Mdia
Cristina Kirchner, a mídia e nós - Artigo de Venício Lima
Publicado em 23.01.12 - Por Venício Lima, na revista Teoria e Debate
Uma das mais importantes conquistas do primeiro governo de Cristina
Kirchner na Argentina (2007-2011) foi a aprovação da Lei nº 26.522 – Lei
de Serviços de Comunicação Audiovisual –, em 10 de outubro de 2009. A
Ley de Medios, como ficou conhecida, substitui o Decreto-Lei nº 22.285
promulgado pela ditadura militar, em 1981.
Antes de ser enviado ao Congresso Nacional o anteprojeto foi amplamente
debatido em todo o país. Em 2008, Kirchner nomeou o presidente do Comitê
Federal de Radiodifusão (Comfer) para coordenar sua elaboração. A base
inicial do trabalho foram os 21 pontos defendidos pela Coalizão por uma
Radiodifusão Democrática, criada pelo Fórum Argentino de Rádios
Comunitárias, em 2004. Além de contar com o apoio de figuras como, por
exemplo, Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, fazem parte do
fórum sindicatos, associações profissionais, universidades, emissoras
comunitárias e movimentos de direitos humanos.
A partir daí, foram programados quinze fóruns regionais para debater o
anteprojeto e a própria presidenta presidiu encontros com empresários,
líderes sindicais e estudantis, grupos de mídia, produtores
independentes, reitores de universidades, diretores e professores de
escolas de comunicação, líderes religiosos e associações de comunicação
comunitária.
Quando o projeto de lei foi enfim remetido ao Poder Legislativo, o
governo havia conseguido construir um consenso em torno dele, amparado
em amplos setores da sociedade argentina. Mesmo assim, foi alterado
duzentas vezes durante sua tramitação e, finalmente, aprovado na Câmara
dos Deputados (146 votos a favor, 3 contra e 3 abstenções) e no Senado
(44 a favor e 24 contra).
Resistência antecipada
Desde o anúncio da intenção de elaborar um projeto de lei para
substituir a regulação do tempo da ditadura militar, em processo
rigorosamente democrático, o governo de Cristina Kirchner sofreu – e
continua sofrendo – intensa oposição dos grupos dominantes de mídia e de
seus aliados internos e externos, inclusive no Brasil.
Por quê? Porque a lei argentina busca a regulação do, até então,
oligopolizado mercado de mídia. Este, agora, divide-se em três partes
iguais: para a iniciativa privada, o Estado e a sociedade civil.
Impede-se, portanto, a continuidade da concentração da propriedade e da
propriedade cruzada e, sobretudo, promovem-se a pluralidade e a
diversidade através da garantia da liberdade de expressão de setores até
aqui excluídos do “espaço público midiático” – povos originários,
sindicatos, associações, fundações, universidades –, através de
entidades sem fins comerciais.
São também garantidas cotas de exibição para o cinema argentino e a
produção nacional, além do fomento à produção de conteúdos educativos e
para a infância. As novas concessões e as renovações de concessões terão
de passar por audiências públicas e, para cuidar do cumprimento da lei,
incluindo os vários itens que estão sendo regulamentados pelo Congresso
Nacional, foram criados a Autoridade Federal, com sete membros, e o
Conselho Federal, com quinze.
Como era de esperar, desde que entrou em vigor a Ley de Medios tem sido
objeto de inúmeras medidas cautelares no Poder Judiciário, impetradas
pelos grupos de mídia dominantes e/ou por parlamentares de oposição ao
governo Kirchner. O objetivo, por óbvio, é conseguir embargos
provisórios e protelar indefinidamente a plena vigência do texto legal.
Para enfrentar as resistências e divulgar a nova legislação foi criado
pelo governo argentino um portal com o sugestivo nome de “Hablemos
Todos” (http://www.argentina.ar/hablemostodos/), que publica depoimentos
de apoio feitos por personalidades públicas, nacionais e
internacionais. Vale a pena visitá-lo.
Lições a tirar
A Ley de Medios argentina, como já se afirmou reiteradamente,
precisa ser estudada e debatida entre nós. Certamente servirá como
exemplo de uma regulação democrática que busca garantir aos cidadãos a
liberdade de expressão, plural e diversa, e, ao mesmo tempo, a
competição complementar e equilibrada no mercado de mídia.
Além disso, temos muito a aprender com o processo democrático liderado
pelo governo de Cristina Kirchner. No Brasil, apesar da convocação e
realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro de
2009, não se conseguiu ainda uma mobilização da sociedade civil capaz de
convencer o governo federal a liderar o processo.
A decisão do PT de recomendar o debate sobre o marco regulatório nas
campanhas municipais de 2012 e o compromisso da nova executiva do Fórum
Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que tomou posse em
dezembro de 2011, de ir às ruas para mostrar à população brasileira a
necessidade de uma nova regulação do setor, renovam as esperanças de que
enfim se criem as condições políticas que nos permitam avançar.
No campo das comunicações, não há dúvida, nossos vizinhos argentinos estão muito à frente de nós.
A ver até quando.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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