http://www.piratininga.org.br
Boletim do
NPC —
Nº 31
— De 15 a 31/12/2003
Para
jornalistas, dirigentes, militantes
e
assessores sindicais e dos Movimentos Sociais
Notícias do NPC
Quantas livrarias há no Brasil? Ou: em quantos municípios brasileiros há pelo menos uma livraria?
Em seu novo livro, As muralhas da Linguagem, que chega às livrarias em maio deste ano, Vito Giannotti afirma repetidamente: o Brasil é um país que não lê. À primeira vista é uma afirmação exagerada, quase ofensiva. Mas, olhando os dados da leitura de jornais e todos os outros dados apresentados, chegamos à conclusão que é isso mesmo: no Brasil lê-se muito, muito pouco. Vejamos um trecho da obra: “... Há um outro indicador que escancara mais nitidamente a contradição entre o Brasil da Casa Grande e o da Senzala do ponto de vista do acesso aos chamados bens culturais: o número de livrarias no País. No Brasil, segundo dados do IBGE, de abril de 2001, existiam 5506 municípios. Destes, apenas 1927 contam com alguma livraria. Isto significa que, em 3579 municípios não há onde se comprar livros. A grande maioria da população não sabe se livro é comprado no açougue, ou na farmácia. E isto, não no longínquo ano de 1603, 1703, ou 1803. Isto, o IBGE nos diz que acontece em pleno 2003. O Jornal do Brasil, de abril de 2000, dava um outro número aproximado. Noticiava que 90% dos 5600 municípios brasileiros não possuíam nenhuma livraria. Só haveria alguma livraria em apenas 700 cidades. E ilustrava seus números com um dado do próprio Estado do Rio. Belford Roxo, município da Baixada Fluminense, à distância de menos de 45 minutos do centro do Rio, era um destes. Um dos grandes municípios da Grande Rio, bem perto do centro da capital, era um dos 4900 sem livraria. (...) Os dois números apresentam uma realidade igualmente trágica: bem mais da metade da população brasileira nunca viu uma livraria. No entanto, na chiquíssima rua do Rio, Visconde de Pirajá, que liga Ipanema com o Leblon, e nas suas transversais, há mais de uma dúzia de livrarias. São verdadeiros templos para o deleite dos leitores. (...). No seu interior, há cafeteria, bar, lanchonete: tudo o que Paris, ou Nova Iorque oferecem. Nestes templos, constantemente, há lançamentos de novos livros, belíssimos, interessantíssimos, variadíssimos e outros íssimos. (...) E os moradores de Belford Roxo, em qual travessa do seu município podem comprar um livro? Há muitas travessas, nas ruas de Belford Roxo, mas nenhuma possui uma livraria. Não se compram livros, na Senzala. Em Belford Roxo, 90, ou 95% são, ou vieram da Senzala, ou das suas adjacências. Se o número exato é 90, ou 95, não há certeza. Mas de uma coisa há certeza absoluta. Quando acabar o lançamento daquele último livro, em qualquer livraria do Leblon, ou Ipanema, quem vai limpar o chão, catar as garrafas vazias e juntar o lixo, certamente será um morador de Belford Roxo. Ou, quem sabe, do morro do Pavão ou Pavãozinho, que é bem mais perto da Visconde de Pirajá do que a Baixada Fluminense”.
NPC Informa
Clóvis Moura falece aos 78 anos em São Paulo
Clóvis Steiger de Assis Moura nasceu em 1925, em Amarante, Piauí, e cresceu em Salvador, Bahia. Foi militante do PC do Brasil desde a década de 1940. Atuou como jornalista no diário comunista: primeiro na Bahia e, na década de 1950, em São Paulo, no Notícias de Hoje. Quando houve a reorganização, em 1962, ele foi um dos poucos intelectuais de peso que acompanhou o PCdoB. Era muito amigo do Pedro Pomar - eram compadres - e, durante a ditadura, manteve contatos freqüentes com o dirigente. Criou, em 1975, o Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas, uma organização voltada ao estudo do racismo no Brasil e que promovia cursos, debates, seminários, etc, com militantes do movimento negro que começava a se organizar. Foi, assim, o teórico daquele movimento que então renascia, e vem daí o enorme prestígio que ele teve no movimento anti-racial brasileiro. Ultimamente, estava muito próximo do MST, tendo escrito uma história de Canudos e produzido alguns textos para a luta dos sem terra. O sociólogo faleceu na noite do dia 23 de dezembro, no Hospital Albert Einstein. (Por José Carlos Ruy)
A Comunicação que queremos
Conheça nesta edição do Boletim do NPC, as idéias de José Arbex Jr.
