MÃdia
Veja: Um jeito especial de ser
Por Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:
Muitos jornalistas gozam de tanta autossuficiência que ao escreverem um
texto sentem-se como se estivessem colocando aos olhos do leitor todos
os fatos, todas as suas possíveis facetas e até mesmo as interpretações
que uma pessoa razoável poderia fazer sobre aquele determinado tema.
Acontece que o leitor nem mesmo imagina como o jornalista chegou àquelas
conclusões, como seu raciocínio reteve os fatos, como os ordenou desta
forma e não daquela outra e, também, como chegou àquela conclusão e
optou por desconsiderar completamente aquela outra. Pior: muitos
jornalistas avançam mais, muito mais. Chegam a apresentar os
ingredientes da reportagem, orientam o leitor sobre como deveriam ser
assimilados e fornecem robustas pistas sobre como a matéria deveria ser
digerida.
Ao escrever essas frases, em um quase exercício de imaginação ativa,
tenho em mente, como exemplo, a ideologia de Veja, que sem qualquer
esforço aparente sempre permeia cada carta recebida dos leitores, cada
frase pinçada para ilustrar a semana e cada acesso seu à História como
se tudo existisse apenas para referendar suas crenças no neoliberalismo,
no livre mercado, ou então para justificar mesmo que superficialmente
sua peculiar forma de entender o que é democracia e, mais, o que é
liberdade de expressão.
Causas humanitárias
A revista dos Civita não fica em cima do muro quando os assuntos deixam
ao largo a objetividade e embarcam nessa imensa floresta que é a
subjetividade. O leitor observa que imparcialidade e objetividade
simplesmente não existem quando, por exemplo, a revista trata de Cuba e,
pior ainda, quando se refere a Fidel Castro ou a Che Guevara.
O país caribenho é sempre referido como o que há de mais trash na
política internacional e sua história enquanto país encontra seu ponto
final exatamente no primeiro dia de janeiro de 1959. O leitor
simplesmente não é informado que Cuba era uma espécie de parque temático
dos ricaços norte-americanos, com os mais opulentos cassinos e as mais
bem disseminadas redes de prostituição de que se tem notícia naquela
região da "costa da Flórida".
O mesmo leitor, se apresentado fosse ao personagem Fulgêncio Batista,
ditador igualmente longevo de Cuba e derrubado por Fidel Castro, poderia
ter a impressão de que Batista representava naquele momento histórico
um presidente legitimamente eleito, profundamente impregnado por ideais
libertários que impulsionam a democracia, a cidadania, o Estado de
Direito, o primado dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Ocorre que não podemos circunscrever apenas Cuba, Fidel e o Che ao olhar
especialíssimo e ideologicamente carregado de Veja. Neste olhar são
também esquadrinhados os Estados Unidos, George Bush, Barack Obama; a
Venezuela e Hugo Chávez; a Bolívia e Evo Morales; o Reino Unido e a Casa
de Windsor. A propósito deste último, salta aos olhos a defesa ardorosa
que a revista faz da monarquia inglesa e tudo a pretexto de saudar o
casamento do segundo na linha da sucessão ao trono inglês, William e a
plebéia Kate Middleton.
O alinhamento da revista da Editora Abril com essa monarquia é tal que
por pouco a mãe do noivo não é relegada ao anonimato: Diana foi a única
integrante da realeza britânica que na segunda metade do século passado
conseguiu incendiar a imaginação popular do país – incêndio de carisma e
empatia – que transbordava para praticamente todo o resto do mundo.
Incêndio causado pela promoção de causas profundamente humanas, como a
proibição de minas terrestres, o resgate da cidadania plena para os
portadores do vírus HIV e tantas outras, como a proscrição do comércio
de roupas e calçados feitos com peles de animais.
Jornalismo cidadão
É verdade que a abertura da longa matéria de capa da revista (edição nº
2214, de 27/4/2011) principia com tons pairando entre o sombrio e o
macabro:
"Morta, dentro de um caixão de teca, ainda assustadoramente bela num
longo preto, levando nas mãos um terço presenteado por Madre Teresa de
Calcutá, a princesa Diana quase derrubou uma monarquia de mais de 1000
anos."
Para o leitor mais familiarizado com os trancos e barrancos que a grande
imprensa costuma empregar para barrar a livre e independente busca da
verdade bem poderia ler outras frases. E seu sentido conservaria ainda o
mesmo impacto visual e auditivo:
"Morto, dentro de um caixão de cristal transparente, ainda
assustadoramente sedutor, levando nas mãos uma cópia da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, o jornalismo cidadão e plural quase
derrubou o monopólio dos meios de comunicação de mais de 500 anos."
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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