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O partido único da mídia - Artigo de Laurindo Leal Filho
Publicado em 03.01.12 - Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Carta Maior
A superficialidade e o descrédito a que chegaram os meios de comunicação
tradicionais no Brasil é incontestável. Posicionamento
político-partidário explícito e "reengenharias" administrativas estão na
raiz desse processo.
Dispensas em massa de profissionais qualificados explicam, em parte, a
baixa qualidade editorial. Foi-se o tempo em que ler jornal dava prazer.
Mas fiquemos, por aqui, apenas na orientação política.
A concentração dos meios e a identidade ideológica existente entre eles
criou no país o "partido único" da mídia, sem oposição ou contestação.
Ditam políticas, hábitos, valores e comportamentos. O resultado é um
grande descompasso entre o que divulgam e a realidade. Hoje, para
perceber esse fenômeno, não são mais necessárias as exaustivas pesquisas
em jornalismo comparado, tão comuns em nossas academias lá pelos anos
1980.
Agora basta abrir um jornal ou assistir a um telejornal e compará-los
com as informações oferecidas por sites e blogues sérios, oferecidos
pela internet. São mundos distintos.
No caso da mídia brasileira essa situação começou a se consolidar com a
implosão das economias planificadas do leste europeu, na virada dos anos
1980/90.
Em 1992, no livro "O fim da história e o último homem", ampliando ideias
já apresentadas em ensaio de 1989, Francis Fukuyama punha um ponto
final no choque de ideologias, saudando o capitalismo como modo de
produção e processo civilizatório definitivo da humanidade, globalizado e
eternizado.
Tese rapidamente endossada com euforia pela mídia conservadora e
hegemônica que, a partir dai, pautaria por esse viés seus recortes
diários do mundo, transmitidos ao público. Faz isso até hoje.
Só que, obviamente, a história não acabou. Ai estão as crises cíclicas
do capitalismo, neste início de milênio, evidenciando-o como modo de
produção historicamente constituído, passível de transformações e de
colapso, como qualquer um dos que o precederam. Mas a mídia trata o
capitalismo como se fosse eterno, excluindo de suas pautas as
contradições básicas que o formam e o conformam. Dai a pobreza de seus
conteúdos e o seu distanciamento da realidade, levando-a ao descrédito.
De fomentadora de ideias e debates, fortes características de seus
primórdios em séculos passados, passou a estimuladora do conformismo e
da acomodação. Para ela o motor história não é a luta de classes e sim o
consumo, apresentado em gráficos e infográficos, alardeando números e
índices que, muitas vezes, beiram o esotérico.
Se nos anos 1990 essas políticas editoriais obtiveram relativo êxito
apoiadas na expansão do neoliberalismo pelo mundo, na última década a
realidade crítica abalou todas as certezas impostas ideologicamente. As
contradições vieram à tona.
No entanto a mídia, reduzida e conservadora, especialmente no Brasil,
segue tratando apenas das aparências, deixando de lado determinações
mais profundas. Movimentos anti-capitalistas espalhados pelo mundo são
mencionados, quando o são, particularmente pela TV, como "fait-divers",
destituídos de sentido, a-históricos. Seguindo rigorosamente a tese de
Fukuyama.
Fazendo jus ao seu papel de "partido único", os meios oferecem ao
público, como elemento condutor de sua ideologia conservadora, algo que
genericamente pode ser chamado de kitsch. Definição dada pelos alemães
no século passado para a arte popular e comercial, feita de fotos
coloridas, capas de revistas, ilustrações, imagens publicitárias,
histórias em quadrinhos, filmes de Hollywood. Atualizando seriam os
nossos programas de TV, os cadernos de variedades de jornais e revistas,
as músicas e as preces tocadas no rádio.
Esse é o prato diário da mídia, oferecido em embalagens sedutoras e
entremeado de informações ditas jornalísticas, apresentando o mundo como
um quadro acabado, inalterável. Não existindo alternativas, resta o
conformismo anestesiado pelo consumo, ainda que para muitos apenas
ilusório.
Claro que esse quadro midiático tem eficácia até certo momento, enquanto
realidade e imaginário de alguma forma guardam proximidade. Mas ele
também é histórico e, portanto, mutável.
Enquanto as contradições básicas da sociedade, aqui mencionadas,
permanecerem existindo, a integração das consciências "pelo alto" será
irrealizável, alertava Adorno, num dos seus últimos textos. Por mais que
os meios de comunicação se esforcem por integrá-las.
Ao se fixar nos seus próprios dogmas, desprezando o real, o poder dos
partidos midiáticos tende ao enfraquecimento. Ao se descolarem da
realidade perdem credibilidade e apoio, cavando sua própria ruína.
Confrontados com a internet desabam. Trata-se de um caminho trilhado de
forma cada vez mais acelerada pela mídia tradicional brasileira. Sem
falar na contribuição dada a esse processo pela queda da qualidade
editorial, tema que fica para outro momento.
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e
jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre
outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da
televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.
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