Em 29 de novembro de 1999, concedeu por e-mail, ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho, a entrevista que publicamos a seguir. Embora quatro anos já tenham se passado, ela continua atual. Mas é mais do que isso. É uma aula de jornalismo. José Arbex Jr. é um exemplo de rebeldia e coragem para todos os que não querem fazer um Jornalismo Canalha. Leia ainda nesta edição trechos de Jornalismo Canalha, o último livro de José Arbex. Prometemos para breve nova entrevista atualizada até 2004. José Arbex Jr. é jornalista. Tem 46 anos. É também doutor em História Social contemporânea pela USP. Começou sua carreira profissional em 1984 como repórter da área de Política Externa da Folha de S. Paulo. Foi correspondente da FSP em Nova York e Moscou e da BBC de Londres. Cobriu a guerrilha da Nicarágua, a queda da ditadura Duvalier no Haiti, as primeiras manifestações de rua contra o regime de Stroessner no Paraguai, a retirada do Exército Vermelho do Afeganistão, a Primavera de Pequim, a Retirada do Exército vietnamita do Cambodja e a Queda do Muro de Berlim, entre outros fatos. Entrevistou com exclusividade diversas personalidades do mundo político, intelectual e artista. Citamos alguns nomes: M. Gorbatchov, Iasser Arafat, Daniel Ortega, Lula, Noam Chomski, Peter Gabriel e John Cage. Entre os livros que publicou estão A Segunda Morte de Lênin - O Colapso do Império Vermelho (Folha), Narcotráfico - Um Jogo de Poder nas Américas (Moderna), Revolução em 3 Tempos - URSS, Alemanha, China (Moderna), A Outra América - Apogeu, Crise e Decadência dos EUA (Moderna), Nacionalismo - Desafio à Nova Ordem pós-Socialista (Scipione), O Poder da Televisão (Scipione) e recentemente Showrnalismo e Jornalismo Canalha, ambos pela Editora Casa Amarela. (A íntegra da entrevista está em www.piratininga.org.br) Trechos da entrevista Luiz Maklouf Carvalho. Como, por que, quando e onde você escolheu a profissão?
José Arbex. Não posso dar uma resposta exata... Comecei a escrever em jornais políticos (do PT, da CUT e outros), nos anos 70, como parte da luta contra a ditadura. Mas eu fazia Engenharia Química na Escola Politécnica da USP. Fui pra ECA também, em 1978, muito atraído pelas moças e pelo ambiente da escola: a ECA era colorida, bonita, alegre, ao passo que a Poli era cinzenta, chata, fria. Fiquei mais e mais desencantado com a engenharia... Foi assim. L. Maklouf. Como é que começou sua experiência de correspondente no exterior? Arbex. Começou com um gesto voluntarista de minha parte. Eu achava, em 1986, que as coisas iam ficar muito explosivas na Nicarágua, depois de um relativo período de calmaria. Eu ia ter férias na "Folha", onde ainda era um mero "foca". Resultado: propus que eu fosse cobrir a Nicarágua, como enviado especial, durante as minhas férias... A direção da Folha topou, mas com muita relutância. Fui, e meu palpite estava certo! Aconteceu muita coisa, e eu tive sorte. Estava sempre no lugar certo na hora certa. Daí caiu a ditadura dos Duvalier, no Haiti, bem ao lado da Nicarágua. E aí a "Folha" me enviou ao Haiti. Foi então que tudo realmente aconteceu. Mal cheguei em Porto Príncipe (capital), vi algumas cenas que me sugeriram aquilo que Lênin caracterizava como "situação pré-revolucionária": "os de cima já não podem continuar como estão, os de baixo já não suportam mais continuar como estão". Apostei nisso. Contra tudo o que diziam as agências de notícias e os "especialistas", afirmei que o Haiti estava à beira da guerra civil. Levei uma bronca da direção da "Folha" por causa disso. Mas acertei. No dia seguinte, havia barricadas pra tudo quanto era lado, o Exército estava atirando nas pessoas, foi o inferno. E assim eu conquistei um espaço meu dentro do jornal. L. Maklouf. Por que optou pelo trabalho de free lancer? E como o tem desenvolvido desde que saiu do dia-a-dia das redações? Arbex. Basicamente, quero