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Como pressionar pelo marco regulatório
Publicado em 27.12.11 - Por Valério Cruz Brittos e Luciano Gallas, no Observatório da Imprensa (edição 674)
Enquanto
o final de ano está (muito) próximo e avançam os tradicionais balanços
sobre o período que chega ao fim, também transcorrem os planejamentos do
que será feito de diferente nos 365 (ou 366) dias seguintes.
Contabilizam-se prós e contras, lista-se o que não foi efetivamente
colocado em prática e organizam-se estratégias para que não sejam
cometidos os mesmos erros no novo período. Ante isso, a sociedade
brasileira organizada pode e deve aproveitar esse momento para realizar
sua autocrítica: é possível fazer mais pela implementação de um marco
regulatório da comunicação no Brasil?
O
governo Dilma Rousseff está prestes a completar seu primeiro
aniversário e até o momento não demonstrou estar interessado em
engajar-se no processo, atacando os problemas histórico-estruturais da
área no país, sintetizados na concentração empresarial. Franklin Martins
deixou a Secretaria da Comunicação ao fim do governo Luiz Inácio Lula
da Silva com um anteprojeto pronto, mas o documento segue trancado em
alguma gaveta do Palácio do Planalto. Com o governo mostrando que não
pretende comprar essa briga, não está mais do que na hora da sociedade
brasileira organizada empurrar o governo para a ação?
As
empresas de radiodifusão fazem uma gritaria sem razão ante qualquer
iniciativa de discussão do tema, como se, de fato, a liberdade de
atuação viesse a ser prejudicada com a implantação de uma lei
regulatória de suas atividades. Elas alegam que a liberdade de expressão
estaria em risco, mas cabe perguntar: quem é que, de fato, enfrenta
enormes empecilhos para manifestar-se, a empresa ou parcelas da
população? Quem tem direito a voz e imagem nas transmissões de rádio e
de televisão no Brasil são as concessionárias e os grupos que ela
reconhece. Defender o pleno direito da sociedade brasileira à
comunicação não é censura: ao contrário, é ampliar o número de vozes na
arena midiática.
Indicativo de desenvolvimento
O
que as emissoras defendem é a liberdade de empresa porque o cenário
midiático tradicional no Brasil não oferece espaço à manifestação
efetiva do cidadão. Ao ouvinte, telespectador e ao público em geral é
oferecida uma participação acanhada em nome de uma suposta
interatividade, que não passa de jogo de palavras e de estratégia de
marketing – afinal, tal ferramenta resume-se à escolha da cor da gravata
do apresentador; à resposta a enquetes rasas, com alternativas
pré-selecionadas pelos editores; ou à definição do gol mais bonito da
rodada, entre quatro ou cinco possibilidades construídas pelos
programas.
Fazer
a regulamentação nada tem a ver com autoritarismo, porque é do jogo
democrático a existência de regras e sanções, de forma que a sociedade
funcione e reproduza-se. Autoritarismo é rejeitar a possibilidade de
regras – o sonho de todo candidato a déspota é governar sem a existência
de limites ao seu poder. Defender a existência de um marco legal que
normatize o funcionamento das mídias é defender a democracia. Sabe-se
como, no Brasil, muitas empresas de comunicação conviveram muito bem com
o poder autoritário durante o período em que a caserna dava as ordens e
democracia era assunto proibido no país.
O
que está em jogo é o controle unicamente privado da comunicação. Houve
um tempo em que a capacidade técnica dos meios de comunicação era
reconhecida como indicador da qualidade de vida de uma nação. Ter uma
televisão com imagem apurada, estética ficcional elogiável e capacidade
de cobertura nas produções jornalísticas era um indicativo de
desenvolvimento econômico e social, um caminho que já foi superado. Boa
qualidade técnica era quase um sinônimo de democracia consolidada. Até
poderia ser, se a forma não fosse tão aplicada em esconder os vícios do
conteúdo.
Decisão será da sociedade
Sabe-se
que o mundo não funciona assim e que a Rede Globo, por exemplo, sendo
favorecida pelo regime da ditadura militar, transformou-se na voz do
poder. Não apenas ela, saliente-se, mas nenhuma outra organização teve
tão facilitado seu projeto de construir uma rede nacional de TV, cuja
programação obedecesse ao primado do lucro e das relações
político-econômicas privilegiadas com o mercado e o Estado. Sem uma lei a
lhe apontar limites, a empresa tem total liberdade de ação (que insiste
em chamar de liberdade de expressão) para impor seus interesses
privados, em detrimento da pluralidade e diversidade sociais.
Voltando
ao balanço de final de ano e aos planos e metas de Ano Novo: se o
governo não se mexe e o anteprojeto do governo anterior continua parado
em uma gaveta, é o momento de a sociedade brasileira organizada
mobilizar-se mais para implementar seus projetos. A partir de um
documento, de um texto-base, de uma proposta de lei, será possível a
discussão sobre pontos concretos, envolvendo propostas específicas de
democratização da comunicação do país. Sensibilizar parlamentares
requer, antes, a sensibilização da opinião pública, tarefa difícil pela
baixíssima midiatização do tema.
Enquanto
o pouco debate existente for realizado em cima de ideias abstratas e de
grandes conceitos sem fundo real, as empresas de rádio e de comunicação
pouco afeitas ao debate terão a vida facilitada para deturpar a
discussão e manter o apego ao poder sem impedimentos, recorrendo a
fontes confiáveis (aos seus interesses) para sustentar suas posições.
Para evitar que isso ocorra, o governo da presidente Dilma Rousseff terá
que colocar o seu anteprojeto na rua, de forma a servir de base para as
discussões. Antes, porém, a sociedade brasileira terá que decidir se a
comunicação faz parte de suas metas e planos de desenvolvimento para o
próximo ano.
*Valério
Cruz Brittos e Luciano Gallas são, respectivamente, professor titular
no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e
mestrando no mesmo programa
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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