ltimas Notcias
Dossiê aponta violações na área do Porto, no Rio de Janeiro
Publicado em 07.07.11 – Por Lívia Duarte, da Fase
Dossiê organizado por diversos especialistas ligados ao Fórum
Comunitário do Porto detalha em 46 páginas uma série de violações de
direitos, especialmente à moradia, cometidas na região portuária do Rio
de Janeiro. O “Relatório de Violações de Direitos e Reivindicações” foi
entregue ao Ministério Público Federal antes da audiência realizada em
21 de junho. A audiência foi convocada para esclarecer sobre remoções e
ameaças de despejos relacionados às obras para a Copa e as Olimpíadas.
Na região central, o projeto Porto Maravilha, de “revitalização“ da área
portuária, estaria entre os que prometem garantir “legados” dos jogos
para a cidade. No entanto, os relatos de moradores mostram que hoje o
projeto não traz esperança, mas desconfiança e medo.
A arquiteta e urbanista Rossana Brandão Tavares, técnica educadora da
Fase que participou da elaboração do dossiê, conta que além deste
documento os moradores levaram para apreciação do Ministério Público
outras provas de que têm sido tratados à margem da lei. São exemplos
vídeos, propostas de indenização e convocações de cadastro irregulares.
Segundo ela, ainda não se sabe oficialmente a abrangência das atitudes
que o MPF pode tomar diante das denúncias. No entanto, para a arquiteta a
audiência pública foi importante na medida em que abriu espaço para os
moradores fazerem suas denúncias diante da Secretaria Municipal de
Habitação e na presença do Ministério Público como mediador.
Ela relata que na ocasião o secretário municipal de habitação Jorge
Bittar, apresentou os investimentos que a prefeitura pretende fazer na
região e demonstrou irritação ao ser interrompido por um dos moradores. O
rapaz perguntou se os investimentos seriam feitos com o dinheiro que a
prefeitura economiza com as indenizações. Interpelado, o secretário
gritou “Você sempre diz besteiras assim?”. O morador foi retirado da
sala por ordem da procuradora da República Gisele Porto e o secretário
não foi sequer recriminado. Ele chegou a dizer que os relatos dos
moradores eram mentirosos, mas depois admitiu a possibilidade de
arbitrariedades. Mas o destempero pode ter começado no início da
audiência, quando o subprocurador geral de Justiça, Leonardo de Souza,
que representou o MP Estadual, afirmou que a prática da SMH de marcar as
casas ameaçadas de despejo com spray remontava ao que os nazistas
faziam em relação às casas dos judeus.
De acordo com Rossana, um dos argumentos utilizados pelo secretário para
explicar possíveis irregularidades é atuação inadequada das
subprefeituras – o que exime de responsabilidade a Secretaria Municipal
de Habitação. Diante disso, entre os encaminhamentos citados na
audiência está a identificação da prática das subprefeituras. Outro
encaminhamento é a identificação das famílias atingidas ou ameaçadas
pelos despejos para que o MPF possa atuar mais diretamente.
O relatório
Para os autores, falta “vontade política” para resolver os problemas em
curso na Zona Portuária do Rio de Janeiro, já que há leis e regulamentos
que reconhecem a função social das propriedades e o direito à moradia
digna. Eles analisam que as situações mais graves e urgentes são
relativas ao Morro da Providência e às ocupações com os endereços 182,
184, 186, 207, 209, 211 da Rua do Livramento, bem como à ocupação
Machado de Assis, na mesma rua. Apesar dos casos serem distintos, um
problema comum é a falta de informações. Os moradores não sabem o motivo
de sua possível saída, os responsáveis, os prazos e o futuro da
comunidade.
São freqüentes relatos de que os agentes da prefeitura não se
identificam e informam de modo confuso. Muitas vezes, dizem que vão
“cadastrar” os moradores e dias depois chegam preparados para destruir
as casas. Também são comuns as marcações da Secretaria Municipal de
Habitação (SMH) ao longo da região portuária, principalmente no Morro da
Providência, mesmo que os moradores não saibam sobre o destino de suas
casas. Os autores do relatório não conseguiram quantificar com precisão o
número de remoções previstas, mas a partir das numerações pichadas
puderam supor que entre 300 a 400 devem vir abaixo no Morro da
Providência. Na Pedra Lisa, a própria SMH afirma que cerca de 300
residências são consideradas áreas de risco – o que justifica remoção.
O documento também denuncia que as quase 7 mil acomodações que serão
construídas para as Olimpíadas na região estão fora do perfil geralmente
praticado para habitação de interesse social. Não há previsão de
moradias populares, e nenhuma das unidades foi destinada como legado
social e urbano dos jogos, como prevê decreto de 2010.O fato indica a
intenção de mudar a perfil dos moradores da região. Para quem pode ser
removido é oferecido aluguel social ou apartamentos do programa Minha
Casa Minha Vida na Zona Oeste, em locais onde muitas vezes faltam
serviços básicos adequados, como transporte. Entre as preocupações dos
ameaçados está ficar longe do trabalho e de serviços públicos, como a
escola dos filhos e hospitais, e também a perda de vínculo a comunidade,
família, amigos.
Interesses privados
Na Rua do Livramento o dossiê aponta que a ação da prefeitura tem sido
favorável aos interesses particulares, mesmo nas casas e prédios com
dívidas ativas onde os ocupantes poderiam ter garantido o direito de
usucapião individual ou coletivo. Os autores denunciam que a SMH chega a
usar “subterfúgios de cadastramento”: fazem o cadastro como se fosse
para o Bolsa Família, inclusive de pessoas que não são casadas e não têm
filhos. E ainda destacam que em nenhum dos documentos oficiais sobre
mudanças produzidas na cidade os “cenários possíveis” mencionam a
possibilidade de transformar terrenos e imóveis abandonados em moradia
popular, justificando ainda mais a preocupação dos moradores de
ocupações.
O dossiê lembra ainda que em São Paulo há jurisprudência quando o
assunto é prevalência da posse com função social, caso em que se
encontram várias famílias da Rua do Livramento. Recorda ainda de
exemplos exitosos de organização popular para a solução do acesso à
moradia, inclusive incentivada pelo poder público. Em 1996, São Paulo,
movimentos sem-teto foram incentivados e o Fórum da Cidadania dos
Cortiços foi realizado com apoio estatal. Entretanto, lamentam os
autores, “o que se observa na conjuntura atual do Rio de Janeiro é o
incentivo à desmobilização e desarticulação dos moradores, através de
negociações individuais e até mesmo ações ilegais”.
* Baixe o documento completo
* Leia matéria sobre a audiência pública no UOL: “MP compara prefeitura do Rio a nazistas na desapropriação de imóveis para Copa e Olimpíadas”
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
—
Voltar —
Topo
—
Imprimir
|