ser o dono de meu tempo e de meu espaço. Não é pouca coisa. Eu hoje consigo me dar o luxo da escolha: trabalho na exata medida em que preciso de dinheiro. Mas tenho hábitos austeros, simples: não bebo, não fumo, não vou a restaurantes caros, não ligo pra roupa chique, qualquer carro serve, desde que funcione. Consumo livros e cd’s, basicamente. L. Maklouf. Como avalia os jornais diários nacionais? Arbex. Péssimos. L. Maklouf. E as revistas Veja, Istoé, Época e Carta Capital? Arbex. As primeiras três são, em geral, muito ruins, mas eu não coloco um sinal de identidade entre elas. E Carta Capital faz um trabalho investigativo e de conteúdo crítico que não tem nada a ver com aquilo que fazem as outras três.
Veja se assemelha, cada vez mais, a um pasquim da imprensa marrom, é hoje uma revista de quinta categoria. É a "Caras" que se pretende intelectualizada. É ridícula. Por exemplo, a capa com o Stédile retratado como belzebu é tão lamentável quanto a campanha para eleger Ciro Gomes. Não dá mais pra ler. Época e Istoé são, no máximo, "mornas", e isso se as olharmos com muita bondade. Em geral, falta ousadia, crítica, percepção sofisticada dos fatos da cultura. Falta uma perspectiva brasileira, a coragem de dizer claramente aquilo que tem que ser dito. Falta vontade política de inovar, de interferir socialmente nos acontecimentos do país. E falta uma visão ao mesmo tempo ampla e profunda do lugar do Brasil no mundo. Lançar uma perspectiva brasileira sobre o mundo. Esclareço que eu nem estou falando, aqui, de uma perspectiva "socialista", mas sim de uma perspectiva qualquer, mesmo "burguesa". Não há. Só há um blá-blá-blá insuportável que reproduz uma visão de mundo colonizada. Todos esses problemas são decorrência de uma opção editoral que, por sua vez, reflete a tradicional covardia das elites brasileiras. L. Maklouf. O que vai mal na grande mídia brasileira? E o que vai bem? Arbex. Vai mal a falta de cultura geral dos jornalistas e dos donos do jornal; a falta de ousadia empresarial; a falta de uma visão brasileira e a falta de coragem para apostar numa visão brasileira; a apologia ridícula do "discurso para o mercado", que não é nem livre nem neoliberal coisa nenhuma. Etc etc. L. Maklouf. Quem fez ou faz a sua cabeça no melhor sentido da expressão? E por que? Arbex. Meu pai - José Arbex -, William Shakespeare,Karl Marx, Walter Benjamin, Leon Trotsky, Noam Chomsky, Hannah Arendt, Sigmund Freud, Jacques Lacan, Franz Kafka, James Joyce,Carlos Drummond de Andrade, João Guimarães Rosa, Clarice Lispector. É tanta gente... Ainda bem! L. Maklouf. Você ganhou o Herzog 99 com a reportagem "Terror no Paraná", na revista Caros Amigos - sobre a violência do governo Lerner contra o Movimento dos Sem Terra. Como nasceu e como foi feita a reportagem - da apuração ao texto e à edição? Arbex. Nasceu de uma conversa com o João Pedro Stédile. Ele me contou o que estava acontecendo. Em princípio, achei meio estranho, já que nada daquilo saía na imprensa. Fui conferir e deu no que deu. L. Maklouf. Que livros considera obrigatórios para a formação específica de um jornalista? Arbex. Vixi maria mãe de Deus!!!! Qualquer um dos autores que citei logo acima (questão 18) e mais um montão enorme, imenso: desde Balzac - o grande cronista do século XIX, graças a quem sabemos muito do que sabemos sobre a formação do Estado nação europeu - aos livros-reportagem que viraram moda (sem nenhuma conotação negativa) nos últimos anos, no Brasil, passando por Umberto Eco, Heidegger, Milton Santos. Digo isso porque, para mim, jornalista tem que ter muita cultura. Muita cultura. É a única forma de não ser engolido pelo Everest de informações vomitadas diariamente pela Internet, televisão a cabo etc etc. Como desbravar a selva de informações e chegar naquilo que vale a pena???? Como identificar o fato jornalístico hoje em dia???? Só tendo muita cultura.
