça
trabalhou como Justiça de classe, ou seja, com o direito à propriedade
acima do direito à vida. E, nesse sentido, atropelou todo um processo de
negociações. Mais do que isso, [a ação] foi feita em um domingo para
pegar o movimento desprevenido e o judiciário federal praticamente
fechado.
Durante a desocupação tentamos cassar a liminar de reintegração via o
STJ (Superior Tribunal de Justiça), mas, ao final do dia, o presidente
do Tribunal, ministro Ari Pargendler, também deu razão à Justiça
estadual. Ou seja, os órgãos principais da Justiça acabaram trabalhando,
na minha opinião, não a favor de uma solução pacífica e política, mas a
favor de uma solução truculenta, sem saída para os moradores e a favor
daqueles que especulam imobiliariamente o local, o grupo Naji Nahas.
A intervenção policial tem essa característica de ser uma atividade
exemplar para exatamente não haver novos assentamentos. A repressão aos
moradores ocorreu à nossa vista e tentamos evitar ao máximo, mas é
difícil, porque debaixo de uma ordem judicial com cobertura, inclusive,
do Tribunal de Justiça e do governador [Geraldo] Alckmin (PSDB), os
policiais estavam muito a vontade para operar. [Uma ação] lamentável sob
todos os aspectos e, mais do que isso, uma atitude extremamente
reprovável, porque as famílias agora não têm para onde ir, não há um
plano habitacional para acolhê-las em outro local. Quer dizer, esse é o
Brasil real, desigual.
Como havia um processo de negociação em curso, pode se dizer que a reintegração de posse levada a cabo pela PM foi ilegal?
Não dá para dizer que foi ilegal, eu diria que foi
absolutamente ilegítima. Ilegal não, porque o próprio STJ acabou
avalizando. O problema é que o julgamento da Justiça é feito a partir do
direito de propriedade, com a injustiça social e uma justiça de classe.
Certamente, do ponto de vista dos direitos humanos, dos direitos civis,
da dignidade e do direito à habitação, essa [ação da PM] é moralmente
condenável. A Justiça poderia ter agido sabiamente para uma solução
política e social que, inclusive, estava em marcha.
No domingo, um juiz do Tribunal
Regional Federal (TRF) chegou a determinar a suspensão da retirada das
famílias, mas a ordem não foi acatada. A polícia federal poderia ter
agido para manter a decisão da justiça federal?
Essa é mais uma questão polêmica, mas eu acho que sim. Na verdade, a
Justiça Federal deu três liminares cassando a reintegração de posse. Uma
delas foi no próprio dia às 10h30 da manhã, sem que a polícia tivesse
completado a sua ação. [A reintegração] podia ter sido suspensa. Então,
eu acho que a Justiça Federal, obviamente, podia ter requisitado uma
ação federal, ou pela polícia federal ou talvez pela força nacional. Ela
podia ter feito algo para tentar cumprir a sua decisão. Acho que é
plausível que ela fizesse isso, mas não fez. A Justiça estadual operou
desrespeitando a decisão federal. Havia um conflito de competências, mas
isso acabou sendo dirimido no STJ, infelizmente, através do presidente,
e a favor do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Na sua avaliação, o que tem levado os
governos municipal e estadual e a justiça estadual a contrariarem a
decisão do governo federal em manter os moradores na área?
Primeiro eu quero fazer um registro: eu acho que o governo
federal demorou demais para agir. Ele foi inerte, poderia ter operado
mais rapidamente através de seu plano habitacional e etc.. A segunda
coisa é que para o PSDB, tanto na prefeitura de São José dos Campos como
no governo estadual, com uma área de 1 milhão e duzentos mil metros
quadrados com forte pressão do setor empresarial e imobiliário,
certamente deixou predominar o poder econômico. Ao invés de terem uma
visão para o social e atenderem os seus cidadãos, a prefeitura de São
José dos Campos e o governo estadual optaram pela lógica de expulsar as
famílias desvalidas de lá sem ter um plano de acolhimento.
Os moradores ocupam a área há oito anos. Por que agora essa decisão de retirá-los?
Essa ocupação tem oito anos e se consolidou bastante. Há muitas
casas de alvenaria e houve vários avanços em termos urbanísticos no
local. Mas não é a primeira vez que se tenta tirar os moradores de lá.
Várias liminares foram suspensas nesse período de lutas. Eu acho que
tanto o governo municipal quanto o estadual e a Justiça quiseram fazer
do Pinheirinho um local exemplar para evitar novas ocupações. Inclusive
com a ação policial absolutamente desmedida: 2 mil policiais militares
com aparato bélico para enfrentar uma maioria de mulheres e crianças e
idosos que ali moravam, e trabalhadores e trabalhadoras.
O que será feito a partir de agora para garantir a permanência das famílias na área?
Eu acho que não vai ser simples a permanência deles na área. O
governo municipal e o estadual realmente não tem um plano habitacional.
Eu espero que as pressões e denúncias e todo esse choque que gerou esse
tipo de desocupação gere nos governos federal, estadual e municipal uma
solução de moradia para essas milhares de pessoas que têm direito à
habitação. Mas é difícil acreditar que os gestores da massa falida,
depois da desocupação feita à força pela PM, tenham interesse em
negociar preços mais baixos para o terreno com os governos. Essa área
deve ser muito cobiçada pelo setor imobiliário, a especulação
imobiliária deve ser muito forte. Então, dificilmente a própria área do
Pinheirinho servirá de terreno às pessoas que já estavam lá, mas não
vamos descartar essa hipótese, vamos esperar.
Então, o que pode acontecer é que as famílias sejam realocadas em outra área?
Ou fiquem nas ruas. Os governos são cruéis. Eles não têm plano
habitacional para os excluídos, para os pobres. Então, nós esperamos que
a partir da repercussão do fato e da pressão organizada do movimento se
dê uma solução de moradia digna para eles.
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Piratininga
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