L. Maklouf. Como vê o renascimento de veículos alternativos como "Caros Amigos", "Correio da Cidadania" e "Oficina da Informação"? Arbex. Sintoma excelente do cansaço da mediocridade que impera na grande mídia. L. Maklouf. Como vê os veículos de crítica da mídia - entre eles o Observatório da Imprensa? Arbex. Insuficientes. L. Maklouf. Qual é a sua avaliação do comportamento ético da mídia? Arbex. Lamentável.
De Olho Na Mídia
Jornalismo Canalha e Deus é inocente, a imprensa não, gêmeos e utilíssimos
Os dois livros, respectivamente, de José Arbex e de Carlos Dornelles, se propõe ao mesmo objetivo. Mostrar o que é a imprensa. Mostrar o outro lado da moeda. Denunciar toda vez que a mídia se mostra conivente com o poder. Mostrar quais são os interesses de classe que estão em jogo, numa notícia, aparentemente neutra. Mostrar a manipulação dos fatos, pela mídia, para obter financiamentos de empresas, ou do governo. Desmascarar toda vez que a mídia corre atrás de polpudas encomendas de propaganda, disposta a se transformar em órgão oficial do poder, seja ele qual for. Mas não é necessário chamar Arbex, ou Dornelles para interpretar esta manipulação diária feita nos jornais da grande imprensa. Cada um pode ver... é só abrir bem os olhos. A Folha de São Paulo do dia 1º de janeiro de 2004 nos dá um exemplo desta manipulação e submissão da mídia ao projeto do império do capital. Ao império americano e seus aliados, no caso, Israel. Vejamos. Na página 7 do primeiro caderno há uma manchete sobre o Oriente Médio: “Israel quer aumentar colonização de Golan”. Não vamos nem analisar o que está por trás deste título. Ele quer esconder que as Colinas de Golan eram da Síria até 1967, quando foram invadidas por Israel, na Guerra dos seis dias. Mas isto já são águas passadas. O pior da manipulação está na legenda da foto que ilustra o artigo. A Folha reproduziu a foto da agência internacional Reuters, que mostra as placas da construção do “Muro da Vergonha”, que Israel está construindo para se isolar dos palestinos. Palestinos que moravam lá naquela terra e foram expulsos pelos aviões e tanques de Israel, que implantou no lugar assentamentos de população israelense. Este é o fato. Mas a legenda da foto da Reuters traz uma mensagem completamente distorcida. “Perto de Jerusalém, palestino anda em meio a partes de concreto da barreira que Israel ergue para impedir a ação dos terroristas”. É só analisar o que a legenda quer nos dizer. Primeiro... todo árabe é terrorista. Segundo: a tal barreira, o “Muro da vergonha”, é feito para se defender dos... terroristas. Se defender, simplesmente. Não é para garantir a invasão, a ocupação perpetrada pelas forças israelenses. É isso que a Folha nos deu no primeiro dia do ano de 2004. Arbex e Dornelles explicam! (Vito Giannotti)
Novela faz datcha virar fazenda na Rússia
Há cerca de três meses, dentro de um trem, na Itália, conheci uma jovem migrante russa. Não me lembro de seu nome, mas sim de nossa conversa. Logo que soube que eu era brasileira, começou a falar sem parar sobre Brasília, a capital. As cariocas, “as mulheres mais bonitas do mundo”, na opinião da minha companheira de viagem. E dá-lhe Ana Paula Arósio, Antônio Fagundes, Tiago Lacerda e por aí vai. Conhecia-os todos e melhor do que eu. Perguntei a ela como tinha tantas informações sobre o Brasil. A explicação era muito simples: “eu gosto das novelas brasileiras. Vejo todas. Aqui na Itália nem tanto, mas na Rússia todo mundo assiste às novelas do Brasil. A gente nem fala mais a palavra datcha na Rússia, agora já se usa fazenda, como nas novelas do Brasil”. Pelo jeito, o número de palavras da língua portuguesa a ser incorporado ao vocabulário russo, vai aumentar. No final do ano passado, a Globo ampliou o acordo que mantém desde 1995 com a emissora russa ORT. O número anual de horas de programação exportadas passou de 200, em 2003, para 1000 horas a partir de 2004. Na televisão russa passará a exibir duas novelas ao invés de uma no horário nobre e reprisa uma delas na faixa vespertina. Em fevereiro, começa a ser exibida e 13º novela da Globo no país: "O Clone".
Entrevista
Rosângela Gil conversa com Pedrinho Guareschi sobre meios de comunicação e democracia
O professor de jornalismo da PUC do Rio Grande do Sul, Pedrinho Guareschi, é taxativo: "enquanto existirem meios de comunicação considerados como privados, quando têm dono, é impossível falar em democracia no Brasil". Para ele, o povo é privado da sua palavra e da sua voz, o que prejudica a cidadania, já que a pessoa humana se torna cidadã quando ela consegue dizer a palavra. Pedrinho Guareschi fala com desenvoltura sobre meios de comunicação, cidadania, democracia participativa e distribuição de renda. Não poder dizer a "sua" palavra, que é o que a pessoa tem de mais profundo, sagrado e original, faz com que se crie um ciclo de privilégios e exploração sem fim. Hoje, no Brasil, há uma estrutura que sufoca a palavra, portanto, a participação; portanto, a organização; portanto, as mudanças. Nesta entrevista ao Boletim NPC, o professor Pedrinho Guareschi, que participou do 9º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, em novembro último, observa que toda a comunicação trabalha com conotações, com ideologia. "São usados adjetivos terríveis contra o movimento dos sem terra, por exemplo". NPC - Quando nos tornamos um cidadão ou uma cidadã? Prof. Pedrinho Guareschi - A pessoa humana se torna cidadã quando ela consegue dizer a palavra, porque dizer a palavra é realmente tirar de dentro dela o que ela tem de mais profundo, mais sagrado e mais original. E só ela é que pode fazer isso. Então ela precisa, ao dizer a palavra, de consciência e liberdade. Essa consciência e liberdade que a levam a ser responsável. Alguém se torna cidadão ou cidadã quando contribui numa cidade, numa comunidade, com aquilo que ela tem de único e "irrepetível", que é o seu próprio ser. A partilha desses projetos comuns é que forma democraticamente uma cidade, uma sociedade. A construção de uma cidade, falando em termos de democracia e cidadania, passa pelo projeto, pelo pronunciamento e pela palavra de todos os seus membros e participantes. É muito importante distinguir que há vários níveis de participação. A participação no planejamento, na execução e nos resultados. O que acontece em geral é que os brasileiros participam fortemente na execução. É o trabalhador que faz tudo. Quanto aos resultados, eles ficam com uma pequena parte. O Brasil é campeão da má distribuição de renda. Mas a questão da cidadania passa pela participação no planejamento. É no planejamento que eu decido quem faz o quê (execução) e quem fica com o quê (resultados). Então, cidadania é participação no planejamento. E isso só é possível quando a pessoa fala, planeja, apresenta o seu projeto. Essa é a questão central da cidadania. NPC - Quando os meios de comunicação destroem a palavra do povo? Guareschi - Exatamente quando o povo é privado da sua palavra e da sua voz. E isso acontece, eu diria, estruturalmente no Brasil, porque são poucos grupos ou famílias que detêm os meios de comunicação. A maioria do povo brasileiro permanece silenciada, permanece excluída dessa participação da palavra. Estruturalmente falando, enquanto existirem meios de comunicação que são considerados privados, quando têm algum dono, é impossível falar em democracia no Brasil. NPC - A comunicação no Brasil pode e deve ser diferente? Guareschi - Pode e deve. Pode, e já há vários exemplos de como a gente pode fazer a sociedade civil se pronunciar, se manifestar. Esse é o grande trabalho, penso eu, que leva à democratização e que leva, inclusive, à distribuição de renda. O Brasil é um país de desiguais, e é importante que ele (o Brasil) permaneça desigual porque esses desiguais sempre vão servir aos interesses de outros. Trabalhar para os outros. Serem explorados. Não dizerem a sua palavra. E isso automaticamente faz com que se perpetue um grupo de privilegiados. A distribuição de renda vai levar a maior participação das pessoas. Participação nos benefícios e também na construção da cidade, que é dizer a palavra no momento de se decidir como eu quero a minha Nação, como eu quero a minha cidade. Aqui eu faço mais uma distinção entre democracia representativa e democracia participativa. Todo mundo diz: o cidadão já participa quando vota. Até certo ponto. Não excluo a democracia representativa, mas ela está muito mal das pernas. O melhor é a democracia participativa, onde as pessoas são chamadas a dizerem sua palavra. Dizer sua palavra como? Expressando suas prioridades e se reunindo. NPC - Os meios de comunicação no Brasil informam ou desinformam? Guareschi - Na minha opinião, mais desinformam do que informam. É impressionante como a informação é dada pela metade. É informado só o que interessa. Se seleciona a informação, se colocam adjetivos terríveis, fazem muito isso com o movimento dos sem-terra. Toda a comunicação trabalha com conotações, com ideologia. Constrói-se a representação social de um presidente da República, dos líderes. Hoje em dia temos uma coisa escandalosa que é a criminalização dos movimentos populares. Ou não são dadas notícias ou são dadas notícias contra. (Rosângela Gil – De Santos)
Dicas
Filmes sobre o desemprego neoliberal
Segunda-feira ao Sol - “Los Lunes al sol”. De Fernando León de Aranoa (Espanha, 2002). Com Javier Bardem e Luis Tosar. Quatro metalúrgicos desempregados, seus dramas e suas lutas para sobreviverem em uma cidade do norte da Espanha após o fechamento dos estaleiros. Imperdível. No Rio ainda está em cartaz. Nas cidades em que a obra não entrar em cartaz, deve-se ficar de olho nas locadoras. Vale a pena, é uma aula sobre neoliberalismo, na prática.
Novos artigos em nossa página
A comunicação, um desafio na CUT para 2004. Por Antônio Carlos Spis
Durante muitos anos, alimentou-se o “mito” entre dirigentes e assessores de que a grande responsável pela má condução das informações no “sistema CUT”, de um lado, e o desconhecimento do trabalhador sobre a Central, de outro (como comprovaram as pesquisas quantitativa e qualitativa feitas pela Agência DM9, em 2002), seria a falta de uma “política nacional de comunicação”. O problema parece óbvio, mas se for analisado com um pouco mais de atenção, será possível perceber o quanto o tema é complexo e cujas respostas avançam muito mais pelo terreno da política do que a financeira.
Terra de Lunáticos. Por Gustavo Barreto (2 de janeiro, 2004)
É pouco provável que alguém consiga entender a sociedade norte-americana sem passar por uma profunda análise da televisão e seu papel na mesma. Não há aqui a pretensão de tentar entendê-la completamente, mas existem algumas coisas patentes e que merecem alguma atenção.
Pasquale e seu Creysson unidos no preconceito. Por Sérgio Domingues
O professor Pasquale ficou famoso por ensinar como falar e escrever corretamente. A fama do personagem Creysson veio por motivos opostos. Ambos têm como referência uma língua imposta por quem venceu a resistência popular. Condenam à marginalidade aqueles que falam as variedades não dominantes da língua.
O povo brasileiro não é bundão. É abusado. Por Sérgio Domingues
O ótimo livro de Caco Barcellos provoca muitas conclusões. Uma delas é a de que a idéia de que o povo brasileiro é pacífico, passivo, cordial, é falsa. Sabe ser violento tanto quanto qualquer outro povo. O problema é que sua parte mais pobre usa a violência contra si mesmo.
Clóvis Moura investigava o passado histórico para compreender melhor o presente. Por José Carlos Ruy
Dois livros publicados em 1959 tornaram-se clássicos na literatura histórica brasileira - Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado, e Rebeliões da Senzala, de Clóvis Moura, modelos de duas formas radicalmente opostas de se considerar aqueles que sofreram a escravidão em nosso país. Celso Furtado, tributário de idéias tradicionais - e mesmo do limitado marxismo brasileiro de então - comparava os escravos dos engenhos de açúcar "às instalações de uma fábrica", pois eram comprados como elas e sua manutenção representava os custos fixos.
Guerrilha antipublicidade invade Metrô em Paris. Por Selma Schnabel, traduzido para a Agência Carta Maior por Marco Aurélio Weissheimer (5/1/2004).
Um forte movimento contra a propaganda está tomando de assalto os anúncios no Metrô parisiense, fazendo uma defesa do espaço público contra a mercantilização da vida. Sarcástica, inventiva e muito eficaz graças à Internet, essa guerrilha urbana sem líder pode se estender para outros países.
Caco Barcelos: Indústria da segurança alimenta a retórica conservadora. Por Juliana Andrade - Repórter da Agência Brasil
Brasília - O jornalista Caco Barcelos, da TV Globo, afirmou na segunda-feira, dia 5, que o argumento do descontrole da violência tem funcionado no Brasil como uma retórica de conservadores para justificar a repressão, o autoritarismo e a injustiça social. Agraciado com o prêmio de Direitos Humanos, na categoria Imprensa, em solenidade no Palácio do Planalto, ele emocionou o público com um discurso incisivo contra a indústria da segurança, comandada por militares e delegados de polícia. Caco nasceu em Porto Alegre e iniciou sua carreira jornalística há 30 anos. Durante a ditadura militar, trabalhou em veículos da imprensa alternativa. A partir de uma reportagem para a revista Versus, escreveu seu primeiro livro, intitulado "A Revolução das Crianças", sobre a revolução sandinista, na Nicarágua. Trabalhou nas revistas Repórter, IstoÉ e Veja. Desde 1985, trabalha na Rede Globo, como repórter do Jornal Nacional, do Fantástico e do Globo Repórter. Atualmente, é correspondente da emissora em Londres.
Expediente
Boletim do Núcleo Piratininga de Comunicação
Av. Rio Branco, nº 277 sala 1706 CEP. 22245-120 Tel. (21) 2220-56-18 / 9628-5022 www.piratininga.org.br / npiratininga@uol.com.br Coordenador: Vito Giannotti Edição: Claudia Santiago (MTB.14.915) Projeto Gráfico: Edson Dias Colaboraram nesta edição: Gordo (Rio de Janeiro), Gustavo Barreto (Rio de janeiro), Kátia Marko (Porto Alegre), Mário Camargo (Maringá), Marcelo Souza (Porto Alegre), Rosangela Gil (Santos), Sérgio Domingues (São Paulo), Virgínia Fontes (Rio de Janeiro) e Vito Giannotti.
Se você não quiser receber o Boletim
do NPC, por favor, responda esta mensagem escrevendo REMOVA.
|
|
